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Drogas e Tristeza nos Guetos Verticais de Glasgow

O conjunto habitacional Wyndford, conhecido como o Quartel, é um liugar onde alcoólatras e drogados levam seus amigos sem-teto e ficam chapados às 10h da manhã.

O conjunto habitacional Wyndfordm, Glasgow.

“Alcoólatras e drogados sempre tendem a se encontrar”, diz Sean Damer, um sociólogo de Glasgow. “Eles trazem seus amigos sem-teto e sabem onde ficar chapados às 10h da manhã.” O conjunto habitacional Wyndford, conhecido como o Quartel, é um desses lugares — “um exemplo de tudo que deu errado na habitação social da Grã-Bretanha de hoje”, de acordo com Sean. “O Daily Mail e o Sun adoram demonizar lugares assim, mas essa é a vida das pessoas. Eles não têm outra alternativa a não ser tentar tirar o melhor disso.”

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Nos anos 1960, esse era um esquema de moradia muito diferente. As pessoas se lembram daqui como um lugar definido pelas aspirações e espírito comunitário, um lugar onde se podia deixar a porta aberta e onde as famílias cuidavam umas das outras. Os novos residentes achavam que “tinham morrido e ido para o céu”. Quando vários outros blocos residenciais foram demolidos nos anos 1970, as pessoas lutavam para conseguir alugar um apartamento em Wyndford. Três referências eram exigidas — uma da polícia — antes que a pessoa fosse sequer considerada para a vaga.

Então vieram os anos 1980. Os conjuntos habitacionais foram vendidos e a legislação de moradia do governo Thatcher, particularmente a Lei dos Direitos de Conjuntos Habitacionais, limitaram seriamente os poderes das associações de moradores de despejar inquilinos antissociais. Antes, a conexão dos possíveis residentes com a área era um fator importante para assegurar um apartamento, mas o esquema de compra de imóveis dos Tories colocou uma nova ênfase no poder dos mercados privados.

Desde então, os moradores mais antigos do Quartel viram uma mudança dramática em seus arredores. Agora, metade da população local está desempregada e o conjunto está no topo dos 2% das propriedades mais dilapidadas no Reino Unido. Os problemas se concentram nos quatro blocos no fim do conjunto, cada um de 26 andares, onde o abuso de substâncias é grande — as drogas mais populares são cocaína, heroína e calmantes como o diazepam.

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“É possível pedir drogas neste momento e elas estarão aqui em um segundo”, disse David, 47 anos, cuja varanda dá para a propriedade onde as cenas de Trainspotting foram filmadas. “Os drogados estão por toda parte. Alguns nem moram aqui — as pessoas dormem nas escadas. Já morei em Manchester, Liverpool, Dublin e os 'durões' desses lugares não aguentariam um dia aqui.”

Stephen Cafolla, 44 anos, morador local.

Mas esse não é um problema só do Quartel. Várias áreas de Glasgow sofrem com uma pobreza profunda, raramente vista em outras partes do Reino Unido. Números recentes do Departamento Nacional de Estatísticas mostram que este é o nono ano consecutivo que Glasgow fica entre as cinco áreas mais desempregadas do Reino Unido. Em algumas partes, cerca de 9 entre 10 adultos homens dependem de benefícios sociais e as crianças nascidas aqui têm muito menos chances na vida do que tinham meio século atrás. Elas também têm uma probabilidade maior de sofrer de problemas mentais.

Surpreendentemente, a expectativa de vida para os homens é de 54 anos — quase 20 a menos que nos distritos mais afluentes, apenas alguns quilômetros daqui. É muito triste quando os homens de Glasgow morrem jovens. Na falta de qualquer explicação concreta, pesquisadores e teóricos apontam para um ambíguo “efeito Glasgow” — uma espécie de desespero intrínseco que passa de geração para geração desde a revolução industrial e que se manifesta em abuso de drogas, bebedeiras, uma dieta pobre, saúde precária e suicídio. Alguns diriam que essa é uma metáfora muito útil para um governo que não tem a menor ideia de como lidar com o problema. Com a taxa de quarto (uma lei que define que quem tem um aposento sobrando em casa perde parte de seu benefício de moradia) e outros cortes de austeridade tirando mais de £25 milhões da economia de Glasgow, é bem provável que as 36 mil crianças que vivem abaixo da linha da pobreza na cidade logo terão a companhia de muitas outras.

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Miss Simpson mora aqui há 13 anos. “Apenas abaixo a cabeça, não quero ver nada isso.”

Nos Barracos, todos os apartamentos nos blocos de 26 andares são quartos individuais concebidos originalmente para pensionistas. No entanto, a maioria deles morreu nos anos 1980 e 1990 e, desde então, o imperativo para a associação de habitação tem sido aceitar qualquer um para assegurar o aluguel.

Alex, 84 anos, vive aqui há 47. “Quando este lugar abriu, havia uma fila para conseguir entrar. Agora eles deixam qualquer um morar aqui. É uma grande vergonha, as pessoas não se conhecem mais.” Miss Simpson, que mora aqui há 13 anos, concorda. “Apenas abaixo a cabeça, não quero ver nada isso.” Outro homem estava recolhendo lixo como parte de um esquema de reembolso à comunidade. Ele costumava morar no conjunto e saiu da prisão recentemente. “Sempre foi um bom lugar, mas depois virou uma loucura.”

Damer, que escreveu um estudo de viabilidade sobre o futuro do Quartel, falou comigo sobre o problema das drogas no conjunto. “Se as pessoas estão fora de si, elas não se cuidam. Se estão preocupadas somente em alimentar seus vícios, elas não se preocupam em limpar e cuidar de seus apartamentos. Num prédio de alta densidade e vários apartamentos, por exemplo, esse tipo de recusa é um grande problema. Se você está fora de si, cachorros mortos e outras coisas assim acabam descendo pelas lixeiras. Isso acontece.”

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Jim, 50 anos, que mora no 14º andar de um dos blocos desde 1965, disse: “Tinha uma família que usava heroína do outro lado do corredor. Antes disso, quem morava ali era meu vizinho de infância. O contraste é enorme. Os viciados destruíram o lugar. Quebraram as janelas; picharam as paredes e fizeram ameaças. Não há nenhum tipo de apoio. Quando os zeladores vão embora às três, ficamos por nossa conta”.

Toda tarde de sexta-feira, um ônibus de uma organização de caridade distribui comida e oferece reabilitação. Michael Sturrock, coordenador do serviço Teen Challenge, me disse: “Nosso alvo são áreas carentes, áreas com uma taxa elevada de viciados. Ficou claro nos últimos seis meses que há uma grande necessidade neste conjunto. O ônibus sai lotado toda semana. Não estamos fazendo o suficiente para ajudar estas pessoas”.

William, 33 anos, vive aqui há três. “Era um lugar feliz, mas isso acabou. As pessoas bebem e usam drogas nas escadas. Fica pior a cada dia. Há muitas drogas entrando.”

Outros conjuntos similares da cidade devem ser demolidos em 2017. Muitos acham que isso é uma opção para o Quartel, devido à decadência dos blocos desde seus anos dourados. “Os apartamentos individuais não são adequados. Eles precisam ser derrubados ou reconfigurados”, diz Patricia Ferguson, parlamentar do Partido Trabalhista pela área de Maryhill em Glasgow. “Esses apartamentos precisam de investimento, precisam ser transformados em moradias decentes onde as pessoas queiram morar.” Ferguson acredita que a coalizão é culpada pela negligência social: “Não acho que o governo entenda o que acontece na área e suspeito que se importe ainda menos”.

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Outros pensam diferente. David MacKenzie do Cube, a autoridade de moradia local, disse: “Temos confiança nesse conjunto — sabemos que ele tem grande futuro pela frente. O lugar tem sua parcela de pobreza e desemprego, como muitas outras partes de Glasgow, mas definitivamente é uma área em ascensão”. Depois de décadas de pouco ou nenhum investimento desde os anos 1980, ele diz que um projeto de renovação está em andamento.

Diferente de Londres, para os residentes dos conjuntos habitacionais de Glasgow, a renovação não quer dizer estrangeiros de classe média se mudando para a região, empurrando a classe trabalhadora local para longe. Para as pessoas que moram nesses blocos, isso quer dizer tornar a vida menos infernal. Quer dizer sistemas de aquecimento novos para combater a umidade e a escassez de combustível, dinheiro para que conselheiros possam cuidar dos inquilinos em situação precária e esquemas de contratação de zeladores para os jovens que não conseguem emprego. A polícia já aumentou as patrulhas na área e estendeu os sistemas de vigilância por câmeras.

No entanto, eles não vão chutar cada porta na esperança de achar drogas. Para muitos residentes desses prédios, isso é pouco e veio muito tarde. Os comentários vão de “Preciso sair daqui, isso é uma sarjeta, pura merda” e “Eu não colocaria um cachorro para morar aqui”, até “Eles estão tentando limpar, mas este é um lugar implacável”. Seja qual for a visão, por enquanto, para muitos dos residentes do Quartel e outros conjuntos habitacionais da Escócia, a esperança de um emprego e um futuro melhor continua distante.

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