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A teoria da conspiração que mantém o Brasil há 20 anos enojado

Surgida na Copa de 1998, a corrente de Gunther ainda é onipresente nos grupões de zap nacionais.
Foto: Wilson Machado/ CBF

Sentado diante de uma televisão, em uma tarde de domingo, um brasileiro assim como eu e você, assistiu a uma derrota amarga. Não como as habituais, que acontecem campeonato sim campeonato também, mas daquelas que só o maior espetáculo da Terra pode nos proporcionar a cada quatro anos. Mas diferente de mim ou de você, esse brasileiro decidiu não deixar a imagem da seleção canarinho ir para o brejo e, na mesma noite, diante de um computador, pôs em prática suas habilidades como redator para mudar a situação. Na manhã daquela segunda-feira, via ICQ ou e-mails repassados um a um, o país todo descobriria a razão pela qual o jogador Leonardo havia de declarar: “Se as pessoas soubessem o que aconteceu na Copa do Mundo, ficariam enojadas.”

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O conteúdo era mirabolante: tentava explicar a derrota por 3 a 0 para a França numa trama que envolvia cartolas, empresários, Nike e jogadores. Em resumo, o Brasil teria vendido a Copa à Fifa em troca de virar sede e ter seu caminho facilitado para a conquista de 2002 — duas coisas que acabaram se realizando, vale ressaltar. O que tornava tudo uma bizarra peça de ficção eram as informações absurdas extremamente detalhadas (como os valores milionários dos contratos e as investigações de veículos jornalísticos que nunca abordaram o tema), o tom apocalíptico e os caps lock que influenciaram outras correntes falsas nos anos seguintes. Como um grande viral, o texto foi repassado adoidado pela incipiente internet brasileira. Todo mundo que tinha uma conta de email ou uma conta no ICQ havia lido aquela estranha mensagem assinada por um tal de Gunther Schweitzer. O ciclo se fechou quando, dias depois, na quinta-feira seguinte à derrota, hackers invadiram o site da CBF e postaram o texto na página inicial.

Muitas versões diferentes circularam durante a época, com estruturas e formatos variados, mas sempre mantendo os valores, personagens e a assinatura do tal Gunther. Ele, aliás, era uma das poucas coisas verdadeiras da mensagem. Ainda assim, Gunther não era o autor do texto, tampouco um jornalista. "Não sou o autor de nenhum desses e-mails. Eles foram parar no meu nome por um lapso meu”, disse o próprio Gunther Schweitzer, em entrevista à ESPN . Recebi um e-mail sobre a Copa de 98. Aí fui repassar aos meus amigos, e tive a infelicidade de trabalhar com o Outlook com a minha assinatura e acabou indo com o meu nome quando repassei."

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Gunther é professor de educação física, administrador de empresas e se filiou ao Avante, que em 98 ainda se chamava Partido Trabalhista Brasileiro, para tentar uma vaga como Deputado Estadual em 2018. Vinte anos depois, ele continua, sem querer, sendo um dos principais vetores de falsas notícias. Isso porque a corrente original teve muitos outros momentos de sobrevida, marcando presença em praticamente todas as Copas desde então. Serviu até mesmo para explicar o 7 a 1 contra a Alemanha em 2014 e deve marcar presença esse ano também, caso o Brasil seja um fiasco nessa Copa. Ela, assim como toda a fauna e flora de correntes brasileiras, a exemplo de Pabllo indo longe demais, faz parte do Brasil moleque, que curtia repassar correntes muito antes da internet, por cartas e santinhos colocados nas caixas de correio.

Com o tempo, claro, o viral se tornou uma piada esportiva. Para cada situação polêmica, redatores pegavam o formato da mensagem de Gunther e apenas trocavam os personagens. A plataforma também mudou. Se antes seu principal vetor era o email, agora as mensagens de Gunther, sejam elas piadas ou tentativas de manipulação, são espalhadas via WhatsApp e fóruns. Para se ter uma ideia da diversidade da mensagem, há até uma versão da carta para o jogo League of Legends, para as eleições de 2012, para lutas de UFC e até para a morte de celebridades.

Tudo isso nos faz imaginar como o autor anônimo dessa que talvez seja a primeira grande corrente do país se sente anos depois do seu grande feito. Será que se ele soubesse o que estaria por vir 20 anos depois, ficaria enojado?

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