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Música

A última ceia do Lupe de Lupe

Depois de anunciar um hiato por tempo indeterminado, a banda indie mineira se despediu do público com um show messiânico em São Paulo.

Todas as fotos por Larissa Anne.

Por volta das 23h do último sábado (23), a região da Água Branca, em São Paulo, estava deserta. Contrariando a tradicional vida noturna metropolitana da cidade, não havia um estabelecimento aberto, seja comércio, serviços ou diversão. A rua vazia tão cedo me lembrava uma cidadezinha de interior. Só lá no fim da Guaicurus, consegui avistar alguns grupos de jovens devotos, reunidos na porta de um galpão grafitado como muriçocas na lâmpada de um poste. A expectativa era alta. Os grupinhos ali formados pareciam tentar adivinhar o setlist do show de despedida do Lupe de Lupe.

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No último dia 18 de janeiro, a banda mineira de som excelentemente torto nos surpreendeu anunciando um hiato por tempo indeterminado. Isso porque Vitor Brauer, talvez o líder do bando, acha meio chato continuar tocando as mesmas músicas. E ele tem se dedicado muito ao rock: “Eu conheço gente e quero tocar com eles e tal. Mas os caras [do Lupe] são mais ‘ah, quero assistir futebol’, eu também gosto de assistir [futebol], mas não consigo ficar parado”, me conta depois do show de despedida na Serralheria. Outra coisa que contribui para a pausa é que todo mundo anda muito atarefado: Renan está estudando em Pelotas, Gustavo vai ter filho, o Cícero está trabalhando em Uberlândia, e só Vitor quer continuar envolvido com música. “E não dá pra soltar um disco da Lupe só com músicas minhas”, pondera Brauer.

E apesar de ser a última comunhão da banda reunida, Vitor se mantém com pensamentos positivos: “De certa forma eles vão ser obrigados a fazer música nova, em breve, pra voltar a tocar e ganhar dinheiro”, diz. “Mas eles vão fazer no momento deles, eles só não estão no momento certo”. Ainda assim, o líder pondera: “O mais legal desse momento da banda é que eu sei que eu não vou fazer sucesso, mas sei que também não sou mais um ninguém, e eu tô satisfeito com a galera que me ouve”.

Com a ausência de Renan no time — o show foi organizado de última hora e ele não pôde largar os estudos de odontologia e vir a São Paulo a tempo — sobrou para o Fernando Dotta, do Single Parents, a função de assumir o baixo. Para Dotta, foi uma responsa: “O Renan é insubstituível e muito talentoso, ele é parte importante do que torna a ‘cara da banda’, então minha missão ali foi mais acompanhar os caras e manter a energia. Não ensaiamos juntos antes, foi na raça e foi especial”. Assim como o Hurtmold, o Ludovic e o Polara, o Single Parents é uma notória influência do pós-rock brasileiro para o Lupe.

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“Carnaval”, cujo clipe apareceu esses tempos aqui no Noisey, foi quem botou o bloco pra dentro do galpão quente e abafado do Serralheria. Talvez um dos últimos da cidade. Ouvi dizer que ganhava uma cerveja quem conseguisse cantar a letra inteira. Vitor saudou o público paulista com “SP – Pais Solteiros” e tocou a procissão com “Enquanto Penso no Futuro” e “Moreninha”.

como que alguém pode dar uma noite de sexo e uma pedra de crack prum muleque que mal sabe andar?

Um vídeo publicado por Lucas Panoni (@panonilucas) em Jan 24, 2016 às 12:15 PST

A distorção estridente da guitarra e o primeiro verso de “Minha Cidade Está em Ruínas” fez surgir as primeiras bolhas de ebulição na plateia. Mas antes que “17” pudesse dizer que morrer entre nossos amigos é a porra do paraíso, alguma treta se deu com a bateria e Cícero, o baterista, que teve que tocar “Pavimento” só com uma meia-lua. Mas foi bonito mesmo assim.

Nessa hora, fui arremetido por uma dúvida que me assola desde que ouvi a banda pela primeira vez. Muitos fãs me advertiram: Lupe de Lupe é uma banda que toca mal. Mas ouvi uma vez com meu pai, um roqueiro veterano, e ele discordou, dizendo que não é o estilo dele, mas os moleques mandam bem. Foi no pós-show que Vitor esclareceu: “O Lupe de Lupe toca mal porque todas as bandas tocam melhor que a gente. Eu queria ter o carisma que o Boogarins e o Cícero têm”, compara. “O nosso som é um negócio meio estranho, porque a gente não ensaia, é falta de técnica mesmo. A gente é meio minimalista, mas é maximalista ao mesmo tempo; queremos fazer pouca coisa, mas acabamos fazendo muita coisa; mas daí a gente vê que o que vale não é técnica, é sentimento mesmo”.

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Depois que Zelão consertou a bateria, “Fogo Fátuo” reacendeu a plateia, que explodiu com “Para Viver um Grande Amor”. Era a parte em que os emotivos arrancavam o coração pela garganta. Logo em seguida veio “Gaúcha” que, dado o não-comparecimento de Renan, foi puxada por Cícero, mas cantada em sua maioria pelo público, e só ficou mais apaixonada ainda.

“Há Algo de Podre no Estado de Minas Gerais” tocou no fundo da alma e “Eu Já Venci” chegou lavando. Pareceu realmente ser o último show de nossas vidas. Gustavo puxou a linda “Pequena” pela orelha e o show terminou com a declaração de amor sem gênero “Homem”. Pro bis, Vitor resolveu dar uma nova chance para “17” e todo mundo cantou junto os já tradicionais versos de “Travellin’ Man”, do Mos Def, do final da música, numa ladainha de tocar o coração. O show acabou como uma missa, quando todo mundo vai saindo, comprando pipoca, fazendo xixi, trocando ideia e pensando na vida.

Era meu dever moral e cívico entregar a Vitor um livro que achei no sebo do Subburbia, em Curitiba: Quarup, de Antônio Callado. Além de ter o mesmo nome do último disco do Lupe, o livro narra a vida de Nando, um jovem padre pernambucano que, após assumir a missão de catequizar índios no Alto do Xingu, começa a ter umas tretas existenciais relacionadas ao seu cotidiano, quando amor, loucura e fé se misturam e confundem sua cabeça imatura. Coincidência? Acho que não. Mas Vitor afirmou nunca ter lido tal romance.

Enfim, não vai dar nem tempo de sentir falta dos sermões messiânicos de Vitor Brauer porque, além da gangue do Xóô, formada por simpatizantes da geração perdida e demais subversivos, ele segue ocupando seu tempo com mais gravações, digamos, peculiares: “Semana que vem vou soltar um projeto com 52 músicas cover, de voz e violão. Vai ser tipo um mapeamento geral de todos os meus amigos”, adianta ele. “No primeiro CD tem uns sons mais pesados. No segundo CD tem Cícero, Carne Doce, músicas mais positivas por assim dizer. E no terceiro, com 20 músicas, vai ter só clássicos, desde Chico Buarque até Ludovic, Sepultura”.

Como disse São Tomé, quando Maria Madalena chegou anunciando que a tumba de Jesus Cristo estava vazia e ele, portanto, havia ressuscitado, “Vamos ver o que vem por aí, não dá pra saber ainda”.

Lucas Panoni segue catequizando almas perdidas do indie rock no Instagram

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