Quando cidades petroleiras falem

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Quando cidades petroleiras falem

Novas cidades criadas nos EUA em torno da extração estão em franco declínio — junto com sua população — depois que o preço do petróleo e do gás natural começou a cair e as indústrias fecharam.

"Vagões vazios voltam para Dakota do Norte para buscar mais óleo cru de Bakken" (2013). Foto via usuário do Flickr Roy Luck.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Um terço da energia usada nos EUA vem do gás natural. Em 2015, os americanos consumiram 7,08 bilhões de barris de petróleo e derivados — um número que equivale a mais de 20 barris por pessoa. Esses números são impressionantes, mas é ainda mais estranho quando pensamos no que é necessário para trazer esse gás e líquido das profundezas do solo, e considerando quanto disso se origina realmente nos EUA.

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Graças a tecnologias como o fraturamento hidráulico, que permite que as exploradoras quebrem rochas cheias de petróleo e gás com uma mistura de água e químicos, bombeados milhares de metros abaixo da superfície, a produção doméstica de petróleo e gás está na maior alta de todos os tempos.

Na verdade, a produção de petróleo cresceu tanto nos EUA e no resto do mundo que os preços despencaram. Em 2008, o petróleo era comercializado por mais de $100 o barril, hoje esse valor caiu para menos da metade. E isso faz as empresas petroleiras cortarem custos, abandonando bombas de petróleo, e às vezes até encerrem suas operações completamente. Pelo menos 130 empresas de petróleo e gás norte-americanas, representando bilhões de dólares, entraram em falência desde o começo de 2015, e mais delas provavelmente seguirão o exemplo.

Pelo menos 130 empresas de petróleo e gás norte-americanas, representando bilhões de dólares, entraram em falência desde o começo de 2015, e mais delas provavelmente seguirão o exemplo.

A principal pergunta entre ambientalistas e empresas petroleiras é: quanto tempo essa crise vai durar? Seth Shonkoff, diretor da usina de ideias ambiental PSE Healthy Energy e professor da Universidade de Berkeley aponta que a perfuração de um novo poço de petróleo ou gás custa, em média, cerca de $8 milhões antes que a primeira gota apareça, então sem um grande impulso no preço do petróleo, o declínio provavelmente será prolongado. Os poços marítimos (localizados principalmente na costa da Luisiana) estão declinando rapidamente também, já que são ainda mais caros para perfurar. A produção de areia betuminosa no Canadá também está sendo prejudicada.

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A rápida ascensão e queda das operações de fracking nos EUA deixaram muitas cidades temporariamente prósperas, outras numa situação financeira instável e as paisagens pontuadas com bombas e estações de compressão, cortadas por oleodutos.

Quase todo estado da união produz algum petróleo ou gás, mas poucas regiões respondem pela maior parte da produção, e portanto foram mais atingidas pelas flutuações do mercado: a Marcellus, localizada na Pensilvânia e Ohio, a Bakken, localizada na Dakota do Norte, e a Eagle Ford, no Texas. Os efeitos da recessão são similares em toda parte: os antes muitos empregos nas petroleiras, que podiam pagar até $100 mil por ano, se forma, assim como muitas das pessoas que vinham para essas regiões petroleiras atrás desses trabalhos.

Mas isso não significa que a infraestrutura que serve de base para a produção de petróleo e gás desapareceu. Novas refinarias, que podem poluir as comunidades que as cercam, foram construídas por todo os EUA, especialmente no Meio Oeste e no Sul, para processar o petróleo e o gás; novos oleodutos que correm de costa a costa também foram construídos (apesar de algumas construções estarem paradas devido o colapso no preço, além do aumento do ativismo ambiental). Sem infraestrutura adequada de oleodutos, o transporte de petróleo sobra para os trens, que podem descarrilhar e explodir. E os efeitos ambientais do boom serão sentidos por muito tempo: onde novas infraestruturas de petróleo e gás são construídas, fontes de água, a terra e o ar acabam poluídos.

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Aqui vai uma breve análise de como as maiores regiões petroleiras norte-americanas estão saindo dessa nova era do petróleo e do gás.

A torre de perfuração de Marcellus em Lycoming County, Pensilvânia. Foto via Wikimedia Commons.

MARCELLUS (LESTE DOS EUA)

A Formação Marcellus é uma camada de rocha que fica embaixo de grande parte de Ohio e Pensilvânia. Ela se estende até Nova York, mas o fracking é proibido no estado. O gás que poderia ser extraído ali é estimado em $1 trilhão, e esse valor pode ser ainda maior se as perfuradoras acharem um jeito de ganhar acesso a partes atualmente inacessíveis.

A Pensilvânia possui uma indústria petroleira há cerca de um século, mas nada se compara a Marcellus. Quando empresas de fracking descobriram um jeito de ganhar acesso a partes da formação no meio dos anos 2000, quebrando rochas ricas em gás a milhares de metros abaixo da superfície por fraturamento hidráulico, dezenas de comunidades na Pensilvânia se tornaram cidades petroleiras. Milhares de caminhões para transportar líquido de fracking, água e resíduos foram trazidos, hotéis abriram para atender os trabalhadores das perfuradoras, e restaurantes e lojas em muitas dessas cidades de repente se viram cheios. Agora muito disso acabou, mas os danos permanecem.

"No nordeste da Pensilvânia, o boom veio rápido demais, e houve consequências reais disso", disse Sam Bernhardt, organizador da organização ambiental Food and Water Watch, para a VICE. "Trânsito de caminhões, barulho e estradas cheias de buracos. Onde quer que você olhe há estações de compressão e outras infraestruturas. De qualquer morro em Susquehanna County você olha para o vale e vê oleodutos cruzando para todos os lados."

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A chegada do fracking na Pensilvânia, assim como a alta densidade populacional do estado, significou que provavelmente milhares de pessoas tiveram seus poços artesianos contaminados por fluídos de fracking, o que pode levar a vários problemas médicos, incluindo câncer. Isso, além o declínio econômico, significou que muita gente que veio trabalhar aqui durante o boom está deixando as cidades para trás.

"Eu ligo para as pessoas e ouço que elas não moram mais aqui", disse Bernhardt. "Não é possível organizar uma comunidade quando ela não existe mais."

Mas o declínio não aconteceu em toda parte: no sudeste do estado, onde o gás é "molhado" – ou seja, tem vários outros compostos químicos além do gás – as empresas ainda estão extraindo a todo vapor, já que o gás molhado pode ser usado para mais do que apenas produção de energia. A Shell está prestes a construir um poço de etano de $6 bilhões próximo a Pittsburgh, que vai transformar etano (um dos componentes do gás molhado) numa variedade de plásticos e petroquímicos. Então mesmo que Marcellus esteja em declínio há alguns anos, isso não quer dizer que a região está esgotada.

E a produção não entrou exatamente em colapso ainda — ela ficou um pouco abaixo da média ano passado, mas isso não é um mau sinal: no ano anterior, a produção de gás dobrou e triplicou, então uma queda quer dizer que as empresas estão diminuindo suas operações e não estão instalando novos poços. Isso sinaliza um declínio para o gás no resto dos EUA, já que Marcellus e a formação próxima de Utica respondem por 85% de toda a produção de gás de xisto no país.

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Um poço de petróleo em Williston, Dakota do Norte. Foto via usuário do Flickr Matt Novak.

DAKOTA DO NORTE

Williston, localizada no noroeste de Dakota do Norte, tinha uma população de 13 mil pessoas em 2009, e 30 mil em 2015 — essa é a rapidez do crescimento no setor petroleiro. Williston não é o único lugar que produz petróleo na região, mas é a cidade petroleira central da Dakota do Norte. Bakken ainda responde por cerca de 10% de todo o petróleo dos EUA, mas a produção se concentra numa pequena área, o que transformou algumas cidades em minimetrópoles constantemente congestionadas. Toda Dakota do Norte está sentindo o peso da recessão — dezenas de milhares de trabalhadores das petroleiras foram dispensados nos últimos anos. Mas o estado e o governo de Williston se prepararam para a ascensão e queda do petróleo, por isso a região saiu melhor dessa que outros lugares.

John Kautzman, auditor do governo municipal de Williston, mora na cidade desde 1982 e viu muitos ciclos petroleiros. O último foi o maior. Depois de anos de crescimento, a produção de petróleo do estado tem caído por vários meses seguidos, com janeiro marcando o ponto mais baixo da atividade de perfuração em dez anos.

O boom mais recente na Dakota do Norte começou quando empresas encontraram uma camada de xisto rico em petróleo chamada Bakken e começaram a extração no início dos 2000. Mas diferente de muitas outras cidades dos EUA, Dakota do Norte levou em conta os fluxos e refluxos do mercado petroleiro e guardou dinheiro do auge da produção para os dias de seca. Isso deixou o estado com um $1 bilhão de orçamento, que agora está sendo usado para acomodar os novos residentes e infraestruturas, mais $2,4 bilhões de reservas. Williston atualmente tem $170 mil de orçamento, segundo Kautzman.

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Ainda assim, Williston ainda está se adaptando aos altos e baixos do petróleo — a cidade teve que expandir sua rede de esgoto, água, estradas e escolas. Agora essas coisas não estão mais sendo tão utilizadas.

"Você nunca conseguia fazer uma curva em U nas nossas estradas por causa do tráfego", diz Kautzman à VICE. "Agora você pode fazer isso quando quiser. O tamanho da atividade que tínhamos antes era insustentável."

Os efeitos mais extremos disso parecem ter acabado, ex-trabalhadores das petroleiras se tornaram os mendigos dormindo nas calçadas de Williston, o que você não vê mais. Você não vê hotéis abrindo num dia e fechando no outro. Kautzman disse que gosta da atividade financeira que o petróleo trouxe, mas que gostaria de que houvesse um jeito mais racional de controlar essa economia.

"Todo mundo prefere qualquer atividade econômica a nenhuma atividade econômica", ele disse. "Mas seria bom se alguém tivesse como controlar [figurativamente] a pressão da água. Aqui você tem uma mangueira de incêndio ou uma mangueira de jardim."

Um trem levando petróleo de Bakken e Eagl Ford. Foto via usuário do Flickr Roy Luck.

EAGLE FORD, TEXAS

A decadência na produção de Eagle Ford foi dramática: em fevereiro de 2014, havia 221 poços ativos na região rural local, que fica a algumas horas de San Antonio. Agora são cerca de 45. Não há cidades grandes em Eagle Ford, mas Gonzales, uma cidadezinha de sete mil habitantes, representa quase toda cidade da região. Onde havia estacionamentos de trailers e pequenos complexos de apartamentos para os trabalhadores das petroleira, agora há um monte de nada.

O Ministério de Assistência Cristã de Gonzales fornece a pouca ajuda com que as pessoas na cidade podem contar. Beatrice Gomez, 53 anos, morou a vida inteira na cidade e comanda o grupo sem fins lucrativos que distribui comida e fornece assistência financeira para os necessitados, além de ajudar as pessoas a encontrarem moradia.

Ela disse à VICE que os trabalhadores dos poços costumavam ganhar $80 mil, às vezes mais, por ano, e agora os únicos trabalhos que restaram são nas enormes usinas de processamento de frango, nas quais os salários são baixos. Enquanto isso, os proprietários dos imóveis locais se recusam a baixar os aluguéis, que foram de $500-$700 para $1.200-$1.500 quando o boom do petróleo começou em 2010, o que significa que muitas famílias não têm comida suficiente ou um lugar para dormir. O banco de alimentos agora serve três vezes mais pessoas do que poucos anos atrás. Gomez vê 1.100 pessoas por mês em seu banco de alimentos, o que representa que um em cada sete habitantes da cidade tem a ajuda do banco para se alimentar.

"O petróleo ajudou as pessoas que estavam tentando se erguer", disse Gomez à VICE. "Mas no final, as deixou no mesmo lugar que estavam antes."

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Tradução: Marina Schnoor

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