Tentar ser criativo quando tomas antidepressivos é complicado

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Saúde

Tentar ser criativo quando tomas antidepressivos é complicado

Para muitas pessoas que sofrem de depressão, os medicamentos podem ser a tábua de salvação. No entanto, os efeitos colaterais são, por vezes, mais difíceis de suportar que a doença em si.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

Sempre achei que escrevia melhor quando estava deprimida. Muitos escritores dizem a mesma coisa. Há alguma coisa que acontece quando uma pessoa se sente triste, ansiosa, com raiva. Faz sentido. Quando amas a vida, não ficas sentado numa sala mal iluminada, a ouvir The National e a escrever poesia sombria. A felicidade não é uma coisa que questiones.

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A depressão força-te a reflectir sobre todos os maus momentos e a tentares encontrar uma razão para que tenham acontecido. Ou, pelo menos, alguém a quem meter a culpa, geralmente tu próprio.

Quatro anos depois de ser diagnosticada com depressão clínica, cansei-me de estar sempre a lutar contra ela. Aos 22 anos, tentei todos os medicamentos naturais disponíveis - e até ioga e aqueles livros para pintar - até sentir que tinha esgotado as opções. Precisava de uma solução rápida. Cada dia trazia ataques de pânico cada vez piores e isso estava a matar-me lentamente.

Foi então que comecei a usar Lexapro. Tomei 20mg todos os dias, durante 11 meses, sem falhar uma única dose, com excepção dos dois comprimidos que tomei acidentalmente na noite de Ano Novo. Parece que Lexapro também é o medicamento que Kanye West toma, como o próprio menciona na música "FML", quando diz "You ain't never seen nothing crazier than this n***a when he off his Lexapro".

LÊ: "Como ajudar alguém que amas quando esse alguém está deprimido?"

Nunca pensei nos efeitos colaterais dos antidepressivos antes de os tomar. Julgava que era algo simples. Tomas um comprimido todos os dias e voltas a ficar bem. Não imaginei que o medicamento ia matar a coisa que mais adoro fazer: escrever.

No início, achei que era só o meu hábito de procrastinar em acção. Mas, depois, comecei a notar uma tendência. Parei de chorar. Fui ao funeral do meu avô e, mesmo evastada, era a única pessoa que não estava a chorar. Fiquei tão paranóica que as pessoas me julgassem que me enfiei na casa-de-banho, para molhar a cara com água, de forma a dar a impressão de que estava a chorar.

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O Lexapro transformou-me num zombie a passar pela vida sem sentir nada. As coisas que, normalmente, me davam raiva tornaram-se irrelevantes. Não conseguia sentir sequer uma ponta de tristeza a ver Tom Hanks em Filadélfia. Se começas a achar que há alguma coisa que não está bem, esse é um sinal claro. Sempre que pegava na caneta para escrever, não conseguia fazer nada. Nem conseguia escrever sobre a merda da chuva. Se és um escritor criativo que não consegue descrever poeticamente a chuva, é porque estás mesmo fodido.

O efeito das emoções amenizadas pelos Inibidores Selectivos de Recaptação de Serotonina (SSRI em inglês) é conhecido como bloqueador emocional. Para muitas pessoas, isso significa que os antidepressivos vão impedi-las de se sentirem deprimidas, o que é óptimo. Mas, noutras, o SSRI pode matar todas as emoções, quer gostes, quer não.

"Decidi parar com o Lexapro há cerca de seis semanas. Não foi um caso de 'largar o medicamento'. Depois de pesar os prós e contras, decidi que estava na altura de desistir".

É uma espécie de ardil. Tomas SSRI para não ficares deprimido, o que funciona, mas, a verdade, é que não estás deprimido, porque não sentes nada. Perdes sempre. Ainda assim, eu não chorava até adormecer, nem ficava ansiosa de cada vez que entrava numa sala. Não era isso que queria?

Gostava que alguém me tivesse avisado disto antes de começar a tomar antidepressivos. Claro que os médicos disseram que a minha vida ia mudar quando eu começasse a tomar SSRI. Mas ninguém abordou o preço emocional que o "não sentir" teria. Conseguia lidar com as confusões mentais, as tonturas constantes e a insónia, mas perder as minhas emoções foi como morrer por dentro.

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A criatividade é subjectiva, por isso é difícil medi-la com precisão. Mas, na Internet, encontrei estudos que tentam entender a ligação entre o facto de alguém se sentir mal e o ser criativo. O psicólogo social Madupe Akinola, da Universidade de Columbia, encontrou uma correlação entre as duas coisas.

Num trabalho conjunto com Wendy Berry Mendes, da Universidade de Harvard, Akinola pediu a estudantes que escrevessem as suas aspirações de carreira. Os estudantes recebiam, depois, um feedback positivo, ou devastador e, no final, criavam colagens artísticas. Acontece que os participantes que receberam feedback negativo — e se sentiram na merda por causa do que os investigadores chamam de "rejeição social" — fizeram colagens mais criativas do que aqueles que não foram afectados.

Decidi parar com o Lexapro há cerca de seis semanas. Não foi um caso de "largar o medicamento". Depois de pesar os prós e contras, decidi que estava na altura de desistir. Esta droga estava a funcionar bem demais. Algumas pessoas querem sentir-se emocionalmente dormentes, mas eu não era feita para essa vida. Sentia falta de ser criativa.

Dois dias depois, as emoções voltaram com toda a força. Ainda assim, passei um mês com síndrome de abstinência. Sentia fadiga extrema, choques eléctricos aleatórios e mudanças repentinas de humor. Foi difícil, mas não me arrependo de ter parado.

Não me recuperei da depressão e não sei se alguma vez vou recuperar. Mas sinto que estou numa posição muito melhor do que estava há um ano atrás. Acho que aprendi a canalizar criativamente todas as emoções negativas que costumavam sobrecarregar-me. Acho que aprendi que o meu eu artístico e o meu eu humano não são duas coisas separadas. Não podes ignorar um, com medo de perderes o outro. Tem de haver um equilíbrio.

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