FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Há 600 Milhões de Anos, o Brasil e a África Tiveram um Himalaia

Há 610 milhões de anos isso aqui era tudo mato. Mas tinha também o Himalaia afrobrasileiro.
O Himalaia afrobrasileiro era tão grande quanto o Himalaia de verdade. Crédito: A.Ostrovsky/Flickr

Há 610 milhões de anos isso aqui era tudo mato. E, segundo o geólogo Carlos Ganade de Araújo, também era uma gigantesca cadeia de montanhas com magnitude equivalente às mais altas formações atuais – com direito a neve e picos elevados. Talhada como uma cicatriz sobre o que fora o supercontinente Gondwana, a cordilheira ia do centro do Brasil até a África ocidental criando, assim, um Himalaia afrobrasileiro.

Publicidade

"Ele se estendia desde a Argélia, passando por Mali e Togo, na África, e continuando pelo nordeste do Brasil — possivelmente até o centro do país, próximo a Brasília", me disse o Carlos. Ele divulgou sua descoberta recentemente em um artigo revista Nature. O texto é filho de sua pesquisa de quatro anos que também revelou a importância dessas montanhas para a evolução da vida na Terra.

"Nós acreditamos que há 600 milhões de anos esta grande cadeia de montanhas começou a ser erodida e acabou jogando nos oceanos uma grande quantidade de sedimentos que serviram de alimento para os seres menos complexos", afirmou. Além de alimentarem algas que aumentariam o oxigênio dos oceanos, esses componentes minerais também serviu para que formas de vidas simples caminhassem em direção a estruturas mais complexas.

Não fosse esse sertão às avessas, a presença desses pequenos seres fundamentais para a evolução da vida estaria comprometida. "Neste período estavam surgindo no registro fóssil os primeiros animais mais complexos, com o corpo mole", me contou o Carlos. Embora não dê pra imaginar dinossauros caminhando sobre um nordeste montanhoso e gélido, a vida desses caras — e a nossa — deve um bocado a essa formação.

Para confirmar sua tese, o Carlos analisou rochas cujos minerais só poderiam ser forjados bem abaixo do solo. "Elas teriam se formado próximo à superfície, como uma lava vulcânica, e somente depois foram metamorfizadas, quando em condições de pressão e temperatura equivalentes a uma coluna de rochas com mais de 90 km", afirmou ele. São rochas que o pesquisador encontrou numa região de 2.500 km entre Brasil e continente africano.

Apertando a Terra. Crédito: Carlos Ganade de Araújo

A formação delas está associada à colisão de placas tectônicas. No processo, chamado subducção, uma das placas é empurrada Terra abaixo. A grosso modo, a placa que desce carrega rochas da superfície; a placa que fica por cima serve de base a cadeias montanhosas como reflexo da força da porrada global. É o caso dos Alpes, da Cordilheira dos Andes, do Himalaia e do Orógeno Gondwana Oeste — o nome de certidão da coluna afrobrasileira.

A pesquisa do Carlos foi realizada pela USP em parceria com pesquisadores da Austrália e da França. O último estágio do estudo constatou, a partir de elementos radioativos das rochas, que a formação teria nascido há 610 milhões de anos, chegando a seu fim dez milhões de anos depois. "Hoje a área onde existia essas grandes montanhas tem um relevo bem menos imponente pois elas foram erodidas. O que temos hoje são apenas as raízes delas."