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Música

Synthpop e Big Macs com Sandy e Júnior: Conheça o S.E.T.I.

O duo de Campinas fala sobre o novo disco ‘Êxtase’, o ethos punk e música sertaneja.

Verdade seja dita: você provavelmente não conhece o S.E.T.I. E eu nem estou falando do instituto de busca por inteligência extraterrestre que fica na Califórnia, mas sim desse simpático casal de Campinas que tem como hobby fazer um synth-pop espacial bem do moderno. Digo que você não os conhece porque, mesmo com o fato de eles estarem sob os holofotes de grandes sites de música independente graças ao lançamento de seu novo disco Êxtase – elogiado até por Gordon Raphael (o cara que descobriu o Strokes) – aposto que você nem imaginava que eles gostam de Wando, já comeram Big Macs no camarim de Sandy & Júnior, comparam seu trabalho ao de Leandro e Leonardo e acreditam que bandas cover estão errando em existir. Isso sem contar o fato de se considerarem “uma banda punk”.

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Começando do início: desde 2012, Bruno Romani e Roberta Artiolli passam seu tempo livre no computador, com perfeccionismo no talo, organizando camadas de som e voz em faixas que lembram desde Radiohead até School of Seven Bells. O primeiro EP, homônimo, tem uma pegada de rock eletrônico, que serviu como parâmetro para a dupla se sintonizar. “O primeiro trabalho foi uma evolução, saímos do zero”, diz Bruno.

No entanto, os dois acreditam que foi com o Êxtase que conseguiram encontrar identidade. Não é pra menos: por cerca de dois anos o casal conciliou emprego e música, e ocupou mais de 12 horas por dia com os retoques finais em estúdio com o produtor Ricardo Palma. “Conseguimos tirar bons resultados do Ricardo. Ele tirou tudo da gente, e nós tiramos tudo dele, fizemos ele sangrar [risos]. Quisemos fazer um trabalho que refletisse tudo que a gente pensa sobre música, sobre sonoridade. Que não tivesse pressa e caminhasse bem”, diz Bruno. Para ele, “tudo tem que ser trabalhado, fazer sentido e ter uma razão de estar ali, senão não vale a pena”.

Numa madrugada fria de domingo, enquanto boa parte da população de bem descansava para enfrentar mais uma semana de trabalho, este intrépido repórter que vos fala entrou em contato com a dupla por uma conversa em grupo no Facebook, na esperança de vasculhar seu passado e descobrir pérolas de sua história. O que o repórter não imaginava é que leria coisas como “Sandy precisa de um produtor melhor” ou “estou disposta a rasgar meu diploma de Matemática para viver de música”. É sério.

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Noisey: Então, podemos dizer que as letras deste disco estão mais "superficiais", para que haja uma assimilação mais fácil, talvez?
Roberta: Eu não chamaria assim. Acho que elas estão mais explicadas. Dão menos margem para interpretações erradas. Eu quis dizer o que você realmente vai achar que quis dizer. Bruno: As letras foram muito mais trabalhadas agora. E o trabalho que foi feito de nenhuma maneira envolveu algo como "o que as pessoas vão pensar disso". Nós trabalhamos para que elas fossem melhores sob a nossa ótica.

Então o que mais se levou em consideração foi a sonoridade das palavras?
Bruno: Essa não é a única parte, mas é uma parte importante. O português é uma língua difícil para o tipo de som que fazemos. As palavras são grandes e alguns fonemas não batem.

Roberta: No caso de outras palavras (coração, amor, dor) é preciso usar com muita cautela, pois corre o sério risco de soar cafona.

Bruno: Qualquer banda gringa pode cantar “do you love me”. Mas se você falar qualquer coisa de amor, já vira o Wando.

Mas o Wando é o melhor dos cafonas [risos].
Bruno: [Risos] Só usei para efeitos de comparação. Mas prefiro Leandro e Leonardo.

Você presta atenção nos arranjos desses artistas, Bruno?
Roberta: Bruno presta atenção até em jingle de vereador [risos].

Bruno: Sim. E acho maravilhoso. Inclusive, no final de "Chore Por Mim" há um erro do baixista, ele percebe que tá saindo da nota e volta. Vou achar aqui, vão conversando.

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Roberta: Lá vem Leandro e Leonardo na minha orelha. Brigadão Lucas.

Você não gosta, Roberta?
Bruno: A Roberta é mais Chitão.

Roberta: Xororó é garganta de ouro. Sandy, minha amiga… Vejo muito trabalho ali. Merecem tudo o que conseguiram.

Bruno: A Roberta frequentava o camarim da Sandy.

Chitãozinho e Xororó são ícones inquestionáveis da música popular brasileira. Embalaram momentos… É SÉRIO ISSO DA SANDY?
Roberta: Minha avó era vizinha do motorista deles. E ele me levava nos shows. Quando eu chegava no camarim a Sandy me reconhecia. Uma vez no Paladium, em SP, chegaram três caixas cheias de Big Mac no camarim. Nunca fui tão feliz. Ficava no camarim dos dançarinos e quando eles [Sandy e Junior] acenavam que podia, eu ia no deles. O Xororó era muito simpático nessa época.

Você comeu Big Mac com a Sandy?
Roberta: Eu não vi se ela comeu, só o Júnior.

A julgar pela propaganda do Biotônico, o Júnior era bem guloso. Mas, cá pra nós, o que você acha da técnica vocal da Sandy, Roberta? Eu tenho um amplo repertório de Sandy & Júnior e não acho que ela canta super bem.
Bruno: Vish. Agora mexeu. Ela tá escrevendo uma dissertação aqui, segura. Roberta: Acho ela extremamente afinada. Um ouvido potente. Os recursos (técnicas vocais) que ela usa podem não ser os melhores. Acabam pasteurizando o som dela, mas sou suspeita pra falar isso porque não acho que até hoje ela tenha feito uma música realmente impressionante. Não gosto do trabalho que ela desenvolve atualmente em parceria com o marido e o de antes tinha um público muito infantil, então não consigo mais julgar. Mas gosto muito do timbre, acho uma voz limpa e agradável.

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A impressão que eu sempre tive é de que é um som pasteurizado mesmo. Meu irmão é bem fã e discorda. Aliás, Bruno, o que você acha?
Bruno: A Sandy precisa trabalhar com um produtor melhor. As músicas dela caem numa vala. Não é MPB, não é rock, é "cabeça" demais pro pop, e acho isso um problema. Atualmente ela precisa trabalhar bem mais as melodias e as letras. A voz, que é o mais difícil, ela tem, ela só precisa colocar isso a serviço de um bom conjunto de elementos. Roberta: Gosto dela porque acho que ela merece ser cantora. Ela herdou o talento vocal do pai e não apenas os contatos. Bruno: Concordo.

Mas dentro dos parâmetros do Bruno, ser uma boa cantora não é suficiente. O S.E.T.I. é um bom conjunto dos fatores importantes que vocês citaram, né?
Bruno: Isso é o que buscamos, mas somos operários da música. Somos uma banda "punk", porque não somos virtuosos tipo um Jimi Hendrix, mas suamos para fazer cada coisa rolar.

Operários da música? Punk em que sentido?
Bruno: Você produzir bem com poucos recursos, inclusive financeiros, é algo foda. Nós trabalhamos a coisa e somos punk no sentido do faça-você-mesmo. Não temos o produtor e os instrumentos do CHVRCHES pra trabalhar, mas a gente tenta chegar lá. Não temos o dom musical de grandes nomes, mas a gente sua pra fazer algo que fique acima da média, e acho que assim vencemos. Lembro que uma vez o baixista do Metallica falou que ele tinha que ensaiar o dobro que o James Hetfield, porque o James era um talento e ele uma espécie de operário. Vejo isso na gente. O trabalho vence, porque, como falamos, só ter a voz da Sandy não basta. É engraçado pensar que somos uma banda punk tocando eletrônico, com computadores e um som sofisticado.

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Roberta: Às vezes penso que isso nos faz mais bem que mal. O talentoso corre o risco de se encostar no talento. Ficar preguiçoso. A gente não se encosta sobre nada. Com a mesma labuta que fazemos o som, também viajamos pra tocar pra três pessoas, ou somos incessantes na busca por sermos ouvidos. Não temos preguiça.

Bruno: Somos punk no sentido de enfiar tudo num Uninho e rodar mesmo pra tocar. Só vejo mobilização igual nas bandas de hardcore/punk.

E agora não dá pra não notar progresso no som de vocês.
Bruno: Porque ele realmente existiu. Mas se você parar pra pensar, o primeiro disco foi uma evolução. Saímos do zero. Eu era só baixista, a Roberta mais escrevia do que cantava. Em pouco tempo você criar tudo isso é uma espécie de evolução.

Claro, mas baixista não é zero, e escrever é bastante coisa já.
Roberta: O som evoluiu. Acho q isso é próprio dos que querem algo com a música. Nós gravamos o primeiro disco para apresentar material do S.E.T.I. Não queríamos ter covers. O segundo disco tinha que ser uma evolução. Seria um fracasso fazer igual.

Bruno: Exato. Assim como o próximo também tem que evoluir.

Seria natural comparar o S.E.T.I. com Leandro e Leonardo?
Bruno: Não consigo ver a conexão.

Roberta: O que buscamos é uma carreira sólida. Nesse quesito, pode nos comparar a qualquer artista que tenha dedicado a vida a isso. Eu vejo assim. Tenho certeza de que eles também rodaram Goiás como nós.

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Eles também são operários da música – em seus devidos contextos, claro.
Bruno: É, pode ser. Agora você me pegou [risos]. Mas tem esse lance mesmo. A diferença entre quem chega lá e quem não chega é a fome. Você tem que ter fome pra fazer o negócio acontecer.

E como vocês perceberam essa fome?
Roberta: Nunca tive banda. Não me proporia a fazer isso se não fosse pra dar certo. Estou disposta a rasgar meu diploma de Matemática para viver de música. É isso que eu quero. Com toda fome do mundo.

Bruno: Tem muita gente que gosta da ideia de ter uma banda e não de ter uma banda de verdade, e existe uma diferença muito grande nisso. O cara toca no bar da cidade duas vezes por ano e acha que tem uma banda. Isso não é ter uma banda, é ter uma ideia. Uma vontade de parecer diferente.

Ter uma banda deve ser muito legal.
Bruno: Ter uma banda é se foder muito. Rodar muito, escrever muito, suar muito, dar entrevista até tarde… porque antes de ter uma banda vem a ideia de ter uma banda, e isso é legal mesmo, mas você tá disposto a perder seu descanso todo fim de semana pra ensaiar? Você tá disposto a ensaiar toda terça e quinta depois do trabalho? Você está disposto a perder um aniversário de família porque tem show pra duas pessoas em Bragança Paulista? Muita gente não está. Estes vivem da ideia.

Roberta: Quando chamamos outras bandas pra tocar vemos muito isso. São tantas perguntas, tantas ponderações, tantas condições… não dá. No começo você tem que tocar. Tem que espalhar seu nome. Não vão te descobrir no pub da cidade que você toca semestralmente um cover furado – e eu poderia dizer agora "com todo respeito a quem toca cover", mas não digo.

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