Foto: Creative Commons
Que o YouTube é uma das plataformas mais acessadas no Brasil ninguém tem dúvidas. Que uma onda conservadora ganha mais adeptos pelo país também não há como negar. Agora junte essas duas tendências e o que temos é o crescimento de uma manada de seguidores com discurso intolerante e viciado que contamina cada vez mais pessoas.No começo dessa semana tivemos a prova disso: o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro (PSL) tuitou uma lista de canais de informação no YouTube que julgava confiáveis e, para a surpresa de ninguém, todos tinham ideias ultra-conservadoras e inflexíveis. Estavam lá nomes como Nando Moura, um músico de heavy metal com 2,9 milhões de seguidores, e o astrólogo e guru de jovens deslocados, Olavo de Carvalho.Por se tratar de um político que sempre bota a imprensa em descrédito (sobretudo quando investigam ou criticam sua conduta), o post de Bolsonaro causou alarde em muita gente que trabalha com comunicação ou defende a liberdade de expressão. Era um claro sinal de que o futuro presidente só falará e respeitará quem o bajular ou se adequar a seus ideais conservadores.O fenômeno do youtuber direitista, porém, não é novo, nem cria do Bolsonaro. Na verdade, figuras como Diego Rox, um jovem hoje com 900 mil seguidores, cresceram ao longo dos últimos dois anos e ajudaram a alavancar a carreira de muitos políticos do PSL, a exemplo dos próprios filhos de Bolsonaro e da jornalista Joice Hasselmann. Em comum todos possuem um discurso de dois séculos atrás.“O conservadorismo apresentado nas ideias e nos discursos de alguns youtubers não se diferencia muito das ideias mais antigas do conservadorismo do filósofo e teórico político irlandês Edmund Burke, no século XVIII”, explica o psicólogo e pesquisador Róger de Souza Michels da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.Neste ano, Michels realizou uma pesquisa sobre o discurso conservador brasileiro nas novas mídias digitais e percebeu que ali prevalecem intensos ideais religiosos cristãos e uma crítica ferrenha contra qualquer movimento que se proponha a repensar modos de estar na sociedade. “As lutas do feminismo, da população LGBTQ+ e mesmo as mais básicas discussões acerca do racismo na nossa cultura, são intensamente atacadas e banalizadas pelos youtubers conservadores”, diz.Outra descoberta do pesquisador é que não há uma influência direta de políticos no discurso dos youtubers. O que ocorreu foi uma insatisfação da população, representada por essa ala conservadora do YouTube, que acabou sendo amplificada pelos canais e aproveitada tanto pelo eleitorado quanto por quem buscava um cargo legislativo. "São as massas que movem e autorizam as figuras políticas", diz. "Figuras políticas conservadoras sempre existirão em um estado democrático. Todavia, quando produzimos uma população adoradora de determinados discursos, corremos o risco de engrandecer políticas reacionárias.”De acordo com a pesquisa Video Viewers 2017, realizada pelo Google e Provokers em 2017, 95% da população online do Brasil acessa o YouTube pelo menos uma vez por mês. Entre jovens e adultos de 18 e 35 anos, 63% afirma não conseguir viver sem usar o site.O brasileiro assiste, em média, a 38 horas de conteúdo audiovisual por semana. Outro dado é que 83% das pessoas assistem a vídeos na internet para ver conteúdos que não estão disponíveis na TV. Certamente um dos principais fatores que torna o YouTube uma ferramenta atraente ao público é sua capacidade de converter o cidadão comum em um disseminador de opinião. O pesquisador conta que, na correria do cotidiano, o público prefere ver um vídeo de cinco minutos sendo dito por alguém com quem se identifica a ter que ler uma longa matéria sobre determinado tema ou assistir a um documentário mais elaborado.Por ser um espaço de disseminação de conteúdo, toda forma de conteúdo é válida lá dentro. “O conservadorismo, assim como qualquer outra teoria política, dissemina-se pelo YouTube justamente porque se trata de uma plataforma capaz de fazer coabitarem as mais distintas ideias e desejos", diz Michels. "Seja qual for o tema, no YouTube haverá um público."
Publicidade
Publicidade
O entretenimento que segrega
Publicidade
A formação de um público conservador, é claro, aumenta a possibilidade de um crescimento de políticas reacionárias. “Esses discursos são bastante prejudiciais na medida em que se propõem a dividir a população em dois segmentos: um deles apresentado como o correto, dotado de valores conservadores supostamente nacionalistas; e o outro demonizado por críticas baseadas nas crenças pessoais do conservador, portanto, sem grandes capacidades reflexivas ou mesmo dispostas ao debate saudável”.O pesquisador explica que críticas dessa natureza acabam por apresentar ao grande público uma ideia de que as minorias são as culpadas pelos problemas da sociedade e isso é um grande risco.Outro problema grave é a desinformação. Nando Moura, por exemplo, já chegou a gravar vídeo em que associa o nazismo ao PT e a esquerda. Muitos de seus seguidores acreditaram. Meses depois, a informação se disseminou pelos fóruns e no próprio YouTube a ponto da Embaixada Alemã no Brasil ter de explicar que se tratava de uma política de extrema-direita. Nem isso foi suficiente para convencer muitos eleitores, a maioria deles simpático a Bolsonaro.Eis então o principal problema com o qual temos de lidar: em vez de convidar o público a refletir e buscar soluções reais para demandas complexas, os youtubers de direita apenas pregam que os supostos responsáveis precisam ser eliminados. E nesse cenário, a massa de seguidores cresce fortalecida e com potencial nocivo aos valores democráticos, sobretudo aos grupos minorizados.Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter , Instagram e YouTube .