Professora Odara Dèlé​.
A professora Odara Dèlé. Foto: Joyce Prado/arquivo pessoal


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Entrevista

Vítima de racismo, professora fala sobre ensinar em tempos de ódio

Chamada de "preta galinha" por alguns de seus alunos, Odara Dèlé dá uma aula sobre resiliência.

No dia 15 de outubro celebramos o dia dos professores. Conversei com Odara Dèlé, 30 anos, mulher negra e paulistana. Odara desenvolve ações diversas nas áreas educacionais, culturais e tecnológica nos espaços informais e formais na cidade de São Paulo com objetivo do fortalecimento identitário de crianças e jovens negros e não-negros para que possam compreender os elementos culturais e históricos formativo do Brasil.

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No último dia 02 de outubro, a educadora se viu registrando um boletim de ocorrência por ter sofrido racismo. Não bastasse o fato lamentável, algo mais triste ainda: o ato foi praticado por alguns de seus próprios alunos. Na lousa, desenharam uma suástica com o nome da professora e os dizeres "preta galinha". Mas Odara não se deixa abater e segue de cabeça erguida enfrentando os desafios de ser educadora no Brasil.

VICE: Quem é Odara Dèlé, sua formação e quais práticas desenvolve?
Odara Dèlé: Sou formada em Ciências Sociais, pós-graduanda em Cultura, Educação e Relações Étnico-Raciais pelo Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação da USP e desde 2011 leciono nas escolas públicas com a disciplina de Sociologia, apesar de que inicialmente não pretendia ser professora. A partir do momento que tive contato com alunos e senti a mágica de repassar conhecimento, decidi permanecer na sala de aula por acreditar ser ali um mecanismo potencializador de construção de outras perspectiva sobre o mundo. Participo também do coletivo Okan Dimo que desenvolve um trabalho com grupos no combate à intolerância religiosa e também realizamos o documentário Okàn Mìmó: Olhares e palavras de afeto, com a produção do Projeto Ojú.

O que é o Alfabantu?
Alfabantu é uma empresa que desenvolve produtos (aplicativo e livro bilíngue) e serviços (formação de professores) para auxiliar na inserção de crianças no processo de alfabetização com conteúdos africanos e afro-brasileiros de forma dinâmica e divertida. Em 2017 lancei o aplicativo Alfabantu, que já circulou por diversos países como Angola, Reino Unido, Moçambique e Portugal atingiu cerca de 6 mil downloads e já participou da construção de catalogo que discute as temáticas relacionadas à infância e relações étnico- raciais.

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Odara Dèlé / Foto: Joyce Prado/Arquivo pessoal

Quais os desafios enquanto professora negra em um país racista?
No olhar estereotipado da sociedade brasileira, as mulheres negras devem sempre ocupar os lugares subalternos. O primeiro desafio é desconstruir esse olhar para que possam compreender que as mulheres devem e podem estar em todos os espaços. O segundo é inserir a discussão étnico-racial nas ações escolares e disseminar que esse tema não é função apenas do professor ou professora negra, mas de toda a comunidade escolar.

E o desafio de abordar o racismo em sala de aula?
Para combater o problema é necessário diagnosticá-lo, partindo dessa percepção, em sala de aula o principal desafio é apresentar para os alunos a existência desse fenômeno social. Pois o racismo ainda é bastante negado no nosso país, e através da compreensão da sua existência, talvez possamos desenvolver formas para combatê-lo dentro e fora da sala de aula.

Odara Dèlé / Foto Joyce Prado_Arquivo pessoal

A educadora Odara Délé. Foto: arquivo pessoal

Sobre o caso de racismo sofrido por você na sala de aula, qual o seu sentimento enquanto mulher negra e professora?
Inicialmente o sentimento foi de decepção por conta de todos os trabalhos já realizados com os alunos, principalmente para compreenderem os efeitos desastrosos do racismo. Passado alguns dias, neste momento, o sentimento que fica é de resiliência de entender que o trabalho não terminou, que precisamos continuar fazendo e trazer mais discussões em sala de aula. Nós professores e professoras, muitas vezes sentimos impotência por não podermos transformar a posição de alguns alunos. Isso não depende só de nós mas das trajetórias que eles vão seguir.

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Reprodução: Facebook

Reprodução Facebook

Acredita que o ocorrido com você tenha relação com o momento atual das eleições? Por quê?
Quando temos uma figura pública que propaga o discurso do ódio e da intolerância, as relações de conflito já existentes acabam se intensificando.

Quais as suas perspectivas para a educação no país?
A educação como mecanismo de transformação social em que as crianças e jovens podem construir seu olhar sobre o mundo e elaborar repertório para sua vida. Porém, a educação deve ser um tema de preocupação para o Estado e para família, para assim termos uma educação igualitária, menos preconceituosa e discriminatória.

Apesar de todos os problemas, quais os prazeres de ser professora e qual maior retribuição?
A maior retribuição é receber uma mensagem carinhosa de ex-alunos falando que as aulas que lecionei foram importantes para desconstruir seus preconceitos, que os conteúdos que passei em sala, eles estão aprendendo na faculdade ou virão no vestibular. Outra retribuição é quando as meninas entram para o 1º ano do Ensino Médio com os cabelos alisados e saem no 3º ano do Ensino Médio com seus cabelos naturais e orgulhosas. Ou simplesmente quando acaba a aula, eles olham para mim e comentam "essa aula foi daora". São muitas alegrias na escola diariamente, apesar de muitos obstáculos ainda a serem enfrentados.

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