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Música

‘Jagged Little Pill’, da Alanis Morissette, me Ensinou Tudo Sobre o que É Ser Mulher

O disco que resume tudo que as mulheres não eram encorajadas a ser completa 20 anos.
Emma Garland
London, GB

Eu tinha só seis anos de idade quando Alanis Morissette lançou Jagged Little Pill, que completa 20 anos nesta semana, então eu choveria no molhado se começasse a falar sobre o que isso significava no contexto do panorama sócio-político de 1995. Mas este foi um disco que ultrapassou os anos 90 e voltou à minha vida de forma mais consciente aos meus 13 anos. Já que o único tipo de música que eu consumia na época era um coquetel de pop punk, metal e Nirvana com avisos de conteúdo explícito nas capas dos discos, o fato de que uma cantora-compositora que ficava de boas ao lado de David Gray e The Lighthouse Family na coleção de CDs da mamãe também vivia no meu Discman diz algo muito mais profundo que apenas ser uma boa artista.

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Jagged Little Pill foi indicado a nove Grammys em 1996, dos quais abocanhou cinco. Aos 21 anos, Morissette era a mais jovem artista da história a ganhar o prêmio de Disco do Ano – recorde que deteve por 14 anos até 2010, quando Taylor Swift o tomou com o lançamento de Fearless aos 20 aninhos. O disco solidificou Morissette como figura cult e essencial à cultura pop, combinação que chegou ao seu ápice quando ela interpretou Deus em Dogma, de Kevin Smith.

20 anos depois, Jagged Little Pill ainda se nega a virar uma relíquia. No ano passado, o disco voltou às paradas após integrar grande parte da trilha de The Trip, de Steve Coogan e Rob Brydon. E por mais que isso diga bastante sobre a grandeza do álbum, seus méritos vão além de dois homens de meia-idade cantando “You Ought To Know” a plenos pulmões enquanto dirigem pela costa de Amalfi em um Mini.

Continua…

O disco é o reflexo de uma jovem que recusa a comprometer-se. É duro, suave, vulgar, pensativo, engraçado, ressentido, seguro de si, e acima de tudo, é emocionalmente complexo, algo que não encorajam as mulheres a serem.

Este disco foi capaz de se conectar a diversas gerações femininas, de adolescentes a mães em igual medida. O exemplo mais recente de estrela pop conseguindo atingir o mesmo apelo é Adele com seu 21, possivelmente pelos mesmos motivos. O sucesso de anos de Jagged Little Pill foi possível não só por conta da força de suas canções, mas por conta de sua perspectiva. Ele soa como um diário não-editado de uma jovem lidando com as armadilhas da vida adulta pela primeira vez, desdobrando-se em tempo real o máximo possível para um disco gravado de forma profissional lançado por uma grande gravadora. “Perfect” – uma das faixas mais leves do disco, sobre expectativas de pais – foi composta e gravada em 20 minutos, o que dá uma boa noção de como o disco se apresenta: honesto, volátil e sem cortes.

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Este conjunto de 12 faixas de energia hormonal é quase desconfortável em sua franqueza, ainda assim deleitando-se em suas contradições. Morissette é inequivocamente humana e Jagged Little Pill é um diário de erros: coisas que não aceitam que as mulheres façam ou sejam, independente de idade. Em vez de se recusar a aparar suas arestas para se encaixar em um lugar, ela as destaca. O disco é cheio de raiva, inveja, tristeza, frustação sexual, amargura, vergonha, arrependimentos e exigências. Essencialmente, representa todo o espectro de emoções que passo em uma hora ao menstruar. Mas ao flutuar entre prazer e dor, confiança e confusão de forma mais dramática que alguém exposto ao BDSM pela primeira vez, o disco inverte o sentido de “complicado” enquanto qualidade negativa usada para rebaixar as mulheres.

Em um texto do NME publicado no ano passado, Lucy Jones disse que Jagged Little Pill “legitimizou sentimentos e descartou a vergonha”. Claro que assim como a maioria das coisas, os sentimentos de Morissette vinham de experiências reais e eu ainda cometeria os mesmos erros apesar de ter ouvido ela cantar sobre eles bem antes. Meu eu de 13 anos talvez tenha se divertido bastante com a rebeldia de poder cantar coisas como “You took me out to wine dine, sixty-nined me, but didn’t hear a damn word I said,” [Você me levou pra tomar um vinho e jantar, fez um 69 comigo, mas não ouviu nada do que eu disse] no carro sem que me mandassem ficar calada, mas as mensagens implícitas nestas letras cruamente compiladas não ficariam claras até alguns anos depois, após começar a abusar recreativamente de tais atividades e fazer minha própria lista de babacas que “olhariam pro meu rabo por um tempão e então iriam jogar golfe”.

Ainda assim, para minhas amigas e eu, Jagged Little Pill teve um papel essencial no melodrama de nossa passagem para a puberdade. Ficava bem ali, junto com os absorventes, longas conversas ao telefone sobre aquela paixonite e comprar um livro sobre Wicca e então passar cada noite dormindo na casa de uma amiga tentando invocar o fantasma de Kurt Cobain para que pudéssemos acariciá-lo em turnos. É, a temática estava meio distante da nossa realidade, mas não deixava de ser uma versão mais madura do que já havíamos vivido. Fosse ser chamada de “frígida” por moleques que ainda nem tinham pelos púbicos, ser encorajada a jogar netball e não basquete, ou alterarmos nossos uniformes para que “chamassem menos atenção”, a hipocrisia sexista e com base em gêneros existia tanto quanto o MSN Messenger e jeans de cintura baixa. Mesmo que não estivéssemos prontas para entender as declarações pró-feminismo de Morissette, sua voz fazia sentido porque vinha de uma geração que admirávamos. Ela não estava quebrando baterias, mas era tão raivosa quanto o Linkin Park e tão emocional quanto o Taking Back Sunday.

Ao revisitar o disco hoje, posso apreciá-lo com todas as minhas experiências com sexo e namoros, sabendo que o mundo não passa de um cuzão gigantesco. As músicas continuam boas (seis sucessos em um disco de doze faixas não mentem) apesar de tudo soar tão noventista que ao chegar ao final você estará usando uma camisa de flanela. Na maior parte do tempo, porém, só me lembra como era ser adolescente, acampar com minhas três melhores amigas e me chamarem a atenção por gritar as músicas às 3 da manhã quando deveríamos estar “nos comportando”.

Em retrospecto, há uma certa beleza cinematográfica em um monte de meninas de 13 e 14 anos cantando “You Learn” prestes a cometerem (mas sem terem cometido) quaisquer erros de verdade elas mesmas.

Tradução: Thiago “Índio” Silva