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Interviews

André Sant'Anna

Uma entrevista com o escritor André Sant'Anna sobre sua obra, o Brasil, adolescentes e linguagem-preconceito.


​Fotos por Felipe Larozza

Li o Sexo do André Sant'Anna por conta duma resenha do livro que o comparava ao Céline. O conjunto de contos urbanos é barra-pesada e apoiado no que foi batizado de linguagem-preconceito, descobri recentemente. Mas isso foi em 99. Hoje em dia, daria pra dizer que o autor se apropriou do chorume das caixas de comentários na internet pra escrever bem. Na época, imaginei taxistas. O melhor é que o narrador não soa como um taxista, e sim como uma condensação dos juízos, ódios, recalques e traumas que nós identificamos como deles, e isso é usado pra desancar juízos, ódios, recalques e traumas contemporâneos comuns aos seres urbanos do Brasil.

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De lá pra cá ele continuou escrevendo obras barra-pesada: em geral, usando repetição, experiências pessoais, ironia e acidez como recursos. Seu primeiro romance, O Paraíso é bem bacana, de 2006, foi bem recebido pela crítica especializada. Em seu livro mais recente, O Brasil é Bom, publicado neste ano, Sant'Anna chega falando sobre o país. Novamente, e ao contrário de outros autores brasileiros contemporâneos, ele não cai nas armadilhas da autocomiseração e da autoindulgência, principalmente pela maneira que ele mói a linguagem. É bom ler gente que escreve bem pacas - e eu leria, se fosse você. Conversei com ele num boteco perto do centro de São Paulo. Saca só:

VICE: Quero começar falando um pouco de O Brasil é Bom. Quero saber do teu processo. Os contos têm uma unidade; então, é difícil falar do livro sem dar revelações sobre o enredo. Você vinha de um romance e voltou para um formato de conto.
André Sant'Anna: Essa coisa do conto é por causa do tempo assim, é difícil. Há muito tempo, desde o Paraíso [é bem bacana], que não paro e tenho um projeto, vou escrevendo um livro do começo ao fim. Não precisa necessariamente ser um romance, mas uma coisa pensada desde o princípio. Na verdade, durante alguns anos escrevi bastante pra revistas, jornais e sites, muito sobre política, calhou. Tive uma coluna em um jornal em Belo Horizonte em 2003, 2004, mais ou menos. Aí, ano das eleições, eu estava com um monte de coisa parada, engasgada. Juntei, dei toda uma unidade, dei todo um pensamento político ao que eu tinha a dizer. Então, muita coisa eu modifiquei; em muitos contos, peguei o original, que tinha saído em jornal e revista, e adaptei, atualizei um pouco, mexi, dei uma ajeitada e mandei. Coisas que falam de política. E a outra metade do livro, que não deixa de ser também política só que de outra maneira, são aqueles contos da história do rock…

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Que é depois da virada do livro, o [conto] "Lodaçal".
Isso, exatamente. A partir do "Lodaçal", claro que são coisas diferentes, as histórias são meio autobiográficas. O "Lodaçal", não, mas aquele jeito de falar várias coisas ao mesmo tempo, os personagens se desdobrando e mudando de nome. Quando eu tô com a ideia na cabeça, mas tô sem tempo, eu fico esperando uma encomenda (rindo). Aí eu pensei nas histórias, vou fazendo as histórias e fechei nessas cinco. Acabei a história da revolução no finalzinho, assim, pra ter mais uma. Foi a única que foi feita sem ser por uma encomenda.

É doido, porque o livro começa muito pesado — pesado dum jeito diferente do Sexo, que foi o primeiro teu que eu li. O "Lodaçal" me pareceu o ápice do desgraçamento da cabeça: é a hora que você fala "puta que pariu". E aí vira. Continua mantendo os elementos de ironia e a repetição que você preza muito, mas você vai pra uma coisa mais cândida, mais tranquila — isso dá uma unidade pro troço todo.
Sou um cara muito nervoso politicamente. Eu, de fato, perco o sono por causa de política. Não na política no caso de quem vai ganhar a eleição, mas na política no sentido de ver pra onde as coisas estão indo. Quando eu era adolescente, 14, 15 anos, me mudei para o Rio de Janeiro, em 1979. Logo em 1980 teve aquele tal verão da abertura. Eu ia à praia, ali no posto nove, e ficava vendo, ali, o Glauber Rocha fazendo discurso. Os exilados voltando, começando a ter a primeira eleição para governador, Darcy Ribeiro… foi uma época em que vi o mundo com uma felicidade muito grande, vi o Brasil como uma coisa muito legal. Vai ser um país muito grande, porra, vai ser muito legal; vou viver uma coisa maravilhosa, meu país onde eu vivo e tal. E eu acho que não foi nada disso.

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Aí, assim, eu diria que, até a eleição do Lula, tava indo num processo. Até o Lula também foi muito legal, mas, a partir do momento do êxito, sabe quando a vitória te derruba? Você vai lá, você consegue passar por determinadas etapas importantes do país, como a miséria. Pô, isso é inquestionável que mudou. Aí você consegue aquilo – e tá. E agora? Sempre teve a história: a gente não vai conseguir dar educação, dar coisa para a população enquanto não tiver dinheiro. Ouvi isso o tempo todo: primeiro tem de normalizar a economia para conseguir fazer isso. E parecia que a economia estava normalizada. E agora? Agora, vai melhorar a educação, as velhas histórias, não sei o quê. O básico ali, financeiro, econômico, resolveu. E, de repente, você vê: num primeiro momento, foi perceber que começou a se falar do Brasil como um grande país. Aquele Brasil que eu sonhava, que eu pensava nele, começou a se falar como se ele estivesse acontecendo. Minha mulher é alemã. Meu sogro, por exemplo. A gente chegava na Alemanha chorando, dizendo: "Tá foda a economia, tamo fodido"; "Mas como?! O Brasil é o país, não sei o quê".

E, de fato, as revistas [internacionais] falavam do Brasil. Lula é um personagem. Paralelamente, os preços das coisas subindo, sem que parecesse que tivesse afetando a vida da gente negativamente. E, de repente, você vê que despenca lá de cima. Quando teve a crise econômica de 2008 em que o Brasil passou ileso e o Lula na televisão no final do ano, eu lembro direitinho dele falando para as pessoas consumirem: "Consumam que a gente não vai entrar na crise; consumam, consumam, não vai pegar a gente". E o pessoal consumiu, e o que aconteceu foi a inflação feita pelo aumento de preço, porque as pessoas estão comprando as coisas a prazo, com juros baixos – e aí, bom, eu sinceramente achava que só eu estava enxergando isso. Achava que eu era o iluminado, profeta, que estava vendo o Brasil se fodendo. Aí quando começaram as manifestações, eu vi que não era bem isso: começou a se discutir, e voltou um certo… eu diria otimismo. Porque a partir do momento em que o podre vai aparecendo, e o podre é feio pra caralho, mas, ao mesmo tempo, você vendo que tem um monte de gente reagindo, voltando a se discutir no Facebook – embora o Facebook ainda seja muito primitivo nessa discussão –, comecei a ver muita coisa inteligente também, muita gente falando das coisas. Aí deu vontade de falar de falar disso. O Brasil é bom foi minha discussão política, minha tese de que o Brasil do Glauber e do Darcy Ribeiro não está rolando.

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E o lance da linguagem-preconceito? Já classificaram sua obra assim. Acho que é um nome superforte, fiquei imaginando se isso te incomodava ou não.
Sim. Meu segundo livro, o Sexo, é um livro em que a linguagem é toda essa. Todos os meus personagens, a começar pelos nomes deles, são rotulados de alguma coisa preconceituosamente; então, o negro fede, a loura é burra, a mulher com mais de 40 tá com falta de macho. Todas essas coisas que se falam da sociedade em geral eu uso nessa linguagem – não só no nome dos personagens, como na linguagem. Não escrevo texto bonzinho: "Não falem mal dos negros, não sejam homofóbicos". Eu sou homofóbico ao extremo, eu falo que o negro fede ao extremo, até para provocar a irritação.

É como se você pegasse o clichê para matar o clichê?
É. Para levar ao absurdo, chegar a um absurdo tanto que a pessoa que consegue concordar com aquilo… ela realmente é doente, não há o que se dizer, já que explicar dificilmente se consegue. Claro, você acaba não atingindo as pessoas que você quer atingir, e as pessoas que você acha que poderia, de certa maneira, diminuir o preconceito, acabam concordando com os personagens. Muita gente confunde, muita gente que acha que eu penso as coisas que meus personagens pensam. É muito comum eu estar em boteco, em algum lugar, na praia ou mesmo eventos familiares, em que alguém senta do meu lado e começa a falar os maiores absurdos, as coisas mais fascistóides, mais horrorosas, mais racistas e nojentas, como se eu tivesse achando legal, para me agradar. Gente que chega na praia e fala "Tem preto demais nessa praia". No Facebook, tenho muitos amigos de extrema-direita; as pessoas, quando descobrem que eu não sou de extrema-direita, me tiram, me cortam ali. Eu arrumo inimigo assim. Eu arrumo amigos por algo que não sou.

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Compreensão de texto é realmente um problema global. Mas o termo em si não te incomoda?
Não, acho que é isso mesmo. Eu uso a linguagem do preconceito muitas vezes. Tem o [Ronaldo] Bressane: uma vez, ele, em algum lugar, escreveu alguma resenha de algum livro meu. Ele me chamou de "gênio da burrice". Gostei muito. Achei muito legal; assim, eu me encaixo. Eu gosto desse texto burro, de levar a burrice ao extremo, de pegar a idiotice e levá-la e dar a volta.

Isso no pensamento interno ali no Paraíso tá bem bacana tá bem presente: o cara tem um vocabulário muito limitado para as coisas que ele vai falar. Ele trabalha com a repetição, é um negócio que incomoda mesmo.
É. Eu sempre assim, em cada livro. Claro que muita coisa se repete de um livro para outro: um jeito de escrever, que é meu, que dá para encontrar em todos. Mas o joguinho, a brincadeira de linguagem, não pode ser sempre a mesma. Eu sempre quero inventar algo novo. No Paraíso, o desafio, o jogo do Mané ali, por exemplo, era como dizer coisas profundas com um vocabulário mínimo: um menino praticamente débil mental conseguir falar de um vazio existencial que ele vai sentindo, usando um vocabulário mínimo. Aí eu precisei daquelas páginas todas, o que encarece o livro, que faz vender menos. E, nessa hora, o mais importante mesmo é aquele jogo: tem aquelas cenas de sexo todas que ele vai falando. Tem uma hora em que aquilo enche o saco, né? Fica em cinco páginas; depois, mais dez páginas.

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Eu até falo: o leitor pode pular; depois, não precisa. Mas, no finalzinho ali, essa passagem, quando deixa de ser sexo para ser uma outra coisa, aí que é brincadeira.

Voltando um pouco a O Brasil é bom, novamente sem querer dar revelações do enredo: você previu o resultado da Copa?
Não previa, não. Tem até um texto com uma fala do Dunga lá, que era da Copa de 2010, mas caiu perfeito com a fala dele depois que ele voltou a ser o técnico da seleção. Mas eu não imaginava, não; mas, na verdade, é um tipo de lição. Acho que, no final, as coisas não mudam mesmo: a vida prossegue, tudo continua como era antes, mas é o tipo de lição que o Brasil devia usar para aprender. Essa coisa do maior do mundo. Escrevi pra Folha um textinho sobre essa vitória. Chamava "A Alemanha é muito melhor do que o Brasil". Aí é a história de uma alemã que vem para o Brasil; de como ela era apaixonada pelo Brasil, pelo Glauber Rocha e como as coisas vão se transformando; até um dia em que ela vai à praia e tá de topless, e a polícia a obriga a sair da praia. Baseado num caso real, que teve no Rio há muito pouco tempo, foi proibido topless no Brasil. Esse é um negócio até inconstitucional, porque homens e mulheres são iguais; então, perante a lei, por que um pode ir sem camisa à praia? Por que o outro não pode ir sem camisa à praia? Aí tá o atraso: quando se fala em cultura, em falta de educação, tá nessas coisas. Eu vou muito à Alemanha, há anos eu tenho essa coisa de dizer que a Alemanha é melhor que o Brasil. Por quê? As coisas mais básicas: a mulher brasileira é a mulher mais bonita do mundo, mulher maravilhosa; os alemães vêm aqui por causa das mulheres, e não é verdade. As mulheres brasileiras ainda estão mal, não têm dente na boca, porque são pobres ainda. E mesmo a classe média: os produtos de beleza são ruins, são de baixa qualidade, as coisas são ruins. A música brasileira é a melhor música do mundo, é maravilhosa. Sim, não tenho a menor dúvida. Mas liga o rádio no Brasil. Você liga o rádio na Alemanha, você ouve qualquer coisa brasileira boa, de qualidade. A liberdade. Acho que aí que tá a coisa básica da política, que é assim: o direito individual e o direito coletivo. Então, o que é meu, o que eu faço, a roupa que eu uso, o que eu fumo, o que eu bebo, é problema meu. Agora, o que é coletivo tem de ser respeitado ao pé da letra: a faixa de pedestre é para parar – e acabou, é de todo mundo. Tá certo não fumar dentro do ônibus, porque aí, de fato, quem está andando de ônibus é uma necessidade. Tem que sair do ônibus. Agora, não pode fumar dentro de um bar, num restaurante noturno, onde as pessoas estão lá para beber, para encher a cara ou para comer gordura, pô? Fuma. Claro, se é um restaurante natural, na hora do almoço, donos de restaurantes não querem que as pessoas fumem dentro do restaurante. Acho absolutamente coerente, o cara põe lá "Aqui não se fuma". No Brasil, acontece o contrário: as pessoas se metem no que é individual das pessoas e, ao mesmo tempo, não respeitam os direitos coletivos, básicos.

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Você tem essa história com a Alemanha e tem aquela história de som, de admirar o Arrigo, de ter banda também. O Itamar [Assumpção], que era da turma dele, teve um troço louco com a Alemanha também. Eu tenho a sensação que eu vejo na obra deles algo que eu vejo na tua.
É, eu comecei a ouvir falar em Alemanha, aliás, muito por causa do Arrigo e por causa do Itamar Assumpção, por causa da música alemã, que influenciou o Arrigo, essa música contemporânea alemã. E, depois, eu conheci minha mulher, me apaixonei, até isso. É difícil falar, mas claro que isso tava no meio: aí você conhece alguém que é da Alemanha, aí tem uma ligação total com essa coisa. E morei lá numa época muito legal, que foi logo depois que caiu o muro, quando reunificou a Alemanha. Passei essa transição. Foi uma revolução na minha vida.

Numa entrevista, você fala que teus livros chegam bem na molecada, em adolescente. Como é isso?
Isso vem do meu primeiro livro, chamado Amor, que não vendia em livraria, foi praticamente todo distribuído. Então, os filhos das pessoas pra quem eu mandei o livro começaram a dar retorno, ou as pessoas começaram a falar "Meu filho de 16 anos tava lendo". Acho que tem um pouco do palavrão e da linguagem pop e acho que a coisa de falar as coisas diretamente. Tudo bem, por mais que a coisa circule, dê umas voltinhas, você chega e fala: a verdade é essa. Essa própria crise da corrupção no Brasil é uma coisa que todo mundo sabe; há anos, todo mundo sabe como funciona, de onde que vem o dinheiro, sabe que todos os governadores do Brasil foram eleitos com dinheiro sujo e que, em troca desse financiamento de caixa dois de campanha dessas empresas, os caras estão presos agora. Então, quando você fala a coisa sem muito subterfúgio, acho que pega em quem tá vendo que tá errado. E adolescente tá descobrindo o mundo. É mais inteligente. Quanto mais nova a pessoa é, mais inteligente (risos).

Você falou logo no começo da entrevista que você faz uns trampos comissionados. Lendo o Sexo e O Brasil é bom, por exemplo, dá impressão de que você montou o projeto e realizou. Quero saber sobre o teu método de escrever, da tua disciplina, como que funciona isso. E também da tua relação com editor.
Bom, as coisas mudaram bastante antes de eu ser escritor e depois de eu ser escritor, de acordo com a vida que eu levava. Eu era publicitário, com emprego fixo em agência, durante um tempo fazendo dupla com a minha mulher, que é diretora de arte. É muito comum diretor de arte ficar até muito mais tarde, principalmente naquela época, porque diretor de arte nem usava computador: fazia todo à mão o layout, para depois passar para um operador de computador que finalizava o negócio. E eu acaba ficando até mais tarde só para esperar minha mulher acabar o trabalho dela. E foi, na verdade, onde eu escrevi boa parte do meu trabalho: foi assim o Amor e o Sexo. O Amor foi um projeto kamikaze. Eu não tinha a menor ideia de que um dia seria chamado de escritor, foi tudo meio por acaso. Aí, com o retorno que eu tive do Amor, que eu mandei mesmo para outros escritores, para jornalistas, gente assim, eu recebi muitas cartas, pessoal gostando do livro. Bernardo Carvalho fez uma resenha na Folha. Aí, a partir daí, então, eu sou escritor. Comecei a escrever o Sexo ainda trabalhando em agência. Tanto o Amor quanto o Sexo eu escrevi à mão, duas ou três vezes no caderno, com caneta BIC. Já existia computador, mas eu não tinha em casa, só na agência; então, eu escrevia tudo à mão; aí, depois, digitava no computador e entregava. À medida que eu passei a ter computador e o computador foi virando uma coisa comum do dia a dia, o tempo todo, eu parei de escrever à mão. É diferente, muda muita coisa. Bom, O Paraíso é bem bacana, na verdade, foi o último projeto muito planejado, [no estilo] vou escrever um romance. Coincidiu que eu fiquei doente: fiquei seis meses internado no hospital por causa de pancreatite aguda. Aí saí do hospital e ainda tive um ano de recuperação. Tive dificuldade, eu não conseguia atravessar a rua sozinho, tive encefalite. Então, eu tinha a coisa mais sagrada para um escritor, que é tempo. Ficava em casa, tinha muito tempo para escrever: consegui escrever um romance de 500 páginas. De lá para cá, você tem que ir se adequando. Eu sempre tenho um projeto, mas dificilmente consigo ficar vários dias seguidos trabalhando nele. Agora, no meio disso, vão aparecendo várias coisas; por exemplo, o "Lodaçal" veio de um livro encomendado para contos em cima de músicas do Chico Buarque. Aí assim vai. Textos para jornais, por exemplo, antologias. No exterior, sempre me pedem coisa para traduzir e eu faço. Aí vai. E minha relação com editores é isso. Lancei o primeiro livro independente: eu com o Sebastião Nunes, que é um cara que tem uma pequena editora no interior de Minas, mas eu banquei e ele facilitou o processo, a gráfica, tudo, mas fui eu que paguei o livro. Aí o segundo eu já publiquei pela 7 Letras, que eu não tive de pagar: já foi um avanço. E o terceiro já foi uma encomenda da Companhia das Letras: eles estavam fazendo uma coleção que acabou não vingando, mas era uma coleção de livros safados; assim, livros que tinham a ver com sexo, alguma coisa. Chegou a sair o livro do Rubem Fonseca, saiu o do Henry Miller.

Nessas entrevistas tuas que eu li, você falava justamente do Mané, dessa história, dele ali na cama de hospital. E que você tinha mostrado para algumas pessoas, para o seu pai, para sua esposa, algumas pessoas próximas, e elas falaram que talvez seja chato. Pergunto especificamente dessa relação com o editor. Às vezes, eu vejo livros de autores brasileiros que têm elementos legais, mas sinto que falta uma puxada do editor, de identificar ali o que tem de bom, falar assim: "Isso aqui é legal, mas tem de desenvolver; isso aqui é rascunho, isso aqui é gordura". É dessa relação especificamente. Porque eu não vejo isso nos seus livros, eu vejo um bagulho redondo. Queria saber se é você ou se você tem essa relação, porque imagino ser meio raro.
Na Companhia [das Letras], eu tenho. Na verdade, é o seguinte: O Paraíso é bacana foi um livro bastante discutido. Tanto no início, o tipo de coisa: pra onde ele queria ir, mais ou menos. Acho que eu fui por um outro caminho, até por causa dessa coisa da coleção, que não era mais a safada – se bem que o livro tem sexo. Já ia falar que tem menos sexo do que o previsto, mas o livro tem sexo pra cacete. No final, com ele pronto, tanto o Luiz Schwartz quanto a Maria Emília Bender, que era editora do livro, os dois fizeram anotações, fizeram sugestões, várias coisas, normalmente sugestões de corte. Eles queriam cortar mais do que eu cortei, na verdade. Aquelas cenas de sexo, que são muito longas: eles queriam cortar principalmente essas cenas. E eu reli: de fato, cheguei a achar um pouco chato; meu pai deu uma lida, ele também ficou meio assim, acho até que ele não quis falar muito. Fiquei com essa dúvida até o final. Cortei, mas cortei muito menos do que eles queriam. E lá é ótimo. Tem até uma fama da Companhia de que eles se metem, que eles dirigem o livro para o mercado. Não sofri pressão desse tipo de jeito nenhum. No Paraíso, talvez um pouquinho: diminuir o livro poderia ter facilitado no mercado, mas não é uma coisa tão determinante assim. E lá a relação é ótima: assim, os editores… depois, no último, O Brasil é bom, foi o André Conti. A Maria Emília começou a fazer a edição; depois, ela saiu e ficou o André Conti. E foi também tudo conversado, tranquilo, nada imposto.

O que você pretende fazer agora? O que você tem aí? Você falou que tem vários projetos. O que você pode falar?
Eu tenho uma história em quadrinhos, um livro infantil e um romance. Assim, a história infantil… é melhor ainda não falar (risos). Tenho uma espécie de ficção científica para fazer. Tanto a história em quadrinhos e o romance, na verdade, são a mesma história, só que com tratamentos diferentes. Claro, a história em quadrinhos é mais rápida, mais dinâmica; o romance vai ser uma coisa mais densa. É uma espécie de apocalipse, é esse fim do mundo aqui. Na verdade, é uma ideia. Tudo bem que é óbvio também que o mundo ia chegar ao ponto em que tá aí. É uma coisa de 25 anos atrás, 30 anos, imaginar esse final do mundo mesmo, com muito carro na rua, com aquecimento, com seca, poluição, com incompreensão. Na verdade, é sobre poluição, mas não só poluição propriamente dita, mas poluição visual, poluição de comunicação, excesso de palavras, excesso de imagens, sinais, de códigos no mundo. Assim. Já tô entregando o ouro. É a história de um engarrafamento: começa num engarrafamento em Copacabana; a partir desse engarrafamento, o mundo vai parando, porque esse engarrafamento deixa de ser um engarrafamento de carro para ser um engarrafamento de ideias, de tudo – um engarrafamento cósmico.

Valeu pelo papo, cara. Vou aguardar ansiosamente.