Retratos do tempo no sertão

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Retratos do tempo no sertão

No ensaio "Morada do Caboclo", o fotógrafo Felipe Fittipaldi explora a bruta quietude da identidade sertaneja.

Em 2015, o fotógrafo carioca Felipe Fittipaldi esteve no semiárido baiano a fim de realizar uma reportagem sobre arqueologia. No caminho para os sítios de pesquisa, chamaram sua atenção algumas casas isoladas em meio à caatinga. Resolveu visitar esses moradores e, durante a conversa, ficou impressionado. “Eram pessoas que faziam suas escolhas de vida a partir de valores muito diferentes dos nossos”, lembra. Um ano depois, voltou por conta própria para contar essa história que resultou no ensaio Morada do Caboclo.

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No trabalho, Fittipaldi propõe uma reflexão sobre a situação das populações tradicionais da região diante do êxodo dos mais jovens e da modernização. Por lá, a geração mais jovem, atualmente conectada às novas referências, tende a migrar para fugir do isolamento e buscar novas oportunidades de trabalho. Diante disso, as pessoas que permanecem se tornam muito provavelmente os últimos representantes da cultura tradicional.

Foto: Felipe Fittipaldi

Conhecido e premiado por pautas relacionadas a questões sociais, Fittipaldi não teve objetivo de fazer uma denúncia em Morada do Caboclo. Ele entende que se tratam de pessoas que tiveram uma vida dura e que são visualmente embrutecidos, mas que não existem motivos para que se sinta pena deles. “Eles estão ali porque querem, muitos poderiam viver com seus filhos em cidades como Petrolina ou Feira de Santana, mas escolheram estar ali sendo eles mesmos”, explica o fotógrafo.

Foto: Felipe Fittipaldi

Ao relatar o contato que teve com os moradores, o fotógrafo conta que a conversa fluía bem quando perguntava sobre a vida deles até ali. Eles se animavam ao revisitar a memória e contar episódios passados. A dificuldade era fazê-los falar sobre sentimentos. “Apesar de a maioria não demonstrar nenhuma fraqueza, penso que havia um pouco de tristeza e melancolia na vida daquelas pessoas. Mas essa é uma impressão minha. Eles parecem bem resignados em estar ali”, reflete Felipe.

Foto: Felipe Fittipaldi

Ao se contemplar as fotos do ensaio, os olhos ficam fixados nesse tempo desconhecido para a maioria de nós, o tempo do sertão, em relação ao qual somos meros e curiosos espectadores. As expressões, a cor do céu, o aspecto da terra e o silêncio seco que pula de cada imagem. Um mundo com ritmo e identidade próprios. Tal condição afeta os jovens que vão embora, pois, apesar de estarem menos enraizados, sofrem com a migração, uma vez que vão perdendo a identidade sertaneja e ainda não são seres urbanos.

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Foto: Felipe Fittipaldi

O fotógrafo, que costuma escolher um tema baseado em interesses pessoais, conta que teve como impulso para esse trabalho a admiração por qualidades que não possui e que foi tocado profundamente por esses personagens. Felipe acredita que eles desenvolveram uma sabedoria que nos falta na cidade, sobretudo em relação à forma como lidam com a solidão, a morte e a falta de garantias. Um dos personagens que visitou por duas vezes, num período de dois anos, estava sentado na cama, na mesma posição, em ambas as ocasiões. Não havia eletricidade na casa. “Olhei para onde ele estava olhando e não havia nada. Quando perguntei a ele sobre envelhecer ali sozinho, ele respondeu com tranquilidade. Não havia medo. O medo era meu”, conclui.

Foto: Felipe Fittipaldi

Foto: Felipe Fittipaldi

Foto: Felipe Fittipaldi

Com Morada do Caboclo Felipe conquistou alguns prêmios como Lens Culture Emerging Talent 2017 e Life Framer Award, e realizou exposições individuais e coletivas no Brasil, Estados Unidos, Japão e Europa. Em dezembro, o ensaio será exibido na Etiópia, dentro da programação do Addis Foto Fest.

Veja mais fotos de Felipe Fittipaldi no Instagram.
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