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Música

O novo álbum solo do Leonardo Panço conecta música e literatura

‘Superfícies’ foi feito para ser lido e ouvido.

O Leonardo Panço é um cara que está há milianos no rolê underground. Lembro de quando eu era adolescente, leitor de fanzines, e sempre via o nome dele nas matérias atreladas à sua banda da época, o Soutien Xiita. Ele também fez parte do Jason e, pelo seu selo, o Tamborete, revelou nomes como o Gangrena Gasosa e Zumbi do Mato. Não se contentando apenas com a música, ele acabou se lançando na literatura. Até aqui, já publicou Jason 2001: Uma Odisseia na Europa, Esporro e Caras Dessa Idade Já Não Leem Manuais. Desde que deixou o Jason e rumou para a carreira solo, a ideia de conectar ambas as expressões, música e texto, amadurecia na cabeça dele. Tal proposta concretiza-se em Superfícies, o segundo álbum da nova fase, que vem encartado num livro repleto de pensatas curtas sobre diversos aspectos da vida cotidiana e existencial. É o sucessor de Tempos, que saiu em 2014.

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A princípio, ele não queria colocar os sons disponíveis no formato digital on-line. O conceito, afinal, era de que as pessoas pudessem ler os textos tendo o álbum como trilha sonora. Está tudo conectado, na cabeça do Panço, de modo indissociável. Mas a pressão dos novos tempos fez com que ele cedesse. Nesta sexta (29), já é possível curtir o pós-rock instrumental do artista em todas as plataformas. Curta o som enquanto lê o papo que tive com ele:

Noisey: Como pintou essa sua proposta de unir literatura, fotografia e música num mesmo projeto? Foi uma maneira que você encontrou de romper com os formatos musicais/criativos com os quais esteve envolvido anteriormente?
Leonardo Panço: As ideias foram vindo durante uma viagem de 35 dias fora do Brasil. Sempre levo bloquinhos pra escrever e na terceira semana apareceu uma ideia. E eram textos muito diferentes dos três primeiros livros. A partir daí comecei a rabiscar e juntar. Antes uma amiga me pediu fotos da viagem, mas não fazia sentido tirar fotos de turista, de lugares. Já tem essas fotos no Google. E comecei a tirar fotos de objetos, de superfícies, portas, chão, paredes, tudo que me chamava atenção. Em algum momento percebi que as imagens tinham uma unidade e o nome veio: Superfícies. Esse disco tem duas coisas: já queria fazer há muitos anos, tanto que algumas partes já existiam há muito tempo. E tinha tudo a ver com o momento já que ele seria bastante diferente do meu primeiro disco. Tudo se encaixava.

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Por que a sua estreia solo se chama Tempos? É um termo um tanto permissivos a significados, mas penso que significados especiais devem ter motivado a escolha. Que emoções ou ideias se escondem atrás dessa palavra?
Tempos foi uma piada comigo mesmo, mas fazia mais sentido com o nome original do disco: Tempos Fora do Tempo. É que eu sou meio perdido com os tempos dos riffs, faço umas coisas muito estranhas no sentimento, na criação. E não tenho muita noção disso. Quando fomos fazer os arranjos, o David e o Fábio Brasil (baixista e baterista) ficavam rindo de algumas coisas que eu tinha feito. Inclusive uma música foi feita com outro baterista (Pedro Schroeter). Em cima da hora eu resolvi simplificar e ampliar o significado dentro da minha cabeça. “Tempos” aí também já tinha a ver com tudo, né. Saída do Jason, os anos que fiquei na banda, o período que levei pra compor o disco, os meses sem encostar na guitarra depois da saída do grupo, etc.

Como você define essa pegada instrumental das suas músicas? Senti um lance meio Up On In, conhece? Quais são as suas influências aqui?
Vou deixar pras pessoas decidirem aí, mas não conseguiria citar influências. Talvez dez anos atrás eu tenha ouvido Tortoise e algumas coisas antigas possam ter a ver. Mas não conheço Up On In, vou procurar. Não sei tirar música de ouvido, só sei tocar o que eu mesmo faço, então até posso tentar tocar parecido com alguma coisa, mas sou meio torto nesses aspectos. Ó, acho que o uso da escaleta eu consigo citar um som sim: o “Canção de Apartamento”, do Cícero.

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Já que perguntei da sua influência na música, quero também saber de suas referências na escrita. Texto é música? Você demora para chegar à versão final de cada texto?
Comecei acho que com o óbvio. Kerouac e Bukowski. Mas confesso que tenho lido muito pouca coisa boa. Leio muito livro de rock, a maior parte é muito ruim. Tirando Patti Smith, Bob Mould, o livro – Para Colorir – do Ricardo Cury, de Salvador, que é foda, essas biografias são tão chatas que dói. Mas é o que tenho lido, gosto de rock, de música e leio tudo que me emprestam.

Este continua sendo um projeto sem a pretensão de ser apresentado ao vivo? Isso está fora do conceito ou você ficou de saco cheio de se arriscar em eventos miados?
Olha, eu resolvi me arriscar nessa turnê agora por São Paulo, pra ver como funciona, mas é uma participação minha no show do Derrota. O Superfícies novamente, assim como o Tempos, é difícil demais de ser reproduzido ao vivo. Tempos, por causa dos convidados de várias cidades. Superfícies, por conta de muitos instrumentos e a total ausência de dinheiro para ensaios e pagar os músicos. Então não estou indo pra estrada reproduzir os dois discos. Estou indo promover os dois, mostrar os livros, ir aonde não ia há muitos anos. A primeira coisa que vi quando comecei a ver a viagem foi de ser sempre nos menores lugares possíveis, pra ter uma atmosfera boa, um clima bom.

Como tem sido o processo de composição e gravação desses sons? Você chega já com tudo redondo e elaborado, e convida um pessoal pra executar os instrumentos? Tem sido mais fácil administrar músicos ou colaboradores convidados do que o relacionamento dentro de uma banda?
Redondo só eu mesmo. Chego com os riffs, com as ideias, mas daí quem entra às vezes leva as coisas pra um lado que eu não esperava, o que é sempre bom. Chego com muitas ideias, com anotações de “nessa faixa cabe um teclado meio Legião”, “nesse, um teclado New Order”, “naquela ali, não quero letra, só vozes” (“Tempo Templo”, com Nancy Viegas), e por aí vai. Banda, realmente não me vejo mais tendo, não. Tudo é possível, mas acho que meu tempo já foi. Agora vou fazer nesse formato de participação no show do Derrota, na turnê de São Paulo, talvez vá pro nordeste, com o Vamoz de banda de apoio. Pra mim tem funcionado muito bem assim, compondo em casa tranquilão e só indo pro estúdio no último minuto.

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Cada um de seus outros livros - Jason, 2001, uma Odisseia na Europa, Caras Dessa Idade Já Não Leem Manuais e Esporro – seguem recortes de texto distintos entre si. Superfícies, por sua vez, já vai numa outra direção. Você ainda está em busca do seu "eu" narrativo? Até onde pretende chegar com a literatura?
Eu gosto bastante do meu jeito de escrever. Claro que os três já foram escritos há tempos e eu mudaria umas coisas, com certeza. Então não estou em busca do meu “eu”, não. Esse “eu” está sempre em mutação naturalmente. No momento quase tudo que tem saído novo tem mais a ver com o Superfícies, mas muito mais soturno, pra baixo e triste. Rio quando os amigos acham que tem muita morte envolvida, perguntam se estou bem. Está tudo bem. Ou quase. E pretendo continuar escrevendo, tenho várias ideias, mas que carecem de um tempo que não possuo.

O Leonardo Panço toca em São Paulo:

*Depois desse evento, rs!, que é no Rio:
1/5, na feira de zines Zinestesia, no Submundo Bar, em Volta Redonda/RJ. + infos: fb.com/submundoprocultura.

2/5, a partir das 18h, na Ugra Press, em São Paulo. Grátis.
4/5, a partir das 19h, na Casa Coletiva King Chong, em Limeira. Grátis.
5/5, a partir das 20h, no Estúdio Cabrera, em Americana, com Lighthouse & Derrota. R$ 5.
7/5, a partir das 16h, no Mofo de Ouro, em Sorocaba, com Derrota + Lucas Macedo e Julia Bortoloto. R$ 6.
8/5, a partir das 16h, no Casarão Music Studio, em Piracicaba, com Derrota + Lucas Macedo + Julia Bortoloto com Institution e Nothing In Between. R$ 10.
10/5, a partir das 20h, no Hotel Bar, em São Paulo, com Leo Cuccati + Jesse Cleber + Carneiro (Mickey Junkies). Grátis.
13/5, a partir das 19h, na Casa Amarela, em São Bernardo do Campo, com Rusty Trigger & Derrota. R$ 10.

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