Uma Longa Noite numa Cracolândia Carioca
Foto:Diego Murray

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Uma Longa Noite numa Cracolândia Carioca

Fotos de uma noite na Cracolândia do Rio de Janeiro.

Passa das onze horas da noite no Rio de Janeiro: enquanto a cidade se acalma, há um grupo de pessoas invisíveis que vagam em direção a um muro azul. É uma das pequenas cracolândias da cidade, no bairro de Manguinhos. A dinâmica é a seguinte: durante o dia, as pessoas se espalham. Uns entram na Comunidade do Jacarezinho, outros saem para catar recicláveis, outros ficam andando pela linha do trem. Anos atrás, por volta de 2010 ou 2011, quando a questão do crack era pauta constante dos noticiários locais, ali existia uma pequena vila com barracos construídos pelos dependentes químicos nas margens da linha do trem. Hoje, essa prática vem sendo reprimida.

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Foto: Diego Murray

Assim sobrevivem os dependentes de crack que circulam por esta cracolândia da cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Esquecidos pelo governo e ignorados pela maioria da sociedade, eles são reduzidos a um estereótipo do irrecuperável.

Foto: Diego Murray

Muitos deles estão conscientes da situação em que vivem, mas não têm a força para reagir frente à dependência química. Alguns foram abandonados por suas famílias depois de tantas tentativas frustradas de desintoxicação e carregam com eles uma chupeta, rastro de sua insistência para se manterem conectados a filhos que há tempos não veem, evidenciando ainda, de um modo particular, uma tentativa de lidar com a saudade de casa. Pelo que apurei com os caras do próprio local e alguns dependentes em tratamento na clínica que visitei, trata-se de um código interno deles que indica paternidade/maternidade daqueles que deixaram a família e vivem agora na rotina do crack. Não se trata de algo específico desse cara que fotografei: vi outros caras e mulheres usando também. Achei meio vaga a explicação; além disso, as fontes que consultei também poderiam não estar em totais condições de clareza mental ou até mesmo deliberadamente passando um dado errado. Pesquisei na internet sobre esse simbolismo e encontrei uma matéria do jornal O Dia que relata a chupeta como símbolo dos homens que assumiram filhos de mulheres que também frequentam a Cracolândia. Li em alguns sites gringos que foi uma moda entre as adolescentes dos EUA, não necessariamente dependentes químicos, carregar chupetas como adorno nas mochilas. No fim, não consegui determinar esse tópico com exatidão.

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Foto: Diego Murray

Os pulsos adornados por grandes relógios, mesmo que estejam danificados, e as pulseiras de borracha sinalizam um código estético e uma vaidade peculiar. Eles sentem-se bonitos à sua própria maneira, sem se preocupar.

Foto: Diego Murray

Ao posar para uma fotografia, preocupam-se com o resultado, como qualquer um que compreende a imagem capturada pela câmera como um registro para a posteridade, a prova de que um dia essa pessoa existiu. Muitos deles tentam encontrar alívio em alguma conexão divina.

Foto: Diego Murray

Foto: Diego Murray

Conforme a noite segue, chegam grupos formados por pessoas sensíveis à questão dos que vivem lá. Refeições e palavras de conforto são distribuídos, o que alivia o sofrimento físico e emocional. Por volta das 23h, o movimento aumenta, pois é o horário em que as ONGs, as igrejas e os voluntários em geral costumam chegar para trazer alimento e demais manifestações de amparo.

Foto: Diego Murray

Foto: Diego Murray

Cansados após seguidas noites sem dormir, alguns solicitam abrigos e são conduzidos para centros de reabilitação mantidos pela iniciativa daqueles que se sensibilizam com a questão da dependência de substâncias químicas. Assim, eles têm a motivação necessária para interromper sua peregrinação pelo crack e recuperar a esperança de dias melhores, voltando a sonhar com o futuro e fazer planos.

Foto: Diego Murray

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Os primeiros raios de luz da manhã começam a iluminar a cidade, encerrando mais uma noite.

Foto: Diego Murray

Todos começam a dispersar: tornam-se invisíveis. A parede azul torna-se agora um deserto, mas a história ainda não resolvida se repetirá quando a noite cair novamente na cidade.

Foto: Diego Murray