Este artigo foi Matéria originalmente publicada na VICE Canadá.A extrema-direita está cada vez mais sofisticada, globalizada e recrutando ativamente os jovens, diz um novo estudo.O ecossistema antes perpetuamente fraturado da extrema-direita, composta por nacionalistas brancos nos EUA a grupos anti-imigração na Europa, além de outros grupos como o próprio MBL no Brasil, está se tornando coeso e altamente adaptável. O Fringe Insurgency, um estudo publicado pelo Institute for Strategic Dialogue, mostrou que embora esses movimentos ainda sejam diferentes em ideologia e abrangência, cada vez mais eles estão trabalhando juntos. Essencialmente, a extrema-direita — muito dela com isolacionismo e nacionalismo como ideologias-chave — se globalizou.
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"Há um relacionamento realmente paradoxal nesses movimentos ultranacionalistas começando a agir internacionalmente e globalizar suas ideais antiglobalistas", disse Julia Ebner, uma das autoras do estudo, à VICE. "Acho isso bastante irônico."Pode ser irônico, mas não é algo para ser considerado levianamente.A pesquisa foi baseada em três estudos de caso: a campanha Defend Europe, o protesto em Charlottesville e as eleições na Alemanha. Ele se foca, mas não se limita, na alt-right, neonazis, o movimento identitário (europeus etno-nacionalistas que querem preservar a cultura e a identidade europeia) e ações contra-jihadistas. Julia Ebner e Jacob Davey, autores do estudo, analisaram mais 5 mil trechos de conteúdo de mais de 50 canais de comunicação, incluindo Twitter, 4chan e canais da extrema-direita."Havia uma necessidade de começar a entender o que está causando essa explosão de ativismo de extrema-direita globalmente", Davey disse a VICE. "É preciso começar a juntar dados por trás de tudo isso e ver que mecanismos estão permitindo que isso aconteça."Eles não são todos idiotas… A grande coisa aqui é que eles estão cada vez mais sofisticados. É um crescimento e expansão contínuos, e se você observar de perto, eles estão constantemente aprendendo uns com os outros. Eles estão mais conscientes de que podem ter um grande impacto."A extrema-direita tem vários objetivos — a eleição de líderes populistas, remoção de leis sobre discurso de ódio, entre outros —, mas um dos maiores objetivos compartilhado por esses grupos é pressionar pelo que é conhecido como "janela de Overton". A janela de Overton é uma gama de ideias que são aceitáveis no discurso público e a extrema-direita gostaria que mais de suas ideias marginais caíssem nessa janela.
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A globalização não se limita à atividade online. Vários desses grupos, o mais proeminente sendo o movimento identitário na Europa, estão se expandido no mundo real. Os identitários recentemente se encontraram para abrir uma ramificação britânica, que poderia funcionar como uma ponte entre norte-americanos e europeus. Ebner disse à VICE que o grupo tentou abrir um ramo no Canadá, mas a ideia não colou. No entanto, como temos visto com o surgimento de grupos de patrulha anti-imigração como os Soldados de Odin, grupos obcecados com segurança de fronteiras como o Storm Alliance, e milícias que se descrevem como anti-Islã como III% Canada, a extrema-direita também está florescendo no hemisfério norte.Na pesquisa deles, a dupla encontrou um ecossistema sofisticado que está apto para recrutar, fazer propaganda e mobilizar. Utilizando uma variedade de plataformas de redes sociais, a extrema-direita é cada vez mais capaz de traduzir suas atividades online para dinheiro real. Mais de US$200 mil foram levantados em várias plataformas online pelo Defend Europe — uma missão contra refugiados dos identitários no Mediterrâneo — e as doações vieram do mundo todo, não só de países onde os identitários existem.
O estudo pinta um retrato sombrio de quão sofisticada a extrema-direita se tornou, e os autores sugerem que o movimento está um passo à frente de políticas criadas para contê-lo. Segundo a dupla, "análises ilustraram que a extrema-direita atualmente está na frente em pelo menos três níveis:" eles são 'early adopters' de tecnologia, sabem como trabalhar juntos e sabem como falar com os jovens. Além disso, vários grupos da direita estão ensinando e aprendendo uns com os outros.
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"O que estamos vendo, especialmente da coalizão construída entre identitários europeus e norte-americanos, é que eles estão tentando se aproveitar dessas vantagens comparativas que cada um tem", disse Ebner. "Os norte-americanos têm vantagem na trolagem e [nas atividades online] e os europeus têm uma base mais intelectual para seu movimento, mas também mais experiência em golpes publicitários e comícios."Segundo o estudo, a extrema-direita está recrutando através de canais mainstream na internet, não apenas em lugares como o 4chan. Usando porta-vozes como Richard Spencer e organizações mais "palatáveis", o movimento extremo consegue "penetrar novos públicos" que normalmente sentiriam repulsa pela direita underground. Eles estão cada vez mais visando os "normies" da Geração Z para radicalização, agindo como parte da contracultura pressionando para uma hegemonia progressiva."O recrutamento da juventude vem como uma gamificação de suas campanhas de informação, o modo como você pode se envolver, o modo como você pode se tornar um ativista online", disse Davey. "É usar a cultura da internet como arma, uma guerra memética, o flerte inteligente com as margens da internet, esse cruzamento com a cultura gamer."Um dos estudos de caso dos pesquisadores — a marcha Unite the Right em Charlottesville em agosto, onde a contramanifestante Heather Heyer morreu atropelada por um carro dirigido por um nacionalista branco — se tornou uma evidência gritante da existência da extrema-direita na América do Norte e da transição do reino online para atividades do mundo real. Ao analisar a comunicação em torno do evento, Ebner e Davey descobriram que a marcha fez a ponte entre vários grupos utilizando diferentes pontos de mensagem sobre o evento, cada um pensado para um público-alvo diferente. A análise do tráfego no Twitter em relação à hashtag #unitetheright mostrou as principais preocupações dos envolvidos: raça era a primeira, seguida por um sentimento anti-esquerda.
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O estudo de caso mais recente deles, a eleição alemã, teve como foco a tendência emergente da extrema-direita ao redor do mundo — a busca por tentar atrapalhar e impactar as eleições. Nas eleições da França, EUA e Alemanha, a extrema-direita mobilizou campanhas ativas com níveis variados de sucesso. Ebner e Davey escrevem em seu estudo que uma união coesa dos "exércitos trolls" europeus e norte-americanos colocaram duas das hashtags mais poderosas no Twitter dias antes da eleição alemã.O estudo diz que grupos europeus "trocaram know-how com a alt-right norte-americana" e que "a extrema-direita direita declarou uma 'Infokrieg' ('guerra de informação'), mobilizando uma variedade de fóruns e aplicativos com criptografia". Essa é uma tendência que Davey acredita que deve continuar."O que precisa ter mais atenção no futuro são as tentativas de atrapalhar o processo democrático", disse Davey. "Eles trabalharam nisso nas eleições francesas, norte-americanas e alemãs com diferentes graus de sucesso. Eles estão tentando continuar isso, então temos que estar conscientes desse lobby subversivo."Um dos apontamentos mais perturbadores do estudo descobriu que "as técnicas sofisticadas e coordenadas de intromissão na mídia e artigos de opinião da extrema-direita se baseiam em guias militares como os documentos vazados da GCHQ e de comunicação estratégica da OTAN"."Um dos elementos mais surpreendentes foi o grau em que eles usaram os documentos militares do governo contra seu próprio governo e contra seus processos e estruturas democráticos", disse Ebner. "Acho isso assustador, eles tiveram acesso a esses documentos e conseguiram implementá-los de maneira muito hábil."
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O relatório do ISD afirma que é "imperativo que contra-estratégias sejam desenvolvidas para responder à sofisticação da extrema-direita em níveis tecnológico, cultural e de comunicação". Eles recomendam mais pesquisa, programas de inclusão digital e uma coalizão internacional para enfrentar os esforços de ódio. Ebner e Davey não listaram cada recomendação que fazem, em vez disso pedem que legisladores entrem em contato direto com eles para tentar achar um meio de ultrapassar a extrema-direita.E mesmo parecendo que a extrema-direita está vencendo a batalha no mundo online, Ebner diz que nem tudo está perdido.PUBLICIDADE"Acho que essa coalizão oportunista de ideologias é um dos sinais mais preocupantes, porque permite que eles tornem suas ideologias mainstream, mas pode ser uma das melhores chances de abordar e expôr todas as diferenças entre eles. E para expôr o que eles estão escondendo por trás de seu rosto nas redes sociais, qual é realmente sua crença interna."Siga o Mack no Twitter.