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As táticas do jornalista que passou meses entrevistando Ted Bundy

“Eu queria que ele se revelasse pelo que realmente era: um bosta.”
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Stephen Michaud, aos 31 anos, e Ted Bundy | Imagens cortesia de Stephen Michaud/ Netflix.  

Se você se interessa por Ted Bundy, você tem que se interessar por Stephen Michaud – ele é o principal entrevistador em Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy, uma série documental do Netflix. Ele é o homem que enganou Bundy para revelar elementos-chave de seus crimes por meses. E ele é o autor do romance policial de crime real The Only Living Witness, que detalha os eventos antes da execução de Bundy. Mas pergunte a Stephen Michaud no que ele estava interessado, e ele vai te dizer que era em convencer o mundo de que Ted Bundy foi um bosta.

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“Eu não tinha medo dele”, admitiu Michaud, hoje com 70 anos, pelo telefone. “Ele cometeu um monte de crimes escrotos chegando por trás de mulheres indefesas e batendo na cabeça delas. Isso não é um herói.”

Na época um jornalista de 31 anos, Michaud não sabia sobre Bundy o que a maioria sabe hoje: Bundy era um garoto constrangido socialmente que cresceu para se tornar um serial killer, atraindo pelo menos 30 mulheres inocentes para armadilhas, assassinatos e estupros nos anos 1970. Depois de capturado, ele conseguiu fugir duas vezes, fez os EUA o rotular como atraente, e inspirou o FBI a examinar assassino em série de maneira diferente.

Por meses, Michaud ouviu Bundy falar em detalhes sobre os assassinatos de que ele era acusado em três estados (Colorado, Flórida, Utah), acendendo seus cigarros e pagando o almoço dele enquanto isso. Depois de seis meses, ele estava mentalmente exausto.

Há muito a ser dito sobre a glorificação desnecessária de Ted Bundy de longe, mas eu imaginava se essa idealização era possível quando estava frente a frente com o monstro por meses. Falando com a única pessoa que poderia saber, Michaud deixou claro que não era.

VICE: Você obviamente está ligado à história de Ted Bundy. O que você acha dessa obsessão contínua cercando o nome dele em todos esses anos? Com certeza Bundy ia adorar isso.

Stephen Michaud: Bundy esteve comigo por um longo tempo, então deixa eu te contar uma coisa sobre meu colega Bundy. Ele era um narcisista. Mas agora, todo mundo sabe o que isso significa, mas como sociopata, ele também lidava com paranoia. O narcisista em Bundy respondia à atenção da imprensa e às groupies, claro. Mas ele também desejava ser livre, se você entende meu ponto. Ser identificado tornou difícil para ele conseguir vítimas e alimentou sua paranoia. Não estou dizendo que ele estavam dividido entre as duas coisas. As duas eram forças muito fortes que bagunçavam o mundo interno dele. Foi o que levou ao sucesso e ao fracasso dele. Neste momento, Ted está num outdoor na Times Square, Nova York. Ele teria adorado isso, mas, ao mesmo tempo, ele estaria desejando estar numa cidade pequena onde pudesse arrastar alguma garota de um bar, por assim dizer.

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Stephen Michaud em 'Conversando com um Serial Killer'. | Cortesia da Netflix.

Você não era um investigador do FBI. Você era um jornalista de 31 anos prestes a entrevistar o serial killer mais infame dos EUA. Quando você pensou que poderia enganá-lo?

Ted Bundy quase sempre era descrito como bonito de um jeito de menino, com seu sorriso de garoto e tudo mais. Então me veio a ideia, entre um cheeseburguer e uma segunda dose de uísque, que ele era realmente um garoto. Ele era um caso de alguém que nunca amadureceu, e que eu estava lidando na verdade com um moleque de 12 anos num corpo de 30. Por exemplo, pensei num cenário onde uma bola de basebol quebrasse a janela da sua sala. Você sai de casa, vê um garoto com um taco, e já sabe muito bem o que aconteceu. Mas se você perguntar para o garoto, ele vai negar. Mas pergunte o que ele acha que aconteceu, onde você tira o fator de confissão, e você dá a ele uma rota para começar a falar.

Então eu disse a Bundy, você tem um diploma de psicologia, você foi um suspeito em todos os casos, e viu as descobertas. Você sabe mais sobre essa saga que qualquer pessoa. Me conte o que você acha que aconteceu. Que forças criaram esse homem? Como ele agia? E como ele vê o mundo? Então ele começou a falar, e aí foram seis meses de Bundy me contando como ser um serial killer.

Você estava nervoso?

Eu estava nervoso em muitos níveis, mas não como se estivesse impressionado por ele, eu não tinha medo dele. Ele cometeu um monte de crimes escrotos chegando por trás de mulheres indefesas e batendo na cabeça delas. Isso não é um herói. Meu nervosismo era com o ardil. Essa prisão não ia deixar um jornalista ver o serial killer mais infame dos EUA. Então tive que entrar disfarçado como um investigador trabalhando com a equipe de apelação dele. E eu tinha certeza que eles iam me desmascarar em algum ponto, e me dar minha própria cela. Isso estava sempre na minha mente. Durante seis meses, eu tinha certeza que seria pego.

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Mas no contexto das nossas conversas, ele me deu razões para me sentir péssimo. Eu tinha que viver com aquelas histórias doentias desse homem doentio sem trair o fato de que tinha nojo dele naquela sala. Se eu entregasse isso, a dinâmica se inverteria. Foi muito estressante.

Acho que é fácil ignorar o fato de que você passou meses com esse homem que muita gente considera mau. Que tipo de preço emocional isso teve?

Com certeza não foi fácil. Consegui enterrar muita coisa. Mas lembro de conversar com uma das minhas irmãs outro dia que convivia comigo na época. E ela me lembrou que minha aparência estava horrível em todo o processo. Eu não conseguia parar de falar que me recusava a ter uma filha naquele ponto. Mas é engraçado, tenho uma filha hoje, ela tem 25 anos e aprendeu tanto quanto qualquer mulher deste país graças às minhas experiências. Não estou sozinho nesses sentimentos. Tem muita gente que conheceu Bundy, simpatizantes, policiais, advogados, e todos concordam que ele deixava uma mancha permanente em tudo que tocava. Você nunca consegue colocá-lo no passado. Isso fica com você. Não é uma coisa de 24 horas por dia, mas você não consegue se livrar de vez dele. Essa é uma das recompensas mais imprevisíveis de se aproximar do meu amigo Ted Bundy.

Mas além da aparência, você conseguia ver o lado sombrio dele?

Considerando o que discutimos, essa escuridão nos envolveu naturalmente. Ele tinha um comportamento cada vez mais plano quanto mais fundo íamos nas coisas sangrentas e loucas. Mas uma das coisas que fez ele continuar falando comigo foi porque ele gostava de reviver esses assassinatos. Dei a ele essa oportunidade já que ele não tinha que falar em primeira pessoa, apesar de falar de vez em quando. Ele podia reviver o que fez. Esses caras adoram fazer isso, e lá estava ele, com alguém que acendia os cigarros dele, comprava seu almoço e o ouvia enquanto ele contava essas histórias. Ele fechava os olhos, e eu sabia que ele estava voltando para as cenas dos crimes que serviam como memórias. Então, sim, ele me deu muito merda estranha. Sem dúvida aqui.

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Sempre ouvimos que Ted era carismático e bonito. Já ouvi algumas pessoas mencionarem ficar em conflito, emocionalmente, conversando com pessoas do tipo dele. Isso está de acordo com a sua experiência?

Honestamente, eu não tinha muita consciência na época e fui inventando enquanto o entrevistava. Eu estaria mentindo ou manipulando a verdade se dissesse que estava realmente no comando daquela conversa. O plano era ficar sempre um passo à frente dele e aprender com meus erros, e acredite, cometi muitos. Alguns dias eu deixava ele puto, e nem sabia como tinha feito isso, e outros dias era o oposto. O que realmente me salvou foi que Bundy era tanto uma criatura de sua própria aberração que continuou com isso porque era emocionante para ele, enquanto ele se recusava a aprender com os próprios erros. Ele ia tão longe e fundo nessas histórias que pareciam tão incriminadoras com uma pessoa com quem ele nem deveria estar falando em primeiro lugar.

Se você acha que de certa maneira ele foi enganado, ele teria que ser muito idiota para continuar com aquilo. Mas isso te dá uma noção do quanto ele estava obcecado por suas próprias obsessões. Seus erros eram parte dessa emoção.

O que mais te surpreendeu nele?

Quão simpático ele podia ser. Tenho consciência de que ele tinha uma máscara, e chamam isso de insanidade mascarada. Mas ele também podia ser muito engraçado e espontaneamente inteligente às vezes. Lembro quando ele parou no meio de uma descrição pesada e disse: “sabe de uma coisa, Stephen, acho que você daria um bom seria killer também, acho que você tem isso lá no fundo”.

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O que você respondeu?

Só fiquei olhando pra ele. Mas, outra vez, quando eu estava pressionando ele, o provoquei dizendo: “você é uma celebridade agora, Ted, você deveria fazer propagandas, talvez de pés-de-cabra”. Ele fez uma careta depois sorriu: “não, quero fazer de meias”. Ele tinha um fetiche por meias. Então ele descreveu um comercial com uma câmera focando nele, as mãos nas barras da cela, dizendo: “Olá, sou Ted Bundy, vou usar minhas Burlington na minha execução”. Nunca mais comprei meias Burlington depois disso.

Alguns argumentam que o documentário da Netflix não fez muita coisa para realmente chegar perto de entender o que fazia Ted Bundy funcionar. Você praticamente cheirou o homem. O que você acha que motivava Bundy?

Vou responder isso em dois níveis. Bundy e eu falávamos sobre o comportamento dele, e havia uma discórdia de que o fator determinante era ambiental. Especificamente, que a vida americana moderna era desestruturada demais. Pouco planejada. Cheia de surpresas. Disso, eu via Bundy como um homem com medo de seu ambiente. Como qualquer predador, ele não gostava de surpresas. O mundo parecia um lugar hostil e assustador, e essa combinação o deixava com medo e raiva. Mas não vamos esquecer que havia muito misoginia por trás das ações dele.

Por que devemos continuar falando sobre Bundy depois que tudo que sabemos? Alguns dizem que isso desumaniza as vítimas, como um resultado da fama dele.

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Bundy uma vez disse que num ambiente moralmente restritivo, uma pessoa pode muito bem se tornar um colecionador de selos demoníaco sem ninguém saber. Sim, Bundy foi uma criança traumatizada, as histórias estão por aí, mas Bundy prosperava sobre pessoas que não estavam prontas para o tipo de trauma dele. Ele operava numa época em que a população americana era móvel, num mundo cheio de novos rostos. Ele chamava isso de fator de anonimato. E ele conseguiu tirar vantagem dessa falta de atenção crítica. As pessoas não leem mais as outras, só as seguem. Então, naquela época, jovens mulheres e homens não tinham aprendido sobre esse tipo de perigo, e morriam por causa disso.

Não sei se essa geração precisa ter Bundy novamente como um exemplo do tipo de pessoas que estão por aí, porque Bundy não era único. Ele é apenas um dos serial killers de sucesso que tivemos. Mas se Bundy estivesse aqui agora, ele estaria num notebook trabalhando em seus negócios. Se você se lembra, mesmo para as gerações que cresceram sem ser ensinadas sobre esses homens, ter o olhar atento para o inesperado, essa pode ser a diferença entre a vida e a morte. Se Bundy tem que ser o bicho-papão ocasional de um jeito que pode ser considerado falho para alguns, que seja. Se necessário, use um novo bicho-papão então.

Você mencionou que estava enjoado de Bundy em certo ponto. E mesmo assim, décadas depois, ainda estamos falando de Bundy. O que você acha de ter que reviver esse homem?

Tenho que admitir, não me sinto confortável sendo arrastado de volta para esse período. Voltar para a TV ou algo assim, falar sem parar sobre essa cara não faz nada pra mim. Mas não tem nada que eu disse no meu livro ou em outro lugar de que tenho vergonha. Eu não exaltei Ted Bundy. Tentei retratá-lo como o verme que ele era. Que na verdade ele sabia que era. Ver além daquele sorriso de pasta de dente, e ver quem ele realmente era, esse era o objetivo. Mas se o público quer transformá-lo num gênio do mal, ou num pimpinela escarlate bonito, aí não posso ajudar. Eu já disse que assassinato em série é um crime simples de cometer e de escapar. Ele geralmente envolve estranhos em lugares distantes.

Provavelmente é mais difícil ser um ladrão de loja em série e se safar disso do que matar mulheres e estranhos indefesos. Tentei o melhor possível demonstrar, sem diminuir as vítimas, que Bundy não era um gênio maligno. Eu queria que ele se revelasse pelo que realmente era, um merda, e defendo isso até hoje.

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