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Música

Zine é Compromisso: Os Zines do Nenê Altro

Rememoramos em detalhes toda a jornada fanzineira de um dos caras mais produtivos e articulados que o punk nacional já conheceu, do tosco Zine Revolta ao elaborado Antimídia.

A primeira vez que troquei ideia com o Nenê Altro foi em 1996, na Galeria do Rock, quando o straight edge ainda era uma coisa nebulosa para mim. Eu o reconheci como o vocalista do Personal Choice e fui lá me apresentar e fazer umas perguntas. Não sei por que, mas nessa época eu achava normal cutucar qualquer pessoa que me parecesse minimamente curiosa ou interessante e fazer perguntas. Fosse quem fosse. De certa forma eu ainda faço isso, a diferença é que agora tudo vira pauta. Enfim, o Nenê foi super receptivo, conversamos sobre punk, veganismo e anarquia por algumas horas, ele me disse que eu tinha que escutar o Newspeak, me descolou o EP Raise Your Head, do Personal, e uma cópia do zine que ele fazia na época, o Relief.

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O Relief era um zine político, pessoal e totalmente influenciado pela mídia independente que surgia lá fora, com publicações como Heartattack e Anti-Matter. Durou até o fim do Personal Choice, naquele mesmo ano. Depois disso ele ficou um tempo sem fazer zines e só voltou na virada de 1997 pra 98, quando saiu o número zero de sua mais bem acabada e longeva investida, o Antimídia, lançado durante a turnê do disco de estreia do Dance of Days, o Six First Hits. Hoje o Antimídia é um jornal, mas a edição de estreia à qual me refiro era um fanzine em xerox ofício, que trazia como destaque uma entrevista com o Ação Direta.

Entre 1998 e 99, o Dance of Days deu uma miada, na sequência o Nenê deixou o emprego que tinha e voltou suas energias para a concepção do Antimídia no formato que conhecemos, seguindo uma linha tipo Love & Rage / Slug And Lettuce. O primeiro número saiu em 2000. Mas antes de toda essa saga, o Nenê já tinha uma puta vivência de militância no underground paulista, tendo editado outros zines entre os quais destaca-se o mítico Bigorn@!, que servia de plataforma para as ideias do coletivo Juventude Libertária. Nesta entrevista, passamos a limpo em detalhes toda a jornada fanzineira de um dos caras mais produtivos e articulados que o punk nacional já conheceu:

Noisey: Dá pra fazer tipo um resumo geral das publicações que você produziu antes dessa fase, até o primeiro número do Antimídia, para que o leitor possa ter um panorama da sua trajetória toda como zineiro? Quantos títulos diferentes você já produziu e a que tipo de assunto cada um deles era ou é dedicado?
Nenê Altro: Nos anos 80 existia toda aquela atmosfera participativa no movimento punk, tipo, você assistia ao show de uma banda e já queria montar a sua, você via um lance visual em alguém e tentava fazer o seu de alguma forma, e não era diferente com os zines. Praticamente todo mundo que eu conhecia tinha um zine, seja de poemas, política, música, quadrinhos. Os zines eram os blogs da época, todo mundo desabafava por ali, então sua popularidade era enorme. Meu primeiro zine data de 1986, eu tinha 14 anos, estava descobrindo o movimento punk e o mais importante para mim era o “fazer alguma coisa”, que parecia ser um requisito para fazer parte, e isso era algo que eu queria muito. Então eu acabei indo a um festival punk em São Paulo e peguei um zine mais político, anarquista, chamado Ação Direta. Aquilo detonou minha cabeça, pois devido à minha formação familiar, a política fez parte do meu crescimento, e finalmente senti a possibilidade da junção das duas coisas. O punk, que era algo que me deixava eufórico, e a política, que, principalmente nessa idade, me fazia falar incansavelmente por horas.

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Então fiz meu primeiro zine, numa Lettera 82 da Olivetti, recortando, colando e fazendo montagens. Escrevi para as bandas que tinham endereços nos zines e discos que eu tinha em casa e a cada carta-resposta que chegava eu ficava mais e mais empolgado. O zine teve uma tiragem curta, se chamou Zine Revolta, e distribuí basicamente na escola e entre a cena punk de Guarulhos, que era a cidade onde eu morava na época. Então comecei a me enturmar mais com a galera que fazia fanzines, a trocar mais e mais correspondências, e assim surgiu meu primeiro zine mais estético, o Auto-Didata, com o qual já tive a primeira noção de tiragem e distribuição. Tirava 500 cópias de cada número, montava as páginas (geralmente eram duas ou três folhas ofício dobradas ao meio), pegava minha lista de endereços e dividia em 10 ou 5 exemplares que mandava pra cada contato. E desses contatos mais pessoas escreviam e minha lista crescia.

O Auto-Didata me levou ao Centro de Cultura Social no Brás, isso já em 1988. Ali eu tive toda minha formação política desenvolvida, esclarecida, estruturada e cravada em princípios tão verdadeiros que me acompanham até hoje. Jaime Cuberos sentava ao meu lado e dizia “eu também sou autodidata…”. Poxa, eu tinha 16 anos sabe, falava de anarquismo entre os punks, mas nenhum adulto me dava ouvidos, então encontrar anarquistas mais velhos e que ainda me davam atenção foi algo fundamental em minha vida. Ali no CCS duas coisas foram fundamentais em minha trajetória: conhecer a galera que era o embrião do que viria a ser o movimento anarco-punk de São Paulo e a turma que formava a Juventude Libertária do movimento pró-COB. Com isso o Auto-Didata acabou e se tornou Rosa Negra. Seguiu basicamente o mesmo esquema de distribuição via correio do anterior, mas abusava muito mais da estética punk no paste up, palavras em diferentes fontes e formatos, montagens com fotos de jornais, e a tiragem subiu para 1.000 exemplares. Tinha o zine e também uns manifestos que eu assinava em nome do zine, então o Rosa Negra acabou sendo visto como um “coletivo de um homem só”.

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Com os passar dos anos rolaram minhas dissidências tanto no meio anarco-punk quanto no meio anarco-sindicalista, então passei a fazer a maior parte das coisas sozinho ou com uns poucos amigos quando precisava ir às ruas. Em uma dessas intervenções, já em 1991, fiz um zine chamado A Folha Da Fossa, e distribuí na frente do Teatro Municipal em São Paulo. Nesse dia conheci um pessoal que tinha um grupo chamado Ação Anti-Conformista, um zine chamado A Intifada, e acabei me identificando muito, principalmente com as posturas que eles tinham frente ao movimento punk e à cena hardcore que começava a nascer. Bom, vou resumir um pouco e tentar focar mais pelo lado zineiro que político, ok? Junto dessa galera eu fundei a Juventude Libertária de São Paulo, abri mão do Rosa Negra e fiz um boletim do grupo chamado Bigorn@!, que usou a minha própria base de contatos para começar já com uma grande distribuição via correio. O Bigorn@! era mensal e falava de todas as atividades do grupo, mas (como disse, vou falar pela ótica de zineiro, não política), no meu coração ainda era o Rosa Negra, ainda era o MEU zine, então, mais ou menos lá pra décima edição, quando o grupo começou a se posicionar querendo maior participação na publicação (o que obviamente era justo, pois falava em nome de todos) eu senti o zine “tomado” de mim e comecei a desencanar e a fazer outras publicações. Nisso surgiu o Atitude Pessoal Zine e, alguns anos depois, o Relief, que foi quando você me conheceu.

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Você acha que faz sentido pontuar as diferentes fases da sua vivência no meio independente por meio do perfil de cada zine que já editou?
Os zines refletem o meu desenvolvimento como pessoa. Eu me sinto evoluindo constantemente, e é claro que sou cheio de orgulhos e arrependimentos frente às coisas que já fiz, mas às vezes pego uma entrevista de 2010, por exemplo, e penso “nossa, como eu mudei de lá pra cá!”. E não penso isso de uma forma ruim, mas de uma forma boa, me sentindo sempre melhor. O zine em minha vida acompanhou tudo isso, toda minha evolução como indivíduo. Principalmente os zines pessoais eram diários e desabafos muito íntimos, que você se sentia bem em dividir com pessoas desconhecidas que pegavam o zine nas ruas ou que recebiam pelo correio, e mesmo que não fizesse sentido pra elas você se sentia bem em colocar pra fora e falar tudo aquilo “para o mundo”. E isso vinte anos antes da internet pegar e de surgirem os blogs. Mas, pontuando as coisas produzidas durante minha trajetória eu marcaria:

1.O Auto-Didata/Rosa Negra de 1988 como meu início na publicação de fanzines;

2.A Riot Records, que lançou só o Raise Your Head, do Personal Choice, em 1993 (em Split com a Elephant) e acabou, mas que foi meu primeiro lançamento como gravadora, fora das demotapes caseiras (e que gerou a Teenager In a Box Records, em 1996), como meu início nos selos independentes.

3.O Jornal Antimidia, em 2000, que surgiu em paralelo ao meu início na organização de eventos independentes, como o Rock Em Sampa, em 2002 (que foi o embrião do Antifest) ou as turnês do Tilt (2001) e Avail (2002), sendo o marco de meu início como editor de um jornal alternativo de grande circulação e promotor de eventos independentes.

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Os fanzines de música te fizeram conseguir contatar ou entrevistar bandas e pessoas que têm um importante significado para a sua formação dentro da expressão contracultural e alternativa? Queria te pedir para fazer tipo um top 5, ou top 10, de matérias e artigos que você publicou nesse tempo todo e de que mais se orgulha de ter concretizado.
Bom, creio que todas sejam do Jornal Antimídia, que fez uma grande retrospectiva da cena punk nos primeiros anos, mas vou focar no que foi mais importante pra mim (não necessariamente nessa ordem), ok?

1. Minha entrevista com Dave Dictor do MDC, sentado ao lado da Tribehouse em São Paulo, com ele absurdamente frustrado pela tour não ter dado certo e, ainda assim, conseguirmos rir juntos e falar de política por horas. O Millions Of Dead Cops foi uma banda fundamental em minha vida e estar ali naquele momento foi algo inesquecível.

2. Minha primeira entrevista com o Cólera. Entrevistei a banda duas vezes, mas a primeira foi muito especial, Redson falando por horas, empolgado, depois eu levei noites pra transcrever as duas fitas inteiras que gastei gravando tudo, emocionado por tudo que a banda significou pra mim desde moleque.

3. Ter entrevistado para o Antimídia e organizado a tour do Avail no Brasil com o Dance of Days. Aquilo tudo foi uma aula de punk-hardcore. As longas conversas com Tim Barry em todos aqueles dias e principalmente a maneira como eles organizavam as tours e faziam a coisa acontecer me influenciou totalmente dali em diante.

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4. Ter lançado o At The Drive-in na coletânea The Fire Beneath The Machine em 1999 e, como as coisas demoravam muito na época, Omar ter me ajudado com a entrevista no Antimídia dizendo “Olha, o ATDI acabou, mas você vai ser uma das primeiras pessoas a ter uma entrevista da nossa banda nova, o Mars Volta”. Sem palavras.

5. Mao, ex-Garotos Podres, dando entrevista embriagado no backstage da festa do A Vez Do Brasil, da 89FM, em 2003, e me respondendo tudo que eu sempre quis saber. Falamos sobre socialismo, sobre o racha do PT com a Convergência Socialista, sobre visões de sociedade, e ele lançou a máxima que foi pra capa do jornal: “Eu sou comunista e quero que se foda”. A entrevista que fiz foi primeiro pra revista Dynamite, e depois publiquei no jornal.

6. Resposta da carta e da entrevista do Chamberlain (ex-Split Lip), banda fundamental para que existisse o Dance of Days. O David Moore foi hiper atencioso, mandou muitas coisas na carta, tudo aquilo foi realmente importante pra mim.

7. Rob Pennignton (Endpoint/By The Grace Of God) me respondendo a entrevista com sua nova banda Black God. Depois disso, passei a ter contato com ele e Duncan Barlow, meus ídolos nos anos 90, e isso sim foi surreal! Definitivamente uma das bandas que mais me fez querer ter uma banda na época, que influenciou tanto o Personal Choice quanto o Dance of Days.

8. Henry Rollins. Não acho que a entrevista tenha sido muito boa pela fase da vida que eu atravessava e como estava levando as coisas no jornal, nem muito completa, pois ele não queria falar muito, mas só de ter esse contato com o vocalista que marcou o Black Flag em minha vida já foi algo mais que importante em minha história e que me fez pensar, alguns anos depois, quando passou por minha cabeça abandonar tudo.

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9. A entrevista traduzida Limp Wrist, publicada originalmente na MRR, que lancei e que me rendeu uma ameaça de morte (sério) após o show do Sick Terror no festival A Um Passo Do Fim Do Mundo. É claro que ninguém ia fazer nada comigo ali (nem depois, pra falar a verdade), mas só o fato da controvérsia ter sido gerada por conta de uma entrevista com uma banda hardcore homossexual me fez mais convicto ainda de que estava politicamente no caminho certo e da importância do jornal nesse sentido.

10. Ter nas páginas entrevistas, mesmo que curtas, com bandas e pessoas que eu gostava muito como Q and Not U, Les Savy Fav, falar com Justin Pearson sobre o The Locust, entre outras coisas, nada disso teria feito parte de minha vida sem o Jornal Antimídia.

Você tem um inegável talento para a escrita, o desenvolvimento de pautas, a apuração de matérias, a correria para descolar patrocínio, anúncios, a elaboração de layouts, a distribuição e promoção das publicações, enfim… dominando todas as etapas e processos da produção de uma revista. Daí eu fico pensando: nunca te passou pela cabeça o lance de rumar para o jornalismo “convencional”, tipo, fazer carreira como publisher mesmo ou editor de uma grande editora, por exemplo? Por que essa escolha de permanecer na independência?
Sim, passa, e na verdade eu acho que por eu ser tão produtivo e fazer tudo eu mesmo sem esperar ninguém e com um grande alcance em meus projetos, as pessoas acabam pensando que eu não quero participar de outras coisas, mas eu quero, só nunca tive oportunidade. Muitas entrevistas que fiz foram para revistas como Dynamite e Rock Press na época, mas nunca passou disso. Eu lanço meu jornal, nunca com menos de 5.000 exemplares, pois é assim que eu sou, gosto de fazer isso, gosto de escrever, gosto de espalhar minhas ideias e pontos de vista. A mesma coisa com meus livros, eu escrevo, quero lançar quando ficam prontos e lanço eu mesmo porque não me vejo batendo de porta em porta e esperando, pois tudo que escrevo, por carregar muito de mim, é muito temporal. E a urgência é algo que faz parte de minha personalidade.

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Mas, poxa, claro que eu queria ter meus livros em livrarias, viver sem ter que fazer toda a correria, da venda e da distribuição, só escrevendo. E claro que eu gostaria de escrever e participar de outras publicações, mas o fato que foi positivo e fundamental em minha carreira como artista, de ter corrido da faculdade e me dedicado em tempo integral à escrita e à música, por outro lado acabou me fechando muitas portas no meio “convencional”. Não me arrependo, fiz o que tinha que fazer e isso me trouxe até onde estou, à minha carreira como músico, escritor e editor independente. Mas quem sabe né, tenho 42 anos ainda, quem sabe eu encare um curso aí um dia desses em qualquer “unipastelaria de diplomas da vida, já que isso conta mais que toda uma história de conquistas. Fazer o quê?

Quais foram os zines ou revistas de música que influenciaram, ou influenciam, o perfil editorial dos seus projetos? Digo, tanto na linguagem como no conteúdo e na apresentação visual, há alguns títulos que você sempre tomou como base?
Sim, posso citar alguns. A revista Maximum Rocknroll, o jornal Love & Rage, dos anarquistas norte-americanos do início dos anos 90, o fanzine Heartattack de Kent McClard, o fanzine Slug & Lettuce de Nova York, e tudo de maravilhoso que eu recebia na época, do mundo inteiro, xerocado e espalhado em preto e branco.

Quais são os fanzines/publicações, entre as coisas que você já realizou, que você consideraria mais bem-sucedidos? Aí o critério de avaliação fica por sua conta: alcance, acabamento, qualidade das pautas, contatos que foram feitos, momentos marcantes da sua vida que foram expressos naquelas páginas…
Com o Bigorn@! nos anos 90 eu tive muito alcance (dentro do que era comum na época), mas era muito imaturo para lidar tanto com dividir as coisas quanto com trabalhar em grupo. Óbvio que não deu certo. Mas, uma década depois, eu já tinha em mente tudo o que eu queria e idealizei, projetei e realizei o Jornal Antimídia. Fora a minha maturidade (que ainda engatinhava, mas já estava bem melhor que no início dos anos 90), toda estética, o conteúdo, a informação espalhada, tinha um peso e um alcance bem maior. E é tão bem sucedido que acompanhou todo meu desenvolvimento tanto editorial como pessoal e está aí até hoje.

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O Antimídia é a publicação que chegou mais longe em termos de número de páginas e tiragem?
O Jornal Antimidia teve 23 edições, sendo que a tiragem padrão foi de 5.000 exemplares (em algumas rodamos 3.000 e até chegamos a 10.000 em uma época, mas isso foi um exagero, tanto que pela quantidade que sobrava só fiz isso umas duas ou três vezes). Fazendo a conta pelo padrão, tive até agora 115.000 exemplares circulando, com distribuição gratuita e muita informação sobre a cena independente, política, cultura alternativa, música e etc.

No começo não tinha outro jeito senão fazer as paradas na base dos recortes e colagens, né? A partir de quando você começou a fazer as coisas no computador, usando programas de edição/diagramação?
Sim, comecei na máquina de escrever ou fazendo à mão mesmo. Depois eu segui a febre do final dos anos 80 e comecei a trabalhar como “operador de micro”. Quando comecei a trabalhar com um AT286 tive acesso a um programa de edição de jornais chamado News, e com ele fiz TUDO que pude na época, escondido durante meu horário de trabalho, tanto pra mim como para amigos. O News era sensacional, hoje é a coisa mais tosca do mundo, mas só o fato de poder escrever e corrigir na tela e não com borracha no papel já era fantástico. A única coisa é que não tinha acentos, pois era um programa em inglês, então daí vêm todos os zines que fiz e com os quais colaborei no período serem acentuados à mão [risos].

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Em sua opinião, qual foi a melhor época da produção fanzineira no Brasil? Existiu algo como os “anos dourados” dos fanzines de música por aqui?
Definitivamente os anos 90. Os 80 foram mágicos, tinha muita gente fazendo zine, envolvida com a cena punk e alternativa, mas penso que o que foi semeado ali estourou mesmo na década seguinte. Todo mundo tinha um zine! E era zine falando de tudo, desde música, política e quadrinhos a ensinando a fazer comida caseira ou cartas bomba (sério). A cultura de zines sobreviveu ao longo das décadas e sobrevive até hoje, veja o trabalho da Ugra Press, por exemplo. Mas a época “pop” do fanzine foi a de 90, sem dúvida alguma.

Se o meio é a mensagem, o que a plataforma impressa tem a oferecer para o contexto atual da distribuição de informação e divulgação de ideias? Quais as qualidades particulares desta plataforma que continuarão sendo insubstituíveis se comparadas ao modelo digital?
Eu sou romântico, mas sou realista. Por exemplo, eu distribuía o Jornal Antimídia em shows ou deixava nas lojas da Galeria pra galera pegar e, com o passar dos anos, cada vez mais fui vendo todo meu trabalho jogado pelo chão dos shows ou sendo usado para limpar vitrines. São raros os jovens que hoje se interessam por zines, apaixonados pela história dessa cultura ou querendo viver um pouco do que foi vivido nos anos que se foram antes da invasão digital. O fanzine hoje existe e resiste, sim, mas é algo que quem faz o faz por necessidade de espírito, de se sentir vivo e presente frente ao nascimento de mais e mais gerações que ganham tablets e celulares assim que aprendem a se comunicar. E há também a coisa do grupo, a mensagem na garrafa atirada ao mar dizendo “olha, eu também estou vivo”, que une as pessoas daquelas gerações e isso eu acho algo incrível. Estarmos aqui é incrível, acreditarmos é incrível, tanto que isso foi o tema de meu livro de 2013, Clandestino, que é a história de um “ex-fanzineiro” frustrado que não consegue se livrar do hábito das colagens e das referências de sua época.

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Não tem como qualificar isso e comparar com o modelo digital, pois é o mesmo que comparar sonhos com edifícios ou paixões com objetos. O fanzine se faz para quem sonha, para quem o enxerga e para quem ele existe. As novas gerações têm visão seletiva, formatada pelas coisas brilhantes, rápidas e tecnológicas, e para elas o fanzine, mesmo que bonito e novo, não existe, tanto que essa geração não lê a maioria das revistas de banca, por exemplo, prefere procurar no Google ou saber das coisas pela timeline do Facebook (e garanto que daqui a poucos anos essas referências que estou usando vão estar velhas e ultrapassadas). E olha que tem revistas muito boas por aí, com linguagens mais modernas, transgressoras, mas duvido que isso tudo não as atinja também da mesma maneira que atinge aos fanzines. Em síntese, a diferença é que o fanzine é o sonho que se segura nas mãos e um canal entre pessoas que têm uma ligação de espírito e não o “algo interessante” que some com um F5 ou quando a timeline corre enquanto você espirra.

Conheça as histórias e curiosidades dos outros zines da série:

Zine é Compromisso: Bruno Lancellotti, do Kaskata Zine

Zine é Compromisso: Arthur Dantas, do Velotrol

Zine é Compromisso: Eduardo Vomitorium, do Demência Zine

Zine é Compromisso: Revelações Abissais, 'O Arauto da Má Notícia'

Zine é Compromisso: Thiago Mello, do Broken Strings

Zine é Compromisso: Bento Araújo, do Poeira Zine

Zine é Compromisso: DJ Tonyy, do Enter The Shadows

Zine é Compromisso: Douglas Utescher, do "Life?"

Zine é Compromisso: Contravenção

Zine é Compromisso: Especial Tupanzine

Zine é Compromisso: midsummer madness

Zine é Compromisso: Escarro Napalm

Zine é Compromisso: Esquizofrenia

Zine é Compromisso: Márcio Sno, do “Aaah!!”