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As Sentenças de Execução em Massa no Egito Vão Provocar Mais Violência?

Com 529 supostos simpatizantes da Irmandade Muçulmana sentenciados à morte, o colapso do sistema judiciário egípcio e uma represália da IM podem significar o começo de um novo caos no Cairo.

Mohammed Badie (na frente, de barba branca e óculos), líder da Irmandade Muçulmana, e outros 47 acusados atrás das grades durante o julgamento dos membros da IM no Cairo, em 6 de março de 2014. (Foto: Ahmed Jamil / Anadolu Agency / Getty Images.)

Anteontem, um tribunal egípcio sentenciou 529 supostos simpatizantes da Irmandade Muçulmana à morte – o maior lote de sentenças de morte simultâneas proferido na história recente de acordo com a Anistia Internacional. Os condenados são acusados de atacar uma delegacia na província de Minya – ao sul do Cairo –, ano passado, e roubar armas, matar um policial e tentar matar outros dois.

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Apesar de muitos se declararem inocentes, levou apenas dois dias para condenar mais de 500 pessoas pela morte de um homem. Um contraste gritante com o fato de que, mais de três anos depois do primeiro levante egípcio, nem um único policial foi condenado por matar manifestantes – mesmo que centenas de civis tenham morrido nas mãos dos serviços de segurança durante aqueles 18 dias.

Não é lá uma grande surpresa que essa seja uma das mais rápidas – e maiores – sentenças de morte em massa da história. O julgamento começou no sábado e terminou na segunda-feira e os procedimentos legais normais – ou qualquer coisa que lembrasse um procedimento judicial – foram completamente ignorados. Os advogados de defesa dizem não ter tido tempo de ler o caso de três mil páginas e não tiveram permissão de questionar as testemunhas da acusação.

Quando o juiz anunciou as sentenças de morte, nenhuma testemunha tinha sido interrogada pelos dois lados, e a maioria dos réus e seus advogados foram retirados da sala onde o julgamento aconteceu.

“É o colapso do sistema de justiça egípcio”, disse Ali Kamal, um dos advogados dos acusados.

O incidente de que os condenados fizeram parte é apenas um dos muitos atos agressivos contra a polícia e propriedades cristãs, depois da morte de cerca de 900 pessoas durante a desocupação de um protesto no Cairo em agosto passado, realizados pela Irmandade em oposição à sua deposição do poder no mês anterior.

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O veredito é outro sinal de que o establishment do Egito não tem intenção de facilitar para os simpatizantes da Irmandade, com mais de 16 mil pessoas presas desde que Mohamed Morsi, o ex-presidente e membro da IM, foi deposto pelos militares em julho do ano passado.

Felizmente, é provável que um juiz mais razoável derrube a sentença, por fim, e talvez até o veredito de culpados – e os principais oficiais religiosos do país também têm a opção de comutar o veredito. Mas, enquanto isso, os condenados e suas famílias terão que viver à sombra da execução iminente.

Uma igreja incendiada em Minya, destruída na mesma onda de violência que levou à morte do policial na província. (Foto por Nadine Marroushi.)

Ontem, conversei com um dos sentenciados à morte, além de cinco familiares de condenados. Eles disseram que nenhum dos acusados é culpado, o que é questionável – alguém foi assassinado, afinal de contas. Mas claro, não são necessárias 500 pessoas para matar um homem.

Um dos homens disse que seu irmão, que foi condenado in absentia, é deficiente físico e seria fisicamente incapaz de atacar um policial. Outro, um estudante de medicina, agora escondido na casa de um amigo, disse que estava a centenas de quilômetros dali no momento em que a delegacia foi atacada.

Mais de 400 dos réus não estão sob custódia. Ezzat Mohamed, que no momento está escondido bem longe de sua casa em Minya, é um deles. Nihad, sua esposa, disse que ele é inocente e chamou a sentença de “tragédia”, acrescentando que seus quatro filhos – que têm entre seis e 17 anos – não conseguem entender o que aconteceu.

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Ela repetia em árabe: “Alá é o suficiente, porque ele é o melhor guardião” – um trecho do Corão que os devotos usam para se acalmar em momentos de dificuldade.

Sua filha de 17 anos, Nada, também falou comigo pelo telefone num inglês não muito bom. “É uma sensação horrível, de que você perdeu alguém da sua família”, ela disse. “Meu pai é um homem muito gentil, uma pessoa respeitável.”

Ela fez uma pausa, antes de voltar para o árabe e sussurrar: “Abaixo o governo militar”.

O volume considerável de sentenças – e a leviandade grotesca que as cercam – com certeza só endurecerá a polarização entre os simpatizantes da Irmandade e aqueles que apoiam a administração instalada pelos militares, que renunciou inesperadamente mês passado – abrindo caminho para que o comandante-chefe Abdel Fattah al-Sisi concorra à presidência do país.

Haithem Zeidam – um advogado do Cairo que se descreve como “pró-exército” – me disse que a decisão pela pena de morte não foi final e que provavelmente será revertida, mas disse dar boas-vindas à decisão de qualquer maneira. Como milhões de outros egípcios, ele acredita que a Irmandade é uma organização terrorista, como ela foi oficialmente classificada pelo governo interino dezembro passado (apesar de nenhuma prova disso ter sido fornecida).

“Esse veredito reduz o movimento terrorista e os impede de fazer essas coisas novamente”, disse Zeidan. Como muitos, ele acredita que uma repressão mais dura é uma ação legítima e eficaz contra a oposição islâmica.

As coisas podem piorar ainda mais hoje, quando mais 683 pessoas acusadas de envolvimento na violência em Minya vão comparecer diante do mesmo juiz. Um dos acusados é Mohammed Badie, o Guia Supremo da Irmandade – a principal figura da organização.

Além da Irmandade, há um grupo de militantes presos por atirar em um policial enquanto estavam isolados em postos de controle. E alguns ativistas mais jovens da IM estão adotando a ideia de que “qualquer coisa abaixo de balas” será uma resposta aceitável para a violência do governo, incluindo realizar represálias não letais a determinados oficiais.

Se Mohammed Badie for sentenciado à morte – e mesmo se a sentença for comutada no final – é bem provável que a resposta da Irmandade não seja tão contida quanto foi no passado.

@tom_d_