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Música

O Matheus Mota É Mesmo um Almejão

Com criatividade, teoria musical e detalhes do cotidiano, o pernambucano consegue criar um universo particular onde Hermeto Paschoal e He-Man conversam na mesa do almoço.

Meio-dia. O sol estala na calçada e o asfalto da ladeira está queimando. Uma senhora dobra a esquina da rua da escolinha pela sombra. Ao ouvir a voz do Faustão, um desavisado passando na janela poderia supor que é domingo, mas as crianças brincando no recreio criariam uma confusão sutil que o traria de volta à realidade.

Assim é Almejão, o novo disco de Matheus Mota. Com criatividade, teoria musical e detalhes do cotidiano, o pernambucano consegue dar dimensão a suas composições, criando um universo particular onde Hermeto Paschoal e He-Man conversam na mesa do almoço.

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Este já é o quarto trabalho (e o segundo disco cheio) de Mota, e talvez seja correto dizer que é o mais lapidado de todos. O cuidado com os detalhes e a perspicácia eficiente das letras transforma o disco em uma forte experiência sonora que dá vontade de repetir.

Troquei uma desenvolta ideia com ele via Facebook pra tentar entender a complexidade que é compor sobre o cotidiano de maneira tão simples e completa. Também falamos de Faustão, cinema, Guilherme Arantes e cachoeira. Recomendo ouvir o disco enquanto lê, e se quiser baixá-lo, é por aqui.

A primeira questão que me veio à cabeça quando ouvi o Almejão pela primeira vez: como você faz pra escrever isso aí?
[Risos] Eu toco um pouco de piano e comprei um livrinho de teoria musical básica, que leio homeopaticamente há 5 anos. Mas basicamente é: componho algumas diretamente no piano e outras cantarolo umas linhas aqui e ali e vou entrelaçando. Escrevo algumas na partitura, analiso, desenvolvo… é meio sem método, não tenho formação musical convencional, sou bem autodidata.

E o que você almeja ao transformar o que você escreve em música?
Bom, eu curto muito cinema… É como se fizesse um pequeno curta sobre o momento que é cada uma dessas canções… Então eu meio que trabalho parte do processo num programa de montagem de vídeo: à medida que vou dando volume às informações escritas + mixagem, letra e tudo mais. E vou buscando certos artifícios que esse bolo todo se torne meio acessível, seja por um fraseado mais marcante, seja pelo Faustão me chamando.

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Eu tenho um interesse de trazer parte dessa doideira pra um patamar que uma pessoa mais ou menos interessada vá atrás e comece a destravar umas trancas. Eu diria que é a última coisa que eu almejo, mas rola.

Então você é um almejão?
Durante a feitura desse disco eu fui um pouco, queria fazer um negócio bonito, chamei algumas participações, montei essa roupagem com sopro, estudei um pouco, fiz um certo esforço pra atingir as metas, foi uma almejação. Provavelmente quando estiver fazendo outro disco, a abordagem vai mudar. Parte dessa intenção é responsável pelo que vai soar no final. Eu diria que foi um descarrego isso tudo… tô bem relaxado, numa outra pegada agora.

Que bom! Esse é um disco que não dá vontade de pausar. Ele me lembrou Azymuth e um pouco de Guilherme Arantes. Você curte?
Eu conheci o Guilherme Arantes de um ano e meio pra cá… Ainda tô fixo em umas seis músicas apenas, mas gosto bastante. O Azymuth nunca ouvi!

Porra cara! É uma brisa bem boa. Acho que combina com quem curte Milton Nascimento, Clube da Esquina…

Gosto muito de ambos… ouvi muito na infância com meus pais. Em questões harmônicas acho que os mineiros não têm pra ninguém. Eu diria que eu me fundamentei muito também em artistas como Hermeto Pascoal, numa técnica de compor mais solta, meio livre de forma. Tem um grupo, do baixista do Hermeto, o Itiberê Orquestra Família, ele meio que vai cantarolando as linhas na hora, inventando de um jeito meio intuitivo, pra uma orquestrinha de jovens músicos iniciantes, e vai montando as músicas. Isso deu uma influenciada leve nos arranjos também.

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Foi quanto tempo de trabalho?
Mais ou menos 1 ano. De gravação uns 9 meses, e restante de edição, mixagem e tal.

Mais a bagagem dos trampos anteriores, né?
[Risos] Eu venho ajustando um foco de compor de uns 10 anos pra cá – num ritmo lento, claro. Foi uma experiência. Tem alguns procedimentos que usei nesse disco de meio que negar coisas que me incomodavam no disco anterior, o Desenho, e traçar alguns nortes com essa perspectiva, tipo "esse choque de nota aqui"… "essa maneira de cantar ali".

Agora uma dúvida genuína: qual o volume ideal pra ouvir o Almejão?
Cara… [risos] Eu tenho um problema com referência de som meio séria. Porque eu nunca tive um som bacana em casa pra ouvir minhas gravações. Sempre tudo meio chinfrim mesmo, caixa de som de computador ou de laptop, então eu tentei compensar isso numa boa captação que foi trabalhada num fone bacaninha que comprei depois. A equalização quem salvou foi o músico e produtor Thiago Nassif, em São Paulo.

Daí pra frente venho experimentando ouvir o Almejão de diferentes formas. Diria que num volume médio-alto, de preferência com uma boa gama de graves porque usei um baixo de 5 cordas, dei umas brincadas nas possibilidades.

Perfeito! Pra finalizar, quem fez a arte de capa? Não curto muito brócolis, mas adoro feijão, cachoeira e carne assada…
[risos] Eu que fiz… Ia ser uma ilustração similar ao álbum anterior, com essa paisagem. Mas decidi simplificar e fazer uma mega colagem. São mais de 50 elementos misturados pra fabricar essa cena bizarra. Faço as minhas capas e capas de alguns músicos que encomendam. Ulltimamente tô mais afastado disso, mas devo retornar.