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Tecnologia

Como a Internet Ajudou as Pessoas a Fundarem Seus Próprios Países

Os chefes de estado de Molóssia, Vikesland e Calsahara buscam o reconhecimento online.
Crédito: Léo Delafontaine

Existem dois tipos de pessoas que fundam seus próprios países. O primeiro grupo é dos tecno-utopistas libertários que sonham com paraísos fiscais e vidas em iates no alto mar; eles existiram nos anos 70 e ainda estão por aí. O segundo grupo é mais difícil de definir: são pessoas que tomam um pedacinho de terra, por vezes até o próprio quintal, e se proclamam soberanos. Se não houver espaço no mundo real, eles fincam suas bandeiras na internet.

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Nem sempre está claro se esses países inventados – as tais "micronações", como preferem os entendidos – são físicos ou só um site com declarações falsas. De qualquer forma, essa galera está ganhando exposição na mídia, como foi o caso de Liberland, novo estado libertário na fronteira servo-croata, durante o mês passado. Tinha mesmo gente morando lá? Era um golpe? Ninguém sabia ao certo, mas Liberland tem um site com jeitão de oficial e grande presença na rede entre aspirantes à separatistas. Foi o suficiente para conferir certo ar de legitimidade.

A situação curiosa de Liberland – entre a dura realidade geopolítica e as inverdades da internet – me fez pensar: como a rede influencia esse esquema de fundar seu próprio país? Para descobrir, entrei em contato com as pessoas que saberiam mais do assunto. Estou falando de gente que fundou suas próprias nações, como Kevin Baugh, presidente da República da Molóssia.

Crédito: Wikipedia

Baugh fundou a Molóssia ainda criança, em 1977. Na época, o quintal era seu reino. Quando cresceu, comprou um hectare de terra em Nevada, no oeste dos Estados Unidos, e o tomou como território molossiano. Mas no final dos anos 90 houve uma grande expansão fora do mundo palpável: seus domínios se estenderam à internet.

De acordo com Baugh, um site se tornou o tijolinho básico para fundar a própria nação; caso queira que ssua micronação seja encarada como algo legítimo, o, ahm, "chefe de estado" precisa abrir uma página online. E não adianta deixar o site paradão: segundo os donos desses países, o mais importante é fomentar uma comunidade de fundadores de nações que interagem e aprendem uns com os outros.

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"A possibilidade de se ter um site deu à luz ao movimento micronacional moderno – a internet o criou", me disse Baugh ao telefone. "Se você parar para pensar, no mundo pré-internet, você não tinha como pesquisar o que as outras pessoas estavam fazendo."

Eric Lis, que fundou o Império Aericano em 1987 também na infância, na casa de seus pais, concordou em grande parte com Baugh sobre o impacto da internet na fundação de uma micronação.

"Pudemos descobrir que existiam países fundados em casa por aí, e que até mesmo existia um termo para isso, o micronacionalismo", disse Lis. "Nada encoraja mais o crescimento do que a descoberta de que você tem rivais ou parceiros no crime. A internet possibilitou que mais pessoas soubessem de nós e se inspirassem."

"A possibilidade de se ter um site deu à luz ao movimento micronacional moderno – a internet o criou."

"Quanto àqueles que fundaram suas nações recentemente, no período em que já existia Google e redes sociais, a internet é ainda mais soberana. Travis McHenry administra sua pequena nação na Califórnia Calsahara desde 2009 como "Rei Montague"."Dependendo do quão legítima você consegue fazer sua micronação parecer, um bom site pode levar à ampla publicidade, um aumento nos pedidos de cidadania e maior renda por meio de vendas de moedas, selos ou seja lá o que o país vender", afirmou, via email. "Ter um bom site é tão importante que estamos esperando o nosso ficar pronto para anunciarmos a criação do país!"

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McHenry é um caso à parte. Ele fundou outro país chamado Westarctica em 2001, que era, para todos os fins, apenas um site. Agora, a nação de mentirinha serve como veículo de conscientização para questões ambientais no Ártico. Somente em 2009 ele tomou posse de um pedaço de terra na Califórnia como território de Calsahara – mas isso faria de Calsahara mais verdadeira que Westarctica? Quão legítima pode ser uma micronação se esta pode ser reduzida a uma bandeira falsa com um site espalhafatoso?

"Creio que agora criar uma micronação seja tão fácil quanto fazer um site e uma bandeira e todos esses outros aparatos de um estado", disse Christopher Beyette, que fundou seu próprio país, Vikesland, em 2005, enquanto trabalhava em um projeto de documentário, agora abandonado. "De fato a maioria das micronações existentes são clubes virtuais sem qualquer patrimônio físico", afirma. "Por mim tudo bem, é divertido, mas acredito que qualquer micronação que queira ser levada a sério tem que surtir algum efeito sobre o mundo real e ter alguma presença nele de alguma forma."

Aqui parece haver um consenso entre os micronacionalistas: tudo bem ter um site, mas você tem que fazer algo em seu país para legitimá-lo. A internet talvez tenha facilitado que mais pessoas se juntem, troquem dicas e conheçam esse panorama mundial dos países- startup, mas isso não significa que todas as nações sejam iguais quando se fala de internet.

"Vá lá e faça algo, para que não seja só um site, tenha algo no mundo real", disse Baugh. "Este é meio que meu mantra: um site é um espelho do que você faz com a sua nação. É um meio de informar as pessoas sobre seu país, não o seu próprio país."

Molóssia, Vikesland e Calsahara parecem mais "legítimas" que, digamos, Broslavia, o projeto com base na internet de um moleque do Novo México chamado Jacob Felts. Mas, quando se fala de começar o próprio país, seja lá o que for que uma nação falsa tenha de vantagem sobre a outra, a internet é mesmo a grande equalizadora.

Tradução: Thiago "Índio" Silva