Jair Bolsonaro se encontra com estudantes venezuelanos em Brasília (2014). Foto via Facebook do Jair Bolsonaro.
Foto via Facebook do Jair Bolsonaro.

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Politică

Bolsonaro pode transformar o Brasil em uma Venezuela?

Do ponto de vista político, sim. Do ponto de vista econômico, depende.

Um país com economia de joelhos. Os dois partidos que dividiam o poder nas décadas anteriores implicados em inúmeros escândalos de corrupção. Surge um ex-militar autoritário e popular para botar ordem na casa e garantir a segurança da povo. Ele sobe ao poder nas urnas em uma eleição democrática. Brasilzão 2018? Não, meu consagrado. Venezuela 98.

há alguns anos, uma das principais bandeiras da direita nacional é uma batalha quase quixotesca contra a venezuelização do Brasil. De certa forma, é compreensível: o vizinho a noroeste atravessa uma gravíssima crise com inflação na casa do 1.000.000% e emigração em massa para outros países da América do Sul.

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No entanto, conforme o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro consolida o favoritismo para a cadeira de presidente, cientistas políticos, analistas e a rapaziada dos memes, como a imagem abaixo com o vice General Mourão e Hugo Chávez, apontam uma contradição nessa história. O ex-capitão do exército e deputado federal por quase 30 anos pode ser o caminho mais rápido para chegarmos lá.

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A explicação é simples. Assim como Hugo Chávez, primeiro, e depois Nicólas Maduro na Venezuela, Bolsonaro é um populista. Claro, os dois lados estão em posições opostas no espectro político, mas isso não reduz a ameaça que o brasileiro representa a democracia.

“A maioria dos populistas são ruins para instituições democráticas como liberdades civis, liberdade de imprensa e eleições livres e acabam concentrando poder na figura do presidente. Essa é uma tendência que vamos em populistas tanto de direita quanto esquerda em muitos países”, diz Kirk Hawkins, professor da Brigham Young University, nos Estados Unidos, e diretor da Team Populism, uma rede global que estuda causas e consequências do populismo.

Especialista em medir populismo a partir da análise de discursos, Kirk conta que um grupo de pesquisadores sob sua orientação está fazendo isso nesse momento com as falas de Bolsonaro. “Mas eu tendo a pensar que sim, ele é um populista”, afirma.

Cristóbal Rovira Kaltwasser, professor da Universidade Diego Portales, no Chile, e coautor do livro Populismo: Uma Muito Breve Introdução, é mais enfático: “O Bolsonaro é claramente um populista.”

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Um populista, dentro da definição mais comum, é uma figura que desenha a política como uma batalha das pessoas comuns, a massa, contra a elite que conspira contra ela. No caso de Bolsonaro, nesse sentido, acrescenta Cristóbal, há uma distinção moral nessa oposição, de bem contra o mal. Além disso, outra característica é uma ideia de que o sistema político deve seguir a ideia da maioria por qualquer maneira.

“É uma figura marginal ao sistema que promete jogar uma bola de demolição contra as elites”, diz Steven Levistky, professor da Universidade de Harvard e coautor de Como as Democracias Morrem.

Até aqui, nada indica predileção por esquerda ou direita. Então o populismo é um contexto político que se combina com outras ideologias para levar o discurso para um lado ou outro. Chávez, na Venezuela, era um exemplo claro de esquerda, com críticas a elite econômica, contra políticas neoliberais e a favor da intervenção na economia. Bolsonaro, por outro lado, ataca a elite política e atores progressistas a favor de valores liberais, como direitos de homossexuais.

Para que isso ocorra, é óbvio que a figura populista tem que se alimentar de insatisfações da população em geral. E o Brasil dos últimos anos criou o cenário perfeito para isso, com recessão econômica, sucessivos escândalos de corrupção a uma polarização que se acentuou na eleição de 2014 e explodiu com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

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Miguel Angel Latouche, professor da Universidade Central da Venezuela que estuda a erosão das instituições democráticas na América Latina em um pós-doutorado na Universidade de Frankfurt, lembra que a situação era semelhante na Venezuela quando Chávez assumiu o poder nos anos seguintes, no começo da década de 2000.

“Eu acredito que há paralelos no sentido que tanto Chávez quanto Bolsonaro são candidatos contra o sistema, que deixam claro que o sistema não funciona e é ineficiente”, conta Miguel. “Há uma diferença gigantesca por que Bolsonaro negocia com as elites econômicas. Agora como ele vai lidar com os freios e contrapesos políticos? No caso da Venezuela, o Chávez só jogou fora qualquer ideia do tipo.”

É na bifurcação entre política e economia que uma especulação sobre como um eventual governo Bolsonaro poderia se assemelhar a Venezuela se divide. Seria mais provável que isso ocorresse do ponto de vista político.

Levistky diz que, após eleito, um populista se vê frente a duas escolhas. A primeira é se reconciliar que o establishment, com o sistema, para poder governar dentro do regime democrático — só que isso significa trair sua própria campanha. Foi o que fez Lucio Gutiérrez (outro ex-militar eleito para combater a corrupção) no Equador, e ele foi derrubado antes de terminar o mandato.

Por outro, para manter o suporte popular, o novo presidente pode continuar a atacar o sistema, lutar contra e até fechar o Congresso, brigar com a suprema corte (o STF no Brasil) e desacreditar a mídia. “Aconteceu com Péron [Argentina], nos anos 40, Chávez, Fujimoro [Peru], Rafael Correa [Equador]. Quase invariavelmente, quando um populista se elege o resultado em um ou dois anos é uma crise institucional. E há uma boa chance de que isso ocorra com Bolsonaro”, afirma o cientista política americano.

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Claro, essa visão não é um consenso. David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília, minimiza a preocupação. “Não vejo por enquanto nenhuma ameaça à democracia. Não sabemos exatamente o que o Bolsonaro vai fazer. Agora no segundo turno esperamos propostas mais concretas dos dois candidatos”, diz



Bicho papão da América Latina

Essa história de venezuelização não é exclusividade do Brasil. “É um argumento que tem ficado comum na América Latina”, diz Cristóbal. Aconteceu no Chile, que teve eleições para presidente no ano passado, assim como na Colômbia, cuja disputa foi neste ano.

Em ambos os casos, candidatos de direita (moderados, na comparação com Bolsonaro) foram eleitos no lugar de representantes mais alinhados à esquerda, em um contexto semelhante: crise econômica, escândalos de corrupção, polarização política e um tiquinho assim de xenofobia contra imigrantes venezuelanos.

Apesar das semelhanças com a eleição em que Chávez subiu ao poder, as preocupações da região eram diferentes vinte anos atrás. “É interessante porque nos anos 80 e 90, o grande problema da América Latina era lidar com a consolidação da democracia”, fala Miguel Latouche. “Depois nós passamos a ter certeza que nossas instituições funcionavam. Agora, voltamos a encarar essa posição de autoritarismo e o aparecimento do discurso populista”, diz o venezuelano.

Eleito em 1998, Hugo Chávez era um tenente coronel da reserva que já havia tentado dar um golpe em 92. Em 2002, foi sua vez de ser deposto pelos militares com o apoio da elite venezuelana, uma situação que ele rapidamente reverteu. A partir daí, intensificou o discurso antiimperialista e adotou práticas econômicas pouco responsáveis. Chávez morreu em 2013, e Nicolás Maduro assumiu o governo num período em que a crise se intensificou no país.

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Uma economista venezuelana, que acompanha a situação brasileira afirma que algumas diferenças entre Chávez e Bolsonaro dão mais segurança à democracia brasileira. “Quando Chávez assumiu, ele tinha duas coisas que Bolsonaro não tem. A economia do seu lado, graças ao boom de commodities durante os anos 2000, e uma maioria total no Congresso, o que o permitiu propor uma nova constituição logo de cara”, diz ela, que pediu para não ser identificada por conta do trabalho.

“Ainda assim, demorou um tempo para ele desmontar a democracia. Acho que o Brasil tem muito mais segurança nas suas instituições, o que deixa o processo mais difícil. Se fatores econômicos externos não o favorecerem, é provável que ele perca popularidade logo e com isso o capital político que poderia lhe permitir um movimento como esse. Mas com certeza ele vai ser um teste para a resiliência dessas instituições”, afirma.

Na economia, por outro lado, Bolsonaro tem a seu favor o seu recém-descoberto apreço pelo neoliberalismo, representado pela figura do economista Paulo Guedes. Tudo bem que no começo da campanha para o segundo turno ele já arrepiou o mercado ao afirmar que não vai privatizar estatais estratégicas para geração de energia e sugerir uma espécie de 13º para o Bolsa Família, mas o risco de uma venezuelização da economia brasileira parece menor.

“Mas isso não significa que ele tenha boas ideias econômicas que tragam soluções para os desafios a longo prazo do Brasil. Ele é meio vago”, diz Kirk Hawkins. “Ele pode ser como Donald Trump, simpático aos negócios, apesar de levantar questões sobre o quanto sua política é sustentável a longo prazo com os ataques ao livre mercado e planos tributários insustentáveis.”

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Para piorar, mesmo que o partido de Bolsonaro tenha conquistado um grande número de cadeiras no Congresso e que ele tenha apoio de grandes bancadas conservadoras, ainda assim ele precisaria de jogo de cintura para negociar com o executivo caso seja eleito. “Não é fácil, precisa ter uma certa habilidade para formar uma coalizão. A alternativa é governar por decretos, como o Fernando Collor fez no começo dos anos 90”, afirma Cristóbal.

Steven Levistky, por sua vez, não acredita na inclinação neoliberal do candidato. “Bolsonaro não vai estatizar a economia como Chávez e Maduro fizeram, mas a ideia que algumas pessoas na centro-direita têm de que porque ele nomeou o Guedes como potencial Ministro da Fazenda de alguma forma ele vai seguir políticas econômicas liberais, isso é uma piada”, diz.

“Se você olhar no passado dele, ele foi um estadista por quase toda sua carreira. Além disso é uma figura muito personalista. Se for presidente, ele vai contratar e demitir Ministros da Fazenda ao bel prazer. Ele é imprevisível em termos de políticas econômicas. Bolsonaro não é um liberal econômico, ele é um populista”, afirma Stevistky.

Mas, e o PT?

Independentemente de tudo isso, é o PT que continua com a chaga da venezuelização nas costas. Caso Fernando Haddad obtenha uma virada histórica no segundo turno e vire presidente, o Partido dos Trabalhadores tem potencial para nos levar lá?

“O PT fez muitas coisas erradas, mas nada que abalasse o regime”, afirma Cristóbal. “Na verdade, é um exemplo clássico de um partido que começou radical, foi ficando moderado ao longo do tempo e deve seu sucesso à sua moderação.”

“Dizer que o PT governaria como na Venezuela não é certo. Não é certo historicamente e não é certo hoje. Depois do impeachment, como o acentuamento da polarização, o partido se tornou mais barulhento, mais raivoso. Mas esse tipo de medo não é justificado” diz Kirk.

Um dos motivos para essa relação entre PT e Venezuela é a resistência de alguns representantes do partido em condenar o governo de Maduro. Em agosto, para se distanciar da imagem, Haddad afirmou que o regime venezuelano não pode ser considerado uma democracia. Mas a pecha continua.

“Há uma brincadeira na internet, diz que se o Haddad ganhar ele manda Gleise Hoffmann para ser embaixadora na Venezuela”, afirma David Fleischer, da UnB. “Mas o problema é que não pode romper relações totalmente com a Venezuela. Há empresas brasileiras de construção civil e comércio exterior que levariam um calote, seria muito ruim. O próprio Trump não rompeu e continua comprando petróleo deles.”

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