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Desporto

Maus árbitros, bons resultados

Deixem o futebol ser como é.

No passado dia 2, a FIFA tornou oficial o recurso à tecnologia nos estádios, um projecto antigo que passa a ser realidade. Objectivo: evitar alguns dos erros das equipas de arbitragem, como, por exemplo, a anulação de golos claros. Com esta decisão, o futebol deixa de ser um desporto intocável.

Estava lua cheia e muito frio em Joanesburgo. Ia com uns amigos e outros jornalistas até à Soccer City para ver o jogo do México contra a Argentina a contar para os oitavos-de-final. A história já todos a conhecem: o México foi eliminado pela Argentina de um Mundial, pela segunda vez consecutiva. Contudo, este jogo trouxe uma novidade relativamente ao de Leipzig na Alemanha, quatro anos antes, onde também estive e no qual a Argentina venceu os mexicanos dentro das regras e com o melhor golo do torneio. Na África do Sul tudo mudou com o golo do Tévez, assistido por Messi, em fora-de-jogo. O futebol é assim, dirão alguns.

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Nesse mesmo dia, 27 de Junho de 2010, a Inglaterra foi derrotada pela Alemanha, também por culpa de uma má decisão do árbitro. Foi

um golo do Lampard

que o árbitro não viu, mas que entrou na baliza depois de embater na trave. Nesse dia, a discussão sobre a implementação de tecnologia que impeça que este tipo de erros influenciem o resultado ganhou um novo fôlego. A Inglaterra teve de ser eliminada com batota para que a FIFA acordasse para o problema.

Como disse Cruyff: o futebol, ao contrário dos outros desportos, está dependente dos que cometem os menores erros. É o único desporto que não se joga com as mãos ou com um instrumento que se manipule com as mãos e isso é que o torna tão belo. Por que não deixá-lo assim? Se há algum subproduto futebolístico é a polémica, os malabarismos televisivos, os anúncios, toda a conversa de café que gira em torno das justiças e injustiças do jogo de domingo passado. O futebol puro gera uma série de discussões na nossa mente, nas nossas conversas, no país inteiro. Toda a gente tem opinião.

Não acredito em conspirações sobre se existe ou não uma sociedade de répteis que controla o mundo. Acho que os desportos são como são e que servem para manter o povo entretido enquanto o mundo gira. Por mera coincidência, aqui há duas semanas, o presidente da comissão de arbitragem do campeonato mexicano, Rafael Mancilla, confessou que as televisões lhe pedem que nomeie maus árbitros para que, quando houver erros, as audiências sejam melhores.

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Ainda pior: nos quartos-de-final da Champions deste ano, o Málaga foi eliminado num jogão em que o adversário, o Borussia Dortmund, marcou dois golos no último minuto, ambos em fora-de-jogo. O dono do Málaga, Abdullah Al Thani, acusou a UEFA de racismo,

argumentando que

 o organismo que tutela o futebol europeu quis

 eliminar a equipa espanhola por ter um dono muçulmano. Aliás, vários jogadores do Málaga culparam o Michel Platiní, presidente da UEFA, de preferir, por interesse económico, uma equipa alemã nas semi-finais da Liga dos Campeões.

Volto ao início. Tudo isto faz com que o futebol triunfe sobre os lucros e prejuízos das equipas, das televisões e dos patrocinadores. O futebol ganhou porque, tal como a própria vida, continua a ser injusto e porque, no dia seguinte, são gastos litros e litros de tinta e gigabytes a analisar as decisões dos árbitros. O futebol ganha sempre porque as pessoas em Espanha, na Alemanha, em Portugal ou na China, enfim, no mundo inteiro, não param de falar de futebol e das polémicas à sua volta.

Resumindo: a introdução de tecnologia é a pior decisão que a FIFA poderá tomar e, caso isto vá para a frente, irá desvalorizar o jogo. Não é que esteja contra os ingleses, mas não dão uma para a caixa. Até agora, apenas conseguiram pressionar a FIFA e obrigá-la a ceder nesta cena tecnológica. Para não parecer mal,

a liga inglesa vai implementar a mesma tecnologia

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nos seus estádios e a liga espanhola vai pelo mesmo caminho.

Nem sempre as lendas do desporto são pessoas: às vezes são momentos inesquecíveis em que um ser humano consegue coisas incríveis. As vitórias e as façanhas, mesmo que nasçam de injustiças. O melhor exemplo é a mão de deus do Maradona. Deixem o futebol ser como é. Só com os seus defeitos é que será o desporto rei.

Aqui podem

ver o vídeo com a investigação que a FIFA

fez para decidir que tecnologia usaria na linha de golo.