equipa de futebol feminino a jogar contra equipa masculina
As meninas da ACR Maceirinha, em jogo com os rapazes do Leiria e Marrazes. Foto por Ricardo Graça/Jornal de Leiria

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Desporto

Elas querem jogar à bola e quem está do outro lado é só um detalhe

Uma equipa de futebol feminino do distrito de Leiria não tinha adversárias e encontrou no campeonato masculino a saída para poder competir e evoluir.

Este artigo foi originalmente publicado no JORNAL DE LEIRIA e a sua partilha resulta de uma parceria com a VICE Portugal.

“Olha que engraçado! Vão jogar com meninas!”, diz uma senhora. “Sim, sim, jogam no campeonato distrital de sub-13, porque não há mais equipas femininas no distrito”, contrapõe um pai, sempre conhecedores do percurso desportivo dos filhos. É sábado de manhã, está um frio de rachar, mas as miúdas da Associação Cultural e Recreativa da Maceirinha entram em campo de sorriso nos lábios, felizes por poderem fazer aquilo que mais gostam.

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No clube houve um “boom de meninas interessadas” em jogar à bola e, como não surgiram outros emblemas no distrito com raparigas até aos 15 anos, a Associação de Futebol de Leiria resolveu colocá-las a competir com rapazes ligeiramente mais novos, em formato extra-competitivo. No entanto, quando pisam a relva, elas não querem saber se é a valer ou não. “Estamos ali para fazer o nosso melhor”, garante Dorisa Silva.


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Ela é uma das 28 miúdas que compõe o plantel azul-e-branco e a "porta está aberta" a todas as outras que estiverem interessadas em jogar futebol, garante o treinador, Simão Cardoso. A base de captação tem vindo a alargar-se e já há atletas que têm de cumprir uma série de quilómetros até chegar ao treino, de Monte Real à Mendiga, de Leiria a Pataias.

As mais bem preparadas jogam na equipa de sub-19, que ocupa o segundo lugar da série D do Campeonato Nacional do escalão, as mais novinhas e com menos experiência têm oportunidade de competir com os rapazes dos clubes do distrito. “Os tempos são outros”, mas para algumas delas não foi fácil terem permissão para praticar a modalidade que sempre as cativou. “Achavam que era um bocadinho violento para mim”, conta Dorisa, que só no ano passado pôde integrar a equipa. “Ainda não é fácil ser aceite como uma opção válida. Já foi muito pior, mas continua a haver alguma resistência. No entanto, as pessoas acabam por perceber que é aquilo que elas gostam e, às vezes, os pais mais difíceis acabam por tornar-se nos maiores apoios”, completa o treinador.

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“Honestamente, tive algum receio quando apresentei a possibilidade e disse que era importante participar neste campeonato para todas poderem jogar”, admite o responsável. A resposta pronta de todo o grupo de trabalho deixou-o descansado. “Queremos é jogar”, disseram em uníssono, para satisfação de Simão Cardoso. E acrescenta: “O melhor de trabalhar com miúdas é que querem aprender, estão ali porque gostam e não pensam em ser o Cristiano Ronaldo. É a principal diferença”.


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No sábado, 5 de Janeiro, o jogo foi contra o Leiria e Marrazes. As miúdas deram tudo, mas os rapazes, apesar de mais novos, eram mais sabidos. “Quando ganhávamos a bola eles faziam pressão e não nos deixavam pensar”, relata Francisca Carvalho. Nada que incomode o treinador, pouco preocupado com derrotas e goleadas. “O mais importante é dar-lhes jogo”, explica. E realça: “O que nos interessa é que elas cresçam a jogar, porque tê-las a treinar e depois, ao sábado, ficarem em casa, não faz sentido. A evolução faz-se efectivamente em jogo, a ter de decidir e a saber o que fazer com a bola”.

Dos adversários e das bancadas têm sentido “respeito”. “As coisas já não são como eram dantes. Ainda não me apercebi de miúdos que tenham ficado incomodados, que tenham estranhado”, diz o treinador. Contudo, de vez em quando lá existe uma troca de galhardetes no calor do jogo. “Não se queixam, mas acontece e reagem por vezes de uma forma relativamente agressiva. Não gostam de ouvir e não ficam caladas”.

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A verdade é que elas não gostam dessas piadolas, detestam. “Houve equipas que disseram alto, mesmo para ouvirmos, que éramos raparigas, que podiam ter mais calma, porque não jogávamos tão bem como eles. Outros dizem para terem cuidado, que só damos caneladas e que somos umas fingidas, mas são eles que se atiram para o chão”, relata Dorisa Silva. O que é certo é que elas correm, chutam, fintam, desarmam, sempre dispostas a cumprir as indicações do técnico. “Apenas lhes pedimos vontade de ganhar. O resultado final interessa muito pouco”, diz Simão Cardoso. Para elas, o futebol é mesmo para ser levado a sério e estar ali, a jogar, é um sonho tornado realidade. Ser contra rapazes ou raparigas é apenas um pormenor.


Miguel Sampaio é jornalista do JORNAL DE LEIRIA.

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