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A ciência por trás da transferência de memória muscular em ‘Rick e Morty’

No fim das contas é até plausível que, um dia, transplantemos memórias musculares entre nós.

Depois de longa espera desde o lançamento da temporada de primeiro de abril, Rick e Morty enfim retornaram ao Adult Swim com uma paródia de Mad Max: Fury Road em que Morty e Summer tentam lidar com o divórcio iminente de seus pais.

Sendo Rick e Morty, é claro, há pouco espaço para um desenvolvimento aprofundado de sentimentos; a Summer se torna um canibal totalmente niilista, e Morty se consola triturando humanos pós-apocalípticos na Cúpula do Trovão e/ou do Sangue (com referências a E.B. White).

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Morty – de braços molengas e todo fracote – se torna uma implacável máquina exterminadora após Rick transplantar a "memória muscular" de um guerreiro nos braços dele. O braço começa a ter vida própria, matando impunemente todos os adversários. Como muitas das histórias de Rick and Morty, essa é futurista, improvável e baseada em um tiquinho de ciência de verdade.

Será que músculos transplantados terão "memórias" dos doadores?

No episódio, o braço novo de Morty imediatamente se torna uma ameaça. Ele não consegue controlá-loe começa a matar todos que se aproximam dele. Isso, é claro, é extremamente grotesco.

É importante mencionar que alguns músculos do corpo de certa forma funcionam independentemente do cérebro (o coração tem um marca-passo embutido e bate sozinho). Além disso, estudos mostram que em certas espécies de nematódeos (nematelmintos), a locomoção só é possível sem qualquer informação de sistema nervoso.

Um artigo de 2011 do Journal of Physiology cita uma sequência do filme Queime Depois de Ler, em que o George Clooney agradece à "memória muscular" pela execução de uma série de tarefas complexas, que terminam com ele atirando em um homem. "Normalmente, os irmãos Coen não são uma fonte confiável de informações neurocientíficas", o artigo afirma. "Mas nesse caso, eles suscitaram uma controvérsia interessante: será que os músculos podem conduzir comportamentos independentemente de um sistema nervoso?" E então cita diversos estudos com nematódeos em que os corpos "geraram picos de tensão espontâneos independentemente de um sistema nervoso".

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É claro que não somos nematódeos. Mas estamos mais próximos do personagem Neo, da Matrix, quando ele "faz o download" de habilidades do kung-fu.

Essa hipótese foi levantada por um usuário do Quora alguns anos atrás da seguinte maneira: "Quando é que seremos capazes de transmitir a memória muscular e sua capacidade para outras pessoas? Por exemplo, a gente poderia pegar a memória muscular das habilidades em campo do [craque Lionel] Messi e copiá-la para outro ser humano, ou mesmo um robô movido a IA".

Algumas pesquisas recentes sobre a natureza da memória muscular e da função motora em geral nos deixam bastante otimistas.

Memória muscular

Um artigo de revisão de estudos sobre o assunto, publicada no Journal of Experimental Biology ano passado, confirmou que a memória muscular de fato existe, mas o trabalho também observou que há "uma memória celular no músculo esquelético na qual a hipertrofia é 'lembrada', mais ou menos como uma fibra muito larga, mas que com o tempo perdeu massa e pode recuperá-la mais rapidamente do que fibras novas".

Isso significa que um músculo que já fora forte em um momento pode recuperar sua força, novamente, relativamente rápido. Essa pesquisa descobriu que esse tipo de memória muscular acontece no próprio músculo celular (especificamente, o mionúcleo), e não no cérebro ou sistema nervoso.

Transplantes de braços e mãos estão começando. E não é uma ideia tão doida assim pensar que o braço transplantado no Morty, pertencido a um homem que viu toda sua vila dizimada, se tornasse mais forte e ágil do que o do Morty, cujo braço original do Morty só servia pra bater punheta.

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Transferência de habilidades

É claro que dispor de músculos fortes não necessariamente significa que você está apto a executar movimentos de luta altamente especializados. Por isso, precisaremos de algo tipo o do filme Matrix. Para transferir as capacidades, precisaremos de uma transferência de memória instantânea de humano para humano (ou de máquina para humano, ou ainda, de humano para máquina).

Em um artigo da Live Science sobre a plausibilidade de downloads de capacidades, no estilo Matrix, o professor Takeo Watanabe da Universidade de Brown (à época do estudo, da Universidade de Boston), observou que o "aprendizado motor é semelhante ao aprendizado perceptivo". Para nós, trata-se de uma coisa boa, porque atualmente há muita ciência dedicada à manipulação, recuperação, implantação, transferência e destruição de memórias. Esses experimentos estão acontecendo em camundongos, lesmas e outros animais menos complexos do que os seres humanos. Porém, se as memórias utilizadas na aquisição das capacidades motoras são semelhantes aos outros tipos de memórias, é lógico pensar de que talvez um dia no futuro possamos manipular e transferi-las para facilitar o aprendizado instantâneo.

Também tem uma quantidade considerável de pesquisa sendo realizada a fim de "decodificar o neurofeedback", um tipo de neurociência na qual os participantes aprendem capacidades em uma velocidade mais rápida do que o habitual a fim de ativar áreas específicas do cérebro. O professor Watanabe especula que, se esse processo for acelerado, talvez possamos fazer a aquisição de capacidades no estilo de Matrix.

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Os cientistas também estão debruçados sobre um campo de estudo controverso chamado "memória genética", a qual, afirmam alguns estudiosos, explica por que algumas pessoas "sábias" são capazes de executar tarefas complexas e de alto nível com pouca ou nenhuma instrução.

"A memória genética, resumindo, são as capacidades complexas e o conhecimento sofisticado herdados juntamente com outras características físicas e comportamentais típicas e comumente aceitas", Darold Treffert, psiquiatra estudioso da "savantismo" (ou "síndrome do sábio"), explicou em um artigo de 2015 na Scientific American.

A história está repleta de exemplos de gente que sofreu traumatismo craniano, derrame ou esteve em coma, e subitamente foi capaz de esculpir ou tocar um instrumento musical em alto nível. "O desafio agora é como acessar essa capacidade adormecida de um modo não intrusivo e sem lesões cerebrais ou demais incidentes", Treffert escreveu.

Novas técnicas de modificação genética, como o CRISPR, estão sendo utilizadas não somente para modificar o genoma de embriões, mas também para alterar o DNA de adultos; se o mecanismo para a "memória genética" estiver desbloqueado nos seres humanos, então é ao menos plausível que, um dia, a invenção de memória muscular do Rick não seja uma ideia tão doida assim. Muitas das coisas que fazemos são uma combinação de natureza e cultura, então precisaremos de uma mistura de toda essa tecnologia e de um treinamento da parte de Morty. E aí entra em cena a questão da rejeição de transplantes – mas essa aventura pode ficar para outro dia.

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