Opinião

Portugal: O “mordomo” europeu a quem os poderosos fazem orelhas moucas

Costa teceu duras críticas à escassa solidariedade da União Europeia com os que mais têm sofrido o flagelo da Covid-19. No entanto, é sabido que lá fora são poucos os que ligam ao que as nossas figuras políticas dizem.
z6-shoji-butler-interview-a-20140214
“Queres um coronabond com mais ou menos unanimidade?” (Legenda fictícia do filme The Butler, de 2013. Imagem recortada/Cortesia The Weinstein Company).

Com a tragédia que se abateu no planeta por causa do novo Coronavírus, fica evidente no seio da União Europeia a solidariedade que esta não tem (ou revela não querer ter) em situações periclitantes como esta. A Itália que o diga, ao ser acudida por chineses, russos e cubanos. A ajuda germânica só chegou há dias

Indignado com os resultados do último Conselho Europeu - em que não houve unanimidade relativamente aos “Coronabonds” e, assim, os mais atingidos podem não ter armas financeiras para lutar contra o flagelo que dele resulta -, António Costa utilizou a expressão “repugnante” para criticar a falta de cooperação por parte de alguns países. O principal alvo do ataque foi a Holanda que, na opinião de Ana Gomes, segue “a voz do dono” (entenda-se a agenda de Berlim).

Publicidade

O primeiro-ministro pode ter a razão do seu lado, mas há uma velha questão que me assalta cada vez que um político português pretende fazer um statement para impressionar ou mandar uns recados aos ricos. Haverá alguém que ligue ao que explanamos no campo diplomático? Ou isso só acontece quando os outros têm algo a ganhar? É que são raros os almoços grátis que o são realmente…

Vê alguns exemplos de como os representantes portugueses são “mordomos” ao serviço de "gigantes" (até os de média dimensão), mesmo quando colocados em lugares de enorme relevo.

DURÃO BARROSO: Quando Bush e Blair utilizaram os Açores para justificar a invasão do Iraque, tiveram a presumível candura do chefe do executivo luso. No ano seguinte (2004), Barroso é nomeado para líder da Comissão Europeia e, desde que terminou o mandato, preside ao Banco Goldman Sachs International. Será isto a alta-roda da compensação?

MÁRIO CENTENO: Ao ser nomeado para o topo do Eurogrupo, o comentador Lobo Xavier e conhecedor de como estas coisas funcionam, descreveu-o como “presidente de porra nenhuma”. Bingo.

COSTA e AUGUSTO SANTOS SILVA: O Processo Fizz que envolvia um “peixe graúdo” angolano fez o governo irritar-se, comer e calar. A sobremesa azeda foi servida com o Luanda Leaks.

ANTÓNIO GUTERRES: O presidente das Nações Unidas sabe que o seu poder é bastante condicionado pelos EUA. O melhor é seguir as principais in$truções e fazer pouco alarido. (sinceramente, Guterres deve preferir os dislates de Trump do que regressar ao pântano que o fez abandonar a política nacional)

Publicidade

CAVACO e PASSOS COELHO: Em 2014, o PR e o PM tiveram que aceitar a suposta imposição de Angola e do Brasil para a entrada sem nexo da Guiné Equatorial na CPLP. De novo, a nossa influência foi ilusória.

António Costa pode estrebuchar, fazer a pirueta e até um dia ter uma praça em Espanha com o seu nome - por ter defendido os nuestros hermanos depois do ministro das finanças holandês, Wopke Hoekstra, sugerir uma investigação às suas contas orçamentais -, mas terá sempre manobra limitada para influenciar o que quer que seja. Não só por fazer parte de um país periférico que está financeiramente endividado, como devido à regra básica do jogo do poder: manda quem pode.

Há uma Europa a duas ou três velocidades, com nações que olham para certos países como pedintes irresponsáveis e outras que sentem que não estamos no mesmo barco quando há calamidades imprevisíveis. No púlpito, na maior parte das vezes, a Alemanha desbloqueia ou impede o que for mais conveniente para si.

Se não houver consenso que seja do agrado de todos na emissão da dívida comum, será este o início do fim da União Europeia? É improvável que tal aconteça, porém, no dia em que existir uma implosão da UE, tenho quase a certeza de quem vai sair mais prejudicado.

Nota final: É preferível que haja europeus a falarem de tolices como a questão dos "copos e mulheres” do que lembrarem a corrupção que grassa em alguns locais. Caso de Portugal? Nahhh… Entre portas, estamos cheios de “pobres provincianos” de uma “honestidade infalível”. LOL


Segue a VICE Portugal no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Vê mais vídeos, documentários e reportagens em VICE VÍDEO.