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Música

“Work” de Rihanna e a vida eterna do Dancehall em Toronto

O dancehall não morreu.

Este artigo foi publicado primeiramente no Noisey Canadá.

O Dancehall nunca morreu de fato, e “Work” da Rihanna é um baita argumento para a sua volta à ribalta no pop mainstream. A essa altura, provavelmente você já viu o clipe – ou melhor os dois clipes – de “Work”, ao lado do queridinho Drake. A surpresa dois-em-um veio na forma do clipe dirigido por Director X e em outra versão sob a batuta de Tim Eres; uma versão mais recatada do disco que colocou Riri e Drake bem juntinhos em um local com iluminação sugestiva.

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Após assistir ao clipe algumas vezes e dar uma sacada na minha timeline do Twitter, ficou óbvio que a primeira versão do clipe bateu forte em Toronto, no Canadá, de uma forma bastante específica. Após a música ser lançada e imagens das filmagens começarem a surgir, parecia o começo de um renascimento dancehall no mainstream. “Por favor que isso seja bom”, quase dava pra ouvir o desejo coletivo da timeline. O clipe começa com uma cena familiar para muitos de nós: um monte de gente entrando na balada, fugindo do frio rumo a temperaturas mais quente, boas vibes, menos roupas e o ritmo pulsante que ouvimos nos sons de nossos pais (ou dos pais de nossos amigos). Rihanna, de biquíni e uma rendinha por cima em meio ao vermelho, dourado e verde que associamos ao rastafarismo e ao Caribe em geral, dá uma requebrada só pra gente saber onde estamos nos metendo. Suor pinga e quadris se movem de maneiras que desafiam as leis da física, e um flash da cinta-liga de Rihanna com a bandeira de Barbados deixam claro que esse aqui é um lance das ilhas mesmo.

Quase que imediatamente foram traçados paralelos entre o primeiro clipe de “Work” e os icônicos vídeos de dancehall do começo dos anos 2000; a maioria citando “Gimme The Light” e “Get Busy” de Sean Paul com alguns manjões de Toronto encontrando semelhanças em “Ol’ Time Killin” de Kardinal Offishall. Estas comparações fazem todo o sentido quando se tem em mente que Director X, natural de Toronto, foi responsável por todos os clipes supracitados, com pais naturais de Trinidad e Tobago o ligando à cena que formou muito de seu trabalho. Além disso, não é a primeira vez que Rihanna dança com Toronto, ou com X; o clipe de seu single de estreia “Pon De Replay” também foi filmado em Toronto com intenções semelhantes em 2005. X colocou dançarinos e coreógrafos como Tanisha Scott e Ponytailz e crews como a Dainty Crime no meio da ressurgência dancehall do começo dos anos 2000. Criando boa parte dos clipes daquela época, juntando sets minimalistas coloridos com artistas de rua e estúdio dinâmicos que muitas vezes faziam sombra nas estrelas dos clipes em si. Também mostraram aos forasteiros as baladas em porões na madrugada e bailões de dancehall suados em que todas inibições ficavam na porta e manchas de jeans pelas paredes.

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A cultura caribenha é tão importante para a cultura de Toronto quanto o hóquei para a cultura canadense em geral, e sua hipervisibilidade tornou-a acessível para descendentes das ilhas quanto qualquer um que saiba como lidar com uma batida. “Work” soa tão familiar porque é o mais recente em uma longa linhagem de clipes que capturaram perfeitamente a vibrante cultura dancehall existente há décadas em nossa cidade. Das primeiras ondas de imigrantes das Índias Ocidentais no começo do século 20 ao influxo dos anos 60, vindo primariamente da Jamaica, Trinidad e Barbados, nosso som (e nossos sound systems) nunca ficaram para trás.

Em meio aos comentários de rostos familiares na rede, teve também muita nostalgia e rasgação de seda sobre como era a cena em Toronto em certa época. Por mais que baladas de dancehall não sejam difíceis de se encontrar pela cidade, eventos que tenham o gênero como atração principal viraram coisa de nicho; em grande parte chamando a atenção de quem frequenta tais festas exclusivamente. DJs versados da cidade sempre dão um jeito de participar não importa onde for, mas tudo está a anos-luz da era de ouro que rolou no final dos anos 90 e começo dos 2000.

A sonoridade do dancehall, junto do reggae e soca, eram indispensáveis por toda a cidade, dependendo do dia, com locais como o finado Guvernment, Phoenix e Epiphany sendo essenciais, mais semelhantes a experiências únicas na vida do que só uma balada. De Spragga Benz, Elephant Man e Tany Stephens a Buju Banton, Baby Cham, TOK e tantos mais, as linhas de baixo pulsantes da Jamaica e Caribe eram bem mais fáceis de serem encontradas. DJs como Ill Kidz, Baby Yu, Starting From Scratch e grupos como like Baby Blue Soundcrew eram alguns dos principais arquitetos do som da cidade na época, além de DJs e equipes norte-americanas e jamaicanas como Tony Matterhorn, Black Chiney, e Stone Love, que passavam pela cidade uma vez ao mês.

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Alguns apontam uma mudança na sonoridade em si — a falta de artistas memoráveis e da produção de outrora. Outros citam a tendência canadense em seguir as tendências norte-americanas, logo adotando os sons do trap/hip-hop que viraram lugar-comum na música urbana. Até mesmo o marketing dos eventos de dancehall mudou. Equipes de mulheres lindas distribuindo flyers após um evento para informar do próximo foram substituídos por redes sociais muito menos diretos que antes. O último riddim — ou produção disponível para que diversos artistas do gênero pudessem gravar e ter alguma força na cidade foi o “Summertime riddim” de 2010. Ele gerou canções de grandes nomes como Vybz Kartel (Summertime) e Popcaan (Ravin), que seguem firmes e fortes nos sets e mixagens seis anos depois sem parecerem datadas. Ainda, como qualquer outro gênero, os consumidores estão sempre buscando algo de novo num ritmo frenético e gêneros como dancehall prosperam com reconhecimento e reações do público para se manter. Tanto produtores quanto artistas criam aos montes, então ter que lidar com déficit de atenção fez a quantidade valer mais que a qualidade.

A atual posição de Toronto como recém-eleito centro de tudo que é bacana surgem em meio a uma mudança cultural, em que a sonoridade que molda a cultura noturna urbana se afasta das raízes reggae e dancehall. Enquanto cidade em transição encontrando-se no meio de mecas como Nova York e Atlanta, um grupo de imigrantes de segunda geração reage bem mais às batidas pesadas da Roland 808 do sul norte-americano do que ao pulsar dos sound systems do reggae.

Com tanta gente se coçando por um revival do dancehall na cidade e além, é bem possível que o ciclo se feche agora. O dancehall nunca morreu, mas talvez “Work” possa ser a injeção que faltava pra dar uma sobrevida ao gênero.

Sajae Elder é redatora e criadora de conteúdo digital que “fala merda” no podcast ’Gyalcast.' Siga-a no Twitter.

Tradução: Thiago “Índio” Silva

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