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Música

Os Primórdios Enfumaçados do Thin Lizzy

Que bom estarmos vivos para ver o relançamento em vinil dos discos ‘Thin Lizzy’, ‘Shades of a Blue Orphanage’ e ‘Vagabonds of the Western World’.

Crédito: site do Eric Bell Antes de o Thin Lizzy comandar casas noturnas pelo mundo com guitarras ensandecidas em discos como Jailbreak (1976), Bad Reputation (1977) e o nosso favorito, Black Rose: A Rock Legend (1979), eles eram um trio de rock irlandês consideravelmente mais calminho com uma queda por violões, canções folclóricas celtas e por quantidades absurdas de maconha. Essa formação — Phil Lynott (baixo/voz), Eric Bell (guitarra) e Brian Downey (bateria) — gravou apenas três discos antes de Bell anunciar sua saída abrupta da banda durante um show de véspera de Ano Novo em 1973, na cidade de Belfast, ao jogar sua guitarra no ar e abandonar o palco. Lynott e Downey posteriormente juntaram forças com os mestres das guitarras Scott Gorham e Brian Robertson para se tornarem o muito mais notório Thin Lizzy, conhecido por suas bebedeiras, brigas e transas ao redor do mundo com a força de hits onipresentes como “The Boys Are Back in Town,” “Jailbreak,” e “Waiting for An Alibi.” Mas esses três primeiros vastamente subestimados discos com Bell – Thin Lizzy, de 1971; Shades of a Blue Orphanage, de 1972; e Vagabonds of the Western World, 1973 – finalmente recebem o tratamento merecido com relançamentos de luxo em vinil pelo selo Light In the Attic. Conversamos com Eric Bell ao telefone recentemente, de sua casa na Irlanda do Norte, tratando de temas como drogas, música, e mais drogas. Confira:

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Noisey: É verdade que você estava chapado de ácido da primeira vez que encontrou Phil Lynott e Brian Downey?
Eric Bell: Ah, estava – foi minha primeira viagem. Tinha ido assistir à banda deles, Orphanage. Foram ótimos. Brian Downey era um puta baterista. Ele era exatamente o que eu buscava para a banda que queria montar. Philip era um excelente vocalista, um baita showman, mas não prestei lá muita atenção nele, sendo bem sincero. Quem me chamou atenção foi Brian.

E você formou o Thin Lizzy naquela noite mesmo?
É, mais ou menos. Fui encontrar com eles no camarim para conversarmos – o que não era lá muito fácil estando chapado de ácido. [Risos] Resumindo, Philip disse que entraria na banda comigo se eu o deixasse tocar baixo e mais algumas de suas composições. Topei. Então Philip perguntou a Brian se ele animava começar uma banda comigo e ele negou, de cara. [Risos] Mas de um jeito ou de outro, Philip o convenceu. Ele foi ao meu apartamento uns cinco dias depois com três músicas que havia gravado com um toca-fitas mesmo. Foi aí que ele fundou a banda.

Em algum ponto, você e Phil foram morar juntos em Dublin. Você poderia descrever a cena pra gente?
Brian ainda morava com os pais na época, mas ia na nossa casa todos os dias, então era como se morasse ali. Morávamos em Clontarf, uma parte bem bacana de Dublin – bem de rico. Depois de um tempo, provavelmente moravam umas 14 pessoas com a gente. A galera chegava e ia ficando. Começamos a ganhar uma fama porque um monte de bandas tocava em Dublin, e quando seus shows acabavam – lá pelas duas da manhã – eles iam bater na nossa casa, numa rua suburbana bem tranquila, naquelas vans enormes. [Risos] Os vizinhos queriam se livrar da gente. Fizeram até uma petição, mas de qualquer forma acabamos tendo que nos mudar pra Londres.

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Isso foi logo depois de vocês assinarem com a Decca. Foi um choque cultural muito grande mudar da Irlanda para Londres?
Inacreditavelmente, foi – pelo menos pra mim. Philip parecia estar curtindo, e Brian era um cara relativamente tranquilo, mas na época eu não gostava de Londres. Era muito barulhenta e muito grande. Você se sentia como um forasteiro lá. Pelo menos, eu me sentia. Eu gosto da cidade agora, mas antes não.

O público londrino aceitou a banda de cara quando vocês começaram a tocar lá?
Às vezes víamos o mesmo pessoal nos shows, tínhamos um público de umas dez pessoas. [Risos] Mas não nos dávamos muito bem lá porque as bandas londrinas eram mais espalhafatosas. Os caras ficavam bem na frente do palco, posando e tentando chamar a atenção enquanto tocavam. A gente só ficava lá tocando mesmo, não tínhamos exatamente uma performance, que acho que era o que Londres queria ver.

Mas rolou um insight quando o Thin Lizzy abriu para o Slade em uma turnê.
[Risos] Foi inacreditável. Nos vaiaram para cairmos fora. O Slade foi incrível. Eles não eram músicos excelentes, individualmente, mas como banda, eram incríveis. Eles chegavam e matavam a galera, mesmo. Philip, em especial, observava isso do lado do palco, vendo o que o Noddy Holder [vocalista do Slade] fazia. Ele era um grande frontman, Noddy.

Com que frequência Philip tinha que lidar com racismo no contexto do Thin Lizzy? Era uma briga constante?
Não, era bem raro. Quase nunca, de verdade. Algum cara no público teria bebido demais e ficaria com ciúme porque a namorada dele estava olhando pro Philip, esse tipo de coisa. Mas dificilmente rolava.

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Em algum momento entre Shades of a Blue Orphanage e o Vagabonds of the Western World, o Thin Lizzy lançou “Whiskey in the Jar”, que foi um hit enorme na Irlanda e no Reino Unido em geral. Como essa música mudou as coisas para a banda?
Ah, da noite pro dia. Antes de “Whiskey in the Jar”, tocávamos em pubs para 200 ou 300 pessoas na lotação máxima. Quando “Whiskey in the Jar” estourou, fomos parar no Top of the Pops e Crackerjack e todas essas coisas. Em um mês, estávamos tocando em casas de show enormes cuja lotação máxima era de mais ou menos 4000 pessoas. A gente simplesmente não estava pronto.

Reza a lenda que o pessoal da Decca mandou o single para as rádios com umas garrinhas de uísque…
Não, isso foi coisa dos nossos agentes. Fui no escritório deles na época, e tinham umas 20 caixas de papelão lá, todas com garrafas de uísque em miniatura. Elas foram enviadas pra tudo que é DJ junto do disco, o que meio que funcionou como garantia que ele fosse tocado [risos]

Você ouviu a versão do Metallica para “Whiskey in the Jar”?
[Risos] Bom, eles me ligaram e me chamaram pra tocar com eles. Os desgraçados não me pagaram.

Sério?
Sério. Me ligaram há uns oito ou nove anos, quando estiveram em Londres, onde morava na época. Eles estavam hospedados em um hotel bem chique em Marble Arch e me convidaram para tocar “Whiskey in the Jar” com eles, em Dublin. Topei e fui até o avião particular dos caras. Eles ficaram tocando por umas três horas, aí fui lá e toquei “Whiskey in the Jar” com eles [risos]. Aí voltamos para Londres. Eles me deram um monte de merchandising, tipo cachecóis e bonés e camisetas, e disseram algo do tipo “valeu, cara!”, sem me dar um centavo. Eu devia ter falado com um cara lá a respeito de pagamentos, mas meio que botei fé que ele apareceria com a grana logo depois do show. Mas ninguém nem chegou perto de mim.

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Antigamente você preferia subir no palco chapado. Como isso afetava sua forma de tocar?
Dramaticamente [risos]. Lembro de perguntarem ao George Harrison o seguinte: você acha que se os Beatles ou os Stones ou o Jimi Hendrix não tivessem experimentado drogas, sua música seria a mesma? E George respondeu: “Não sei se isso te faz tocar melhor, mas com certeza te faz ouvir melhor”, e eu concordo com isso, definitivamente. Certamente afeta sua imaginação.

Vocês três chapavam antes de tocar?
Sim, quase todo show. Mas não éramos só nós – praticamente todas as bandas no Reino Unido fumavam unzinho naquela época. Teve uma vez que Philip estava com um pouco de haxixe e nem eu nem Brian tínhamos nada. Íamos tocar em meia hora, então virei pra Philip e disse “Vamo rachar um?” Você sabe, bolar um baseado. Aí ele disse “Não tenho o bastante. Quero fumar com a minha mina quando voltarmos pra Londres hoje”. Então fiquei petrificado, tipo, “O quê? Qualé, cara, bola um pra gente aí”. E ele respondeu “Já disse, não tenho o bastante”. Então fiquei mau pra caralho. Tirei minha guitarra do case e parecia tudo muito esquisito. Comecei a ficar inseguro porque sabia que íamos tocar em 20 minutos, e esta era a primeira noite que não fumava em uns dois anos. Fora que o lugar o estava lotado, e eu ali pensando “Meu Deus, que que eu vou fazer?”

Você entrou em pânico.
Com certeza. Aí alguém bateu na porta do camarim, e entrou esse cara. E ele cola no Philip e rolam todos esses apertos de mão bizarros. Aí ele pega um baseadão do bolso e acende. Lá estão ele e Philip conversando, no canto, e eu sentado ali, pensando “Puta merda, passa essa porra!” e eles nem dão bola. Então fui lá e me meti no meio da conversa. “Licencinha, rola de dar um peguinha?” [risos]. Philip meio que me olhou com uma cara de morte assim, mas nem dei bola. Só queria dar uns pegas. De qualquer forma, o cara me passou a parada. Cinco ou seis minutos depois, catei a guitarra e saí tocando tipo Jimi Hendrix. Foi aí que percebi que precisava estar chapado pra poder tocar. Superei isso há um tempão, mas foi horrível passar por esse tipo de coisa por um bom tempo.

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A capa de Vagabonds of the Western World foi a primeira do Thin Lizzy que não tomava uma foto como base. A ilustração foi feita por Jim Fitzpatrick, que também é o responsável pelo retrato de Che Guevara estampado em camisetas à exaustão. Ele fez uma versão de heróis de quadrinhos da banda. O que você achou?
Queria ser daquele jeito na vida real [risos]. Mas sendo sincero, me lembrou a de Axis: Bold as Love [do The Jimi Hendrix Experience], com as três cabeças.

A grande música daquele disco era “The Rocker”, que parece ser o primeiro passo em direção ao que o Thin Lizzy se tornaria após a sua saída – e mesmo assim você co-escreveu a canção. Você sentiu que a banda tomava um novo rumo naquele momento?
Bem, o primeiro disco era o verdadeiro Thin Lizzy porque estávamos usando violões e violões de 12 cordas além de guitarra elétrica. Então, rolava um lance meio folk celta. Além disso, o estilo de composição de Phil era mais poético. Eram poemas musicados, praticamente. No segundo disco ainda usávamos alguns violões, mas não tanto. E no terceiro disco, Vagabonds, quase somente guitarras. No dia em que começamos a gravar aquele disco, minha atitude mudou drasticamente.

Como assim?

Quer dizer, eu nem lembro de gravarmos o primeiro disco por estarmos tão chapados. Sério, o estúdio era um fumacê só. Todo mundo que chegava – o leiteiro, o corno do chá – meio que já chegava sorrindo [r

isos

]. Então foi tudo bem espontâneo. Muito dele foi improvisado. Nós três só mandamos ver no estúdio porque estávamos chapadaços. Mas como já tínhamos tocado tudo aquilo ao vivo, estávamos bem confiantes. O segundo álbum,

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Shades of a Blue Orphanage

, não foi tão planejado quando o primeiro ou terceiro. A gente se perdeu um pouco nele, mas ainda acho que tem coisa boa ali. Agora, no terceiro, lembro de ter tido uma boa conversa comigo mesmo antes de entrarmos em estúdio. Eu falei para mim mesmo “Eric, este é o terceiro disco. Você sabe que o que você tocar, assim que for gravado, será lançado. Não dá pra mudar. Então certifique-se de fazer tudo da melhor forma possível”. Hoje em dia, fico feliz por ter feito isso.

O primeiro álbum é o seu favorito?
Hoje eu curto todos. Teve uma época em que a gente não tinha nem como dar esses discos. Ninguém nem queria saber. Havia um pessoalzinho como [os DJs da BBC] John Peel e Kid Jensen – ainda bem, porra – e eles adoravam o Thin Lizzy do começo. Pouca gente curtia. Quando lançamos os discos, eles mal eram mencionados. Mas estou encantado que hoje, 40 anos depois, as pessoas estão começando a falar deles. A banda mudou bastante depois da sua saída. O que você acha do direcionamento tomado por eles?
Foi um esquema comercial. Digo, os dois guitarristas eram ótimos, mas a forma de Philip de compor ficou comercial. Claro que ele se ligou que estava com o pé na porta quando eu estava na banda. Então eu saí e tudo ficou meio estranho por um tempo. Sei que eles tentaram outros guitarristas – não me refiro à Scott [Gorham] e Brian [Robertson], mas outros caras – e Brian [Downey] me disse que havia sido terrível. Eles voltaram à Londres e íamos nos separar, mas os agentes me disseram para segurar uns meses. Foi aí que conheceram Scott e Brian, que tinham aquela harmonia toda rolando. Isso virou marca registrada deles. Mas pra mim, não era mais o Thin Lizzy. Tinha o mesmo nome, o mesmo baterista, o mesmo baixista e vocalista, mas era algo completamente diferente.

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Você deixou a banda durante um show de véspera de Ano Novo, em 1973. Jogou a guitarra no ar e caiu fora.
Eu estava completamente fora da casinha. Não deveria ter tocado. Eu estava em Belfast, minha cidade, e todos meus primos estavam lá – todos meus amigos e família, minha esposa e alguns de seus amigos, a mãe de Philip e sua namorada e a família dela e por aí vai. Mas eu estava transtornadíssimo – bêbado e chapado, em maior parte bêbado. Não conseguia nem ficar de pé. Muitas vezes a gente tocava assim mesmo, mas eu tinha perdido as estribeiras naquela noite. Muita coisa ruim rolando na minha vida. O Thin Lizzy tocando direto – uma tour atrás da outra. Não tinha tempo de me recompor. Era só viagem e show direto, e isso meio que me afetou. E tudo isso pesou naquela noite, não sei porque.

Você se arrepende de ter deixado a banda?
Não porque eu seria alcoólatra ou um drogado ou morto ou estaria em algum manicômio escroto. Essa é uma das razões pelas quais pulei fora. Eu não conseguia parar de beber e nem de fumar maconha. E ainda tava botando Valium pra dentro, que o médico me deu. Tava fodido. Não sabia nem qual era o dia da semana. Não conseguia parar, nem nas folgas – que não eram muitas. Lembro de quando minha namorada me perguntou “Não dá pra ir no pub e beber só um pouco?” e eu respondi “O único motivo pelo qual vou a pubs é ficar bêbado!” Mas o que ela disse meio que nunca esqueci. Ela estava certa. Eu não conseguia beber pouco – eu tinha que encher a cara. Mas eu não tinha como mudar estando no Thin Lizzy porque aquilo me cercava o tempo inteiro.

Você conseguiu ficar limpo logo depois de sair?
Não, demorou demais. Foram anos e anos e anos. Foi foda. Quando você está na estrada com uma banda bem-sucedida, todo mundo ao seu redor – a banda, roadies, amigos, fãs – todo mundo só quer farra o tempo todo. Foi divertido demais. Eu amava. Mas teve um ponto de mudança. Queria saber como os outros viviam, mas não conseguia. E Phil começou a cheirar nessa época, coisa que eu não queria mesmo. Fumar maconha e haxixe e tomar ácido e beber é mais que o bastante pra mim. E claro, logo Philip começou a usar heroína – mas isso foi depois, quando já tinha saído.

Philip faleceu em 1986, após anos usando drogas. Ele tinha apenas 36 anos. Foi uma surpresa?
Não. Philip achava que era indestrutível. Ele bebia e fumava até te derrubar. Era um desses caras. Um homem tem que ser macho, né? Era essa a atitude dele. “Olha só quanto eu bebo, quanto eu fumo”, essas coisas. Tentar acompanhá-lo era burrice. E era desse jeito às vezes, uma competição. Não sei como as coisas ficaram assim, porque quando a banda começou, era uma maravilha. Foi uma das épocas mais felizes da minha vida, quando morávamos em Dublin e começamos a fazer nosso nome pela Irlanda. Foi a melhor época.

Aqueles três primeiros discos têm algum significado diferente pra você hoje?
Não. Como eu disse, quando os gravamos, não dava nem pra sair dando por aí. Deixa eu te contar um lance engraçado: depois que saí do Thin Lizzy, voltei para Dublin e montei uma banda com [o ex-colega de banda e professor de baixo de Lynott] Brush Shiels chamada The Bell Brush Band. Certa noite estávamos tocando em algum lugar no interior e cheguei tarde em casa. Minha esposa estava em Londres na época, então o apartamento estava vazio e algum cretino o invadiu enquanto estava tocando. Roubaram um monte de coisas, incluindo meu toca-discos e uns 40 LPs. Os três discos do Thin Lizzy ficaram lá, intocados. Nem os ladrões quiseram aquilo.

J. Bennett sai por aí dizendo pra quem ouvir que o Thin Lizzy foi a melhor banda de rock de todos os tempos.

Tradução: Thiago “Índio” Silva