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Música

Tirem Meu Nome da Lista

Uma história sobre deixar Nova York em 13 bandas ou menos.

Ilustração por Rob Dobi

Um dia antes de eu embarcar num avião para dar adeus a Nova York, Ezra Koenig e Despot lançaram seu remix de "Down 4 So Long", do Makonnen. Se você não conhece a faixa, ouça agora. Para mim, é a música perfeita para ir embora: as cavernas entre os golpes do sintetizador têm um jeito peculiar de fazer você sentir que é a última pessoa na face da Terra. Os versos de Makonnen fazem você se sentir muito mal por ser a referida única pessoa viva; e a parte de Koenig serve como um lembrete de que as pessoas, como um todo, podem ser horríveis.

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A parte de Koenig começa com "I'm leaving New York" ("Estou deixando Nova York"), o que foi – considerando o fato de que também eu estava deixando Nova York – uma bela sincronia, e algo cheio de sentido, do jeito que somente uma letra de música pop improvavelmente relevante consegue ser. Apesar de “I am moving away from this major metropolis in which I reside” ("Estou indo embora dessa grande metrópole em que moro") ser um sentimento normal e universal, o verso me tocou profundamente. Acho que ouvi a música talvez umas cem vezes nas três semanas seguintes, tocando o verso de Koenig vezes sem conta no celular, arrastando meu dedo mais ou menos dois centímetros para a esquerda, para ouvir de novo. Talvez eu tenha feito isso só porque amei o verso. Ou, talvez porque eu simplesmente gostava de ouvir outra pessoa dizendo "I'm leaving New York" para mim, ouvir que eu não estava sozinho.

Eu me senti sozinho muitas vezes em Nova York. Senti essa solidão basicamente sem trégua pelos primeiros seis meses depois que me mudei para lá. A primeira vez que não me senti sozinho, na verdade, ocorreu como resultado direto de ter comparecido a shows do Insane Clown Posse e do Gwar na mesma semana. Era bem tarde numa noite de semana, e eu estava esperando o trem L, que me levaria para casa depois do show do Gwar. A única outra pessoa na plataforma era um rapaz que, assim como eu, estava empapado do sangue falso e do suor real aos quais a pessoa se submete de boa vontade quando vai ver uma banda de homens crescidos fingindo ser alienígenas (um dos quais atira sangue falso de um pênis prostético). Diferentemente de mim, ele usava um moicano e tinha uma tatuagem grande e vermelha do logo do ICP, o sujeito com a machadinha, ocupando toda a extensão da batata da perna. Eu me apresentei e trocamos comentários sobre o show, que por acaso havia acontecido alguns dias depois que o ICP fizera um show no Hammerstein Ballroom. Ele vivia nas cercanias do Brooklyn com a família, e gostara mais do Twiztid, que abrira para o ICP, do que do próprio Clown Posse, o que, segundo me dizem, hoje em dia é uma opinião predominante entre os Juggalos de bom gosto. Eu morava em Williamsburg e estava mais distante do que nunca de minha família e meus amigos, na Carolina do Norte. Eu, um não-Juggalo, tinha relativamente pouco a contribuir para a conversa em matéria de observações pertinentes, mas gostei de ouvi-lo falar, e ele parecia gostar de falar comigo. De qualquer modo, eu estava aprendendo novas coisas. Isso me deixou feliz. Eu viera a Nova York para conhecer novas pessoas e ter experiências interessantes e dinâmicas. Conversar com um Juggalo no metrô a uma da manhã não é nada senão isso. Embarcamos juntos no trem e conversamos o caminho todo até a minha estação. Aí eu saltei. Nós dois sabíamos que nunca mais nos veríamos. Isso não nos incomodava.

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Não sou dessas pessoas que caiu de quatro, com post no Facebook e tudo, por Nova York. Nova York, para mim, foi onde eu meio que acabei caindo. Fui para lá depois da faculdade porque queria ser escritor, e morar em Nova York pareceu a mim, um garoto de uma cidade de 1.200 habitantes na Carolina do Norte, uma coisa que escritores faziam. Fiquei por três anos e meio, principalmente porque não me ocorria nada melhor a fazer.

Assim que me mudei, fui morar em um quarto sem janela na rua North 7th, onde, sem amigos, passava horas jogando videogames sozinho, para me distrair do fato de que não conhecia absolutamente ninguém. Por fim, consegui um estágio numa revista cujos escritórios ficavam no mesmo loft da rua Ludlow em que os Talking Heads costumavam ensaiar, e saber que eu estava trabalhando na mesma sala em que a História havia acontecido era algo que me aquecia no inverno, porque o aquecedor com certeza é que não aquecia. Esse estágio rendeu meu primeiro amigo de verdade em Nova York, com o qual mais tarde eu compartilharia o lindo momento de beber tequila sunrises enquanto víamos o sol nascer sobre Williamsburg. (Ele fugira do apartamento de uma peguete ali perto, porque, se estou lembrando certo, ele fora atacado pelo gato dela.) É uma prova da capacidade humana de adaptar-se ao ambiente o fato de eu ter compartilhado um momento lindo e perfeito de amizade com alguém no mesmo local físico em que passara horas amargas, convicto de que minha solidão não teria fim.

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Passei a primeira parte da minha época em Nova York esperando – como fazem todos que estão numa cidade nova – encontrar amigos, uma comunidade, uma sensação de que eu pertencia. A saudade de casa por fim arrefeceu, e aos poucos fui montando uma nova vida. A primeira vez que me senti conectado a uma sala cheia de gente desconhecida foi no Glasslands, enquanto eu alegremente batia cabeça ao som de Titus Andronicus, gritando "your life is over!" a todos pulmões. Nisso, percebi que a minha vida ainda não começara. Nunca vou esquecer a noite em que entrei numa gritaria com alguém num parquinho de cachorros perto do Metropolitan, discutindo sobre se Bon Iver era ou não uma merda. No dia seguinte fizemos as pazes, e com o tempo acabamos virando o tipo de amigos que pessoas de cidades pequenas valorizam intensamente. Porque quando você cresce sendo o esquisitão da sua cidadezinha, acaba sendo condicionado a acreditar que jamais encontrará alguém igual a você. (Ainda que – para deixar registrado – ouvir Bon Iver continue sendo tão entediante quanto dialogar com um graveto.) Esses pequenos momentos, quando você pressente o sentido e descobre um contexto no qual se encaixar, parecem pequenas vitórias contra uma cidade que é tão grande e tão frenética. Não se recebe estrelinhas por consegui-los. Eles não têm valor nenhum. A única recompensa é não mergulhar num desespero avassalador.

Quando eu era novo, a cidade de Nova York não existia para mim. Digo, eu sabia que existia, e tinha até estado lá com meu pai em uma viagem de negócios, mas a única noção que eu conseguia ter do lugar era abstrata, à la Taylor Swift. Não era um lugar em que eu, ou qualquer pessoa que eu conhecesse, ousaria sequer planejar morar. Para mim, quem chegava em Nova York não precisava mais chegar em lugar algum. Não, tipo, se você "chega lá" em Nova York, no sentido de: faz sucesso no seu ramo de trabalho, e alcança um pouco de riqueza e felicidade/sentimento de realização pessoal. Para mim, naquela época, se você chegasse a Nova York, no sentido de: conseguia manter o seu corpo em Nova York por um período prolongado de tempo – isso era um sinal tangível para o pessoal lá em casa que você estava levando a melhor vida possível. Foi isso o que disse a mim mesmo quando, um certo verão, os cheques dos frilas estavam escassos, e depois que paguei o aluguel, me sobrou tão pouco dinheiro que tive que me rebaixar a comprar bagels com os trocados que encontrava no chão do meu quarto, em sua maioria moedas de cinco centavos. Fiquei eufórico quando encontrei uma de 25 centavos, porque assim podia pedir cream cheese em vez de só manteiga no meu bagel torrado. Ainda assim, não me importava, porque também significava que mais um mês havia passado sem pedir dinheiro aos meus pais – o que significava outro mês em que eu realmente estava tendo sucesso.

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Comecei a construir uma carreira com o que me chegava às mãos, fazendo frilas e indo a shows, e com o processo de ver as mesmas pessoas naqueles shows vez após vez, comecei a enxergar o meu lugar em uma cidade que é tão grande que não tem qualquer escrúpulo em impedir que você tenha a sua perspectiva. Lembro de estar em pé, do lado de fora, tomando chuva, num show lotado do 2 Chainz no S.O.B., enquanto o segurança gritava com a galera. O promoter conseguiu me levar para dentro no último instante. Teve uma vez que dancei em cima do palco ao lado do Waka Flocka, em uma festa da indústria, no Hotel Bowery. Flocka pôs o braço em meus ombros e me chamou de "trill" (combinação das palavras "true" e "real") diante de uma sala cheia de gente que tinha empregos, empregos que eu desejava, empregos que eu tinha certeza de que jamais conseguiria. Naquele momento, pouco importava. Eu estava escrevendo sobre música o tempo inteiro, e aí as pessoas – pessoas da "Indústria"! – tinham que ser gentis comigo, ou pelo menos não tão abertamente escrotas de modo que me fizesse escrever algo ruim sobre elas.

Isso é, para mim, uma coisa que só existe em Nova York. Ela é tão grande, e tem tantas pessoas morando lá, que pode dar base para praticamente qualquer coisa, ao ponto de que ela efetivamente virou duas cidades – aquela dos hipsters transplantados que colonizaram a ameba de gentrificação que não para de se expandir, incluindo Williamsburg/Greenpoint/Bushwick/Ridgewood/Bed-Stuy, e a outra, das pessoas que cresceram lá mesmo. Se isso certamente não é boa coisa, também não é má coisa. É simplesmente uma coisa, uma coisa que afetou a cena musical de Nova York de maneiras imprevisíveis. Isso vale especialmente para o rap de Nova York, onde, num certo período, ali por volta de 2012, o entusiasmo dos jovens forasteiros intensificava o buzz em torno de um rapper diferente a cada poucas semanas, enquanto as rádios de rap de Nova York, e não esqueçamos que o rádio ainda é uma das maneiras mais importantes de um artista se fazer ouvir, não queriam nem saber deles. Esta foi uma época, no geral, tremendamente empolgante para ser um jovem fã de rap em Nova York, uma época movida por torrentes de micro-tendências e experimentos de estilo que me fizeram experimentar calças com padrão de camuflagem, chapéus de pescador e tecidos tingidos artesanalmente, algumas vezes tudo isso ao mesmo tempo. Era significativamente menos empolgante se você fosse um rapper, já que eles tendiam a ser expulsos dos holofotes para dar lugar à próxima bola da vez. Com sorte, algum deles se distinguia da multidão, e virava o A$AP Rocky ou o Action Bronson, sendo aceito tanto pelos jovens criadores de tendências quanto pela velha guarda. Sem sorte, os rappers acabavam assinando com uma grande gravadora, que não tinham ideia do que fazer com eles, e ficavam mofando meio que num limbo, e deles não se ouvia mais falar.

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Na indústria da música, é comum ver as mesmas pessoas praticamente o tempo todo, então seus colegas de profissão se tornam os seus pares sociais. Isso te transforma num ser humano falso, sempre avaliando a "influência" de alguém – a nebulosa e inexistente confluência de status social com poder profissional sobre a qual se constroem carreiras, e o único lugar em que o seguidor tem um valor duplo enquanto moeda humana real. Se alguém tem um emprego do qual muitos de seus pares se beneficiam profissionalmente – talvez um editor que dá trabalho para muitas pessoas que conhece, ou um assessor de imprensa que dá a amigos acesso aos clientes importantes – então essa pessoa de repente tem a capacidade de agir como uma sociopata sem sofrer qualquer consequência real. Ao contrário, se alguém é incrivelmente carismático, leal, e simplesmente gentil (ou, se essa pessoa tem, olhando a coisa cinicamente, uma capacidade incrível de manipular), ela pode ter sucesso em sua indústria, mesmo que seja desprovida de talento e criatividade. As interações entre pessoas dentro desses mundinhos hermeticamente fechados, que existem dentro do sistema solar maior de Nova York, são governadas pela realidade de que há uma forte possibilidade de que uma pessoa esteja potencialmente usando a outra para benefício próprio. Essa possibilidade está sempre lá, no fundo da mente, o impulso de analisar a motivação essencial de alguém insistindo ali dentro de você igualzinho à tentação constante de dar uma olhada no smartphone. Mesmo que você saiba que não chegou mensagem nenhuma, há sempre uma parte sua que precisa dar uma olhada, só pela improbabilíssima chance de que você não tenha percebido a vibração e algo de URGENTE tenha acontecido que requeira a sua atenção IMEDIATA, como a morte da pessoa que divide o aluguel contigo, ou três dos seus amigos pegando herpes ao mesmo tempo. A ideia de que as pessoas são boazinhas com você porque elas querem te usar vai, se você não tomar cuidado, te corroer até que você se transforme numa casca ressecada de ser humano, que ninguém é capaz de amar. A única coisa mais enlouquecedora é o sentimento persistente de que você talvez esteja tentando usá-las também.

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Talvez por conta disso, Nova York dá valor à exclusividade. É o único lugar conhecido no universo em que a pessoa mais pobre no recinto pode ainda assim ser a mais cool, e é um lugar tão grande que sustenta uma quantidade imensa de pequeninos mini-ecossistemas – Música! Tecnologia! Finanças! Mídia! Moda! – que, se alguém faz as coisas certas, pode chegar ao topo com relativa facilidade. A maneira de mensurar isso é, na minha experiência, a "lista de convidados". As pessoas na lista de convidados são, é claro, os convidados de quem faz/promove o show. Eles podem esperar numa fila especial, e não precisam pagar a entrada. Mas, já que todo mundo quer sentir que é exclusivo, a lista de convidados é deformada em formulações tão estranhas e inquietantes que só um físico quântico saberia explicar. Já estive em shows em que a lista de convidados era mais longa que a lista de pessoas que compraram ingressos para ver o músico – Pessoas Importantes e Influentes não têm que pagar. E para muitos a percepção de status que vem junto com estar acima dos US$ 12 que desembolsariam para ver um afiliado da Wedidit de segunda, que trabalha de dia na Del Taco, vale MUITO mais do que desembolsar os US$ 12 e esperar na fila mais curta, na companhia dos camponeses. Também compareci certa vez ao show de estreia de uma banda que, apesar de ter composto um total de quatro músicas e gravado meras duas, já havia assinado com uma gravadora respeitada e de grande porte. (Se lembro bem, eram pessoas brancas que faziam R&B e tinham um forte senso estético, e que eram excêntricas e safas o bastante em sua apropriação irônica da música negra para não serem racistas. Não, não vou mencionar o nome.) Havia cinco pessoas no show, sem contar a banda. Quatro pessoas estavam na lista. Eu não estava, e portanto fui o único financiador do show, com os meus dez dólares.

Nova York nunca me pareceu tão mágica quanto no dia antes de eu ir embora. Era por volta do meio-dia, e eu estava voltando a pé para casa do apartamento do meu amigo Kevin, no Lower East Side. Ficáramos acordados até as cinco da manhã na noite anterior, fumando e bebendo e comendo pizza e falando merda, e eu estava me sentindo transcendente, daquele tipo em que você não está inteiramente acordado mas a ressaca ainda não bateu, quando você se sente eletrizado pela simples beleza e pelas possibilidades da vida. Caminhei pela cidade em direção ao trem, absorvendo um dos últimos dias de tempo bom que Nova York teria antes que tudo decaísse em uma espiral de frio e isolamento. As pessoas estavam caminhando pelas ruas, sorrindo, e eu podia ver cada uma delas desfrutando de seu próprio reino pessoal. Isso me lembrou de por que doía tanto ir embora, e por que, depois de três anos e meio, viver lá era exaustivo. Eu me senti em paz.

Virei para a esquerda e vi um mendigo se masturbando furiosamente, a nem dois metros de mim. Curtindo o seu próprio domínio. Quando o sinal ficou verde e comecei a atravessar a rua, nossos olhares se cruzaram. Lá estávamos nós, nova-iorquinos, indo e vindo ao mesmo tempo.

Drew Millard agora mora em Los Angeles. Fique à vontade para chamá-lo de versão maricas da Joan Didion no Twitter.

Tradução: Marcio Stockler