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Música

Entrevista telefónica com o André dos Dear Telephone

"Estou sim? É para mim!"

Quando era criança, ligava para todo o lado sem a família descobrir, pelo menos até chegar a conta do fim do mês. Por que é que isto vem ao caso? Por nada, na verdade. O novo disco dos Dear Telephone foi lançado no outro dia e, tal como aquelas velhinhas que ocupam a linha com conversas intermináveis, liguei ao André Simão para que ele me contasse tudo sobre o Taxi Ballad. VICE: Olá André. Tira-me esta dúvida: já percebi que gostam de telefones antigos, mas nunca pensaram em mudar o vosso nome para Dear iPhone ou Dear Facebook?
André Simão: [Risos] Não, porque não é suposto o nome reflectir o nosso amor por telefones antigos ou modernos. O objectivo é evocar a imagem das velhotas a coscuvilhar umas com as outras ou até aquelas adolescentes das sitcoms americanas, sempre com aqueles telefones gigantes. É uma espécie de evocação cinematográfica. Faz mais sentido fomentar a imagem de um telefone antigo e de aspecto robusto, em vez de um Nokia ou de um iPhone minúsculo. Mas foram buscar esse nome a uma curta do Peter Greenaway, certo?
Sim. Chama-se Dear Phone. O Birth of a Robot é baseado numa curta do Len Lye e a “Close my Eyes”, desse mesmo EP, é uma cover do Arthur Russell. Isso é que é coleccionar influências de artes diferentes.
Acho que é normal. Apesar de estarmos a falar de uma banda, faz todo o sentido que as influências partilhadas com o público sejam as que temos em comum. Se calhar por termos passados e vidas diferentes, o nosso chão comum não é tanto a música. No caso particular do cinema ou na literatura, como falaste, já nem tanto. Usamos sempre as vozes em discurso directo, como se fossem personagens num filme ou de um livro. Não é raro que algumas letras sejam baseadas em diálogos, histórias, circunstâncias ou cenas cinematográficas com que nos identificamos. E é isso. Quais são as referências cinematográficas que têm em comum?
As referências que temos mais em comum são as que já partilhámos. É o caso do Peter Greenaway e do Mike Leigh. Temos muito consenso em realizadores ingleses e em alguns franceses. Mas há depois aqueles que reflectem os interesses pessoais de cada um e outros onde acabamos por encontrar uma plataforma. Ah, o Mike Leigh. Já viste o Nu?
Claro que sim, mas não é o meu preferido. O filme do Mike Leigh de que gostei mais e que — agora falo por mim —, talvez se relacione melhor com o universo dos Dear Telephone, é o Career Girls. É sobre duas ex-colegas de faculdade que estudaram juntas nos anos 80 e que se reencontram por acaso nos anos 90. Sabias que Taxi Ballad é também o nome de um filme do Daniel Joseph?
Não, é uma coincidência. Não sei se vais gostar. Tens de pesquisar.
Ah, claro. Diz-me outra vez o nome do realizador… Daniel Joseph. O filme é de 2011.
Ok, vou ver. Mas desta vez não há nenhuma referência em nada particular a não ser ao próprio universo em que Taxi Ballad surge. Há uma canção que contém, curiosamente, uma referência musical porque se chama “Passengers”, nome da banda formada por Brian Eno, pelos U2 e pelo Pavarotti. Tem também uma frase praticamente decalcada da "Your Blue Room" [uma canção de Passengers]. É um triângulo, no mínimo, bizarro. mas o disco resulta muito bem. É também baseado num dos poemas espalhados por Nova Iorque, a dada altura, para funcionarem, supostamente, como campanha de prevenção de trânsito. Os poemas são mais ou menos catastróficos, do género: pode vir um camião e atropelar-te, mas letra da canção é também inspirada nesta campanha. Já vi o videoclip do That Violin Lesson Sucks. É verdade que estão a preparar uma série de vídeos?
Escolheu-se um espaço para fazer uma sessão fotográfica. Uma estalagem ou hotel que está perdido algures no meio do pinhal de Ofir. Quando lá fomos gerou-se uma daquelas químicas entre a banda e o edifício e acabámos por propor a possibilidade de realizar lá o nosso videoclip. Tendo em conta a naturezas das canções e a natureza do espaço, decidiu-se construir uma narrativa mais ou menos abstracta que se entrecruzasse nos espaços do hotel. Um edifício estupendamente bem recuperado, ultra minimalista e ultra austero. Então decidimos fazer uma série. O número de vídeos ainda não é certo, apesar de já termos filmado mais do que um. Todos eles ficariam bem uns nos outros, ou seja, o próximo vídeo é a continuação do anterior. O vídeo de That Violin Lesson Sucks é gravado na sala de leitura do hotel e posso avançar que o próximo será gravado num quarto. Depois de uma sala de leitura, o quarto. É um bom encadeamento. A família dos Dear Telephone sofreu alterações devido à entrada do Ricardo Cibrão. Há alguma razão especial para isso?
Por razões bastante prosaicas, não há nenhuma razão assim especial para isso. Este disco tem uma vocação mais guitarrista, mais ruidosa e pronto. Achámos que nesta fase, por todas as razões e mais algumas, fazia todo o sentido integrar um elemento que pudesse trazer essa faceta e essa característica ao disco. Já que falaste nisso… Ouvi o novo disco e é verdade que há um uso mais extensivo das guitarras, mais ruído e feedback.
Os discos mantêm pontos de contacto mas há, também, diferenças. As razões são de variadíssima ordem. Em primeiro lugar mantém-se, sem dúvida, a questão de que se falava há pouco. As músicas continuam a fomentar o discurso directo das personagens como se estivessem a falar uma com a outra. Continuam a brotar a partir das letras. Por outro lado há uma linguagem muito austera, quase sem arranjos, que confere uma natureza mais light ao som e uma abordagem muito estruturalista à música, sem grandes adornos. Primeiro é um disco maior, com uma narrativa mais longa e, por isso, torna-se naturalmente mais colorido. Tem outro tipo de momentos e mais espaço para se criar outras linguagens. Depois, no processo de composição, houve alguns temas que dispararam para uma abordagem mais exploratória, ruidosa e experimental. Sim, também tem a ver com o contributo do Ricardo. Quisemos também, com outros temas, explorar o lado contrário: melodias mais lentas, arrastadas, que acabam por contar as histórias do disco. Com o predomínio das guitarras é um disco mais rock mas, como é mais longo, há mais espaço para ir a outros lugares. É engraçado que fales sempre em narrativas. Faz-me lembrar de histórias literárias. Isso é muito importante para vocês, não é?
Sim, há uma característica de que gosto nesta banda e que não acontece em nenhum outro grupo a pertenço, como por exemplo, os la la la ressonance. Até por estar mais ligado à música instrumental e experimental também. Trabalhamos os improvisos, vamos para estúdio e continuamos a trabalha-lhos. Vamos optando, acrescentando e limando arestas. Nos Dear Telephone, pelo contrário, é tudo feito em passos muito seguros. Primeiro faz-se a letra, em seguida compõe-se a melodia, entram as vozes e, posteriormente, a banda cai em cima daquilo. Vamos conversando muito sobre o que estamos a fazer e, normalmente, leva dois dias a gravar. Este disco demorou dois dias em estúdio e até é relativamente longo. Ai não, foram três: um foi para gravar vozes. É, sobretudo, tudo muito ponderado, pensado e inspirado como quem escreve um guião muito rigoroso.