Larica das frutas

Foto: Keep on i/ Flickr

Fome, diz o dicionário, é aquela urgência de meter uns rangos barriga adentro. Já a larica, segundo o mesmo, é a sensação de fome causada pelo uso de maconha. Não há um número certo para isso, mas podemos chutar que 10 entre 10 usuários da erva sentem a tal da "lara", como é carinhosamente apelidada. A grande questão é que, quando chapado, o sujeito fica vulnerável. Entrar no elevador com alguém carregando uma pizza é uma tortura. Ir até a padaria e observar aquela vitrine de doces e salgados e ainda conseguir escolher algum deles é mais difícil que a raiz quadrada de pi. Dentre tal população, há quem se jogue nas delícias do mundo culinário sem fronteiras e medo de ser feliz. Há quem se refestele comendo pão francês com leite condensado, ingerindo cenoura crua com açúcar, comendo um pacote de bolacha de chocolate inteiro, fritando bacon às três da manhã, pedindo comida mexicana, fazendo miojo, comendo Cheetos e tomando um litro de refri. Porém, como tudo na vida tem dois lados, tem gente que não é passarinho, mas prefere comer frutas. Sim, frutas. Mais baratas (estamos falando de maçã, e não de pitaya). Naturais. Sem corante. Talvez com um pouquinho de agrotóxico. Ainda assim, doces.

A jornalista Andreza, 24, assume já ter comido sete pedaços de pizza numa tacada só. Resolveu adotar hábitos alimentares menos opulentos porque a ressaca moral pesava. "Eu acordava estragada, me sentindo gorda, um lixo", relata. Já quando se debruça sobre a fruteira de sua casa, e apela para granola e vitaminas como complementos do combo lariquento fitness, o dia seguinte é outro. "Acordo mais enxuta e me sinto a campeã da porra toda." Porém, nenhum usuário de maconha pode afirmar ter limites quando a fome boçal o acomete. Andreza não resiste à tentação e come mamão todo dia. Todo dia mesmo. Quando percebe que a fruta está cumprindo seu papel natural exageradamente em seu trato gastrointestinal, parte para outras espécies, como o melão.

Achar que comer muitas frutas de uma só vez pode ser melhor do que aquele hamburgão mal passado na madruga boladona também tem suas implicações, já que banana, mamão, manga, melancia e frutas secas contém alta concentração de índice glicêmico. "A curto prazo, uma ingestão elevada de frutas com alto índice glicêmico poderia provocar um aumento abrupto de insulina, que pode causar fadiga", pondera o nutricionista e mestrando em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) Alisson Machado. "A longo prazo, é discutível se isso poderia ser um fator de risco para diabetes. Há uma certa controvérsia se uma dieta com alto índice glicêmico ou não está associada ao desenvolvimento da doença", explica.

Mas, a não ser que você seja um amalucado por frutas e só coma isso o dia todo, obviamente, o resultado é benéfico, principalmente por serem fontes de diversas vitaminas. "Principalmente em relação a quem tem o hábito de comer alimentos mais calóricos ou de baixo valor nutricional à noite ou de madrugada", frisa o nutricionista.

O que fica no ar é: de onde vem essa fome monstruosa, essa vontade de comer a parede com sal, de fazer brigadeiro, pedir dois sundae com cobertura extra ou de devorar dois quilos de mamão (como nossa entrevistada Andreza)? A ciência nos explica. Ou melhor, o brasileiro Bernardo Stutz, pesquisador de pós-doutorado do Comparative Medicine Department da Escola de Medicina de Yale, nos EUA. Em 2015, o departamento publicou um estudo sobre o assunto. "A pesquisa foi realizada em camundongos e ajuda a compreendermos os mecanismos envolvidos no aumento do apetite. Lembrando que os mecanismos cerebrais que o controlam o são diversos e complexos", pontua o pesquisador.

Dentro do seu cérebro existe uma massa cinzenta chamada hipotálamo. É nesse lugar que os neurônios geram sinais de fome e saciedade. Quem manda ver nos sinais de saciedade é um neurônio chamado POMC. Até aí, tranquilidade total. Mas, durante o estudo, os pesquisadores perceberam que, ao inalar o THC, os receptores de canabinóides do tipo 1 faziam o POMC gerar não a saciedade, e sim a fome.

Bernardo explica, porém, que essa não é uma resposta definitiva. "O estudo aponta um dos vários possíveis mecanismos envolvidos nessa fome", disse à VICE, que aguarda a ciência desmistificar cada vez mais esse grande mistério da humanidade.

Sem muitas respostas e com muita curiosidade pra saber como funciona, na prática, a vida de quem trocou deliciosas gorduras e porcaritos em geral pelas frutas, resolvemos fazer algumas perguntas sobre o estilo de vida de um lariquento saudável. Leia abaixo as entrevistas, que foram editadas para melhor compreensão.

VICE: Como costuma ser sua larica? Normal, moderada ou violenta?
Andreza: Violentíssima.

Quando você começou a comer frutas na larica? Como era antes?
Como eu gosto muito de mamão, sempre tem em casa e, na larica, eu faço vitamina. Mas passei a comer melão quando estava de dieta e um amigo disse que melão gelado era uma delícia. É maravilhoso mesmo, mas, às vezes, dá vontade de comer brigadeiro, pizza, arroz e feijão… Quando não tem fruta eu mando ver no que tiver em casa.

Quais as suas frutas preferidas? Relate melhores sensações.
Melão e mamão. Uva sem caroço também é top, mas eu coloco mel e granola junto. Bato mamão com leite e açúcar e tomo tudo. É fresco e enche a barriga. E eu não me sinto culpada por estar comendo um monte de merda.

Já deu ruim de tanto comer fruta?
Só mamão, porque solta o intestino, né. Mas eu como todo dia, então, quando dá piriri eu corto um pouco.

Por que a melhor opção da larica é comer fruta?
Por que você não acorda no outro dia passando mal de tanto comer. Eu costumo fumar um à noite, aí, como pra caralho e vou dormir. Eu e um amigo já chegamos a comer sete pedaços de pizza na lara… Aí, eu acordo estragada, me sentindo gorda, um lixo. Quando estou em casa e como fruta, vitamina, granola e tal, fico feliz. Acordo mais enxuta e me sinto a campeã da porra toda.

VICE: Como costuma ser sua larica? Normal, moderada ou violenta?
Gabriel: Violenta. Muito violenta. Há uns anos, eu dividia apartamento com um rapaz, e esse rapaz fazia uma dessas dietas que eles mandam todas as refeições do seu dia em marmitas organizadas em café da manhã, almoço, jantar, ceia, lanchinho e tal. Ele tava numa semana meio corrida no trabalho e não conseguiu seguir nenhuma das refeições, deixou tudo estocado na geladeira de casa. Uma certa madrugada, a larica monstra chegou e eu comi o equivalente a uma semana de refeição dele durante um episódio de Friends.

Quando você começou a comer frutas na larica? Quais as suas preferidas?
Comecei quando percebi que tinha que fazer uma escolha, ou continuava a fumar maconha, ou continuava a ter uma cintura. Minha larica só acaba quando eu estou completamente cheio de comida no meu corpo e não consigo mais me mexer. Por isso tentei atrelar esse sentimento as comidas saudáveis. Saladas não funcionam. É uma bosta querer comer uma pizza e tentar substituir por alface, não recomendo. Daí, um dia, tentei levar a metade de uma melancia pra casa pra controlar esse monstro que existe dentro de mim. A surpresa: o monstro não apenas se acalmou, como foi uma experiência maravilhosa. Doce, geladinho e você ainda se meleca todo pra comer.

Quais frutas você não recomenda?
As azedas, porque o gosto potencializa muito. Morangos, por exemplo, parecem uma ótima idéia, mas quando você tá chapado, parece que tá comendo um limão vermelho de tão azedo.

A melhor sensação é comer as benditas como um bichão mesmo, com as mãos, deixando o suco da fruta cair na roupa.

Já deu ruim de tanto comer fruta?
A melhor parte: nunca dá ruim! Você dorme feito um neném depois e acorda novo em folha. Hidratadíssimo.

Por que a melhor opção da larica é comer fruta?
Porque larica de tranqueira é bom, muito bom, mas é foda acordar com azia porque mandou 10 esfirras às 3h da manhã. Ou aquele sentimento de derrota social quando vê a caixa da pizza em cima da pia antes de ir trabalhar. Cê acorda tranquilão, com a pele boa, cheio de fibra e pronto pra outra.

VICE: Como costuma ser sua larica? Normal, moderada ou violenta?
Carolina: Minha larica costuma ter dois níveis. Eu inicio como uma fera após acordar da hibernação, belisco tudo ao redor enquanto dou uma de mestre cuca com os ingredientes que me aparecem e diminuo o ritmo quando adormeço. Digamos que é longa.

Quando você começou a comer frutas na larica? Como era antes?
Foi quando aprendi aquele ditado "an apple a day keep a doctor away" e percebi que podia ingerir açúcar e continuar vivendo depois de tanta fartura.

Quais as suas preferidas?
Sabe que eu gosto muito das uvas passas gordinhas, com aquela suculência elementar, e também de berries, que como tipo amendoim. Lichia também é bem show, aquela gosminha é tão refrescante.

Por que a melhor opção da larica é comer fruta?
Às vezes, o subconsciente lariquento quer algo salgado e mais gorduroso, mas sem dúvida a opção da fruta faz você se sentir mais leve, cheio das vitaminas que precisa e sem muito paranauê: só sacar e comer.

VICE: Como costuma ser sua larica? Normal, moderada ou violenta?
Fernando: Bem normal, só no começo da vida de maconheiro que era violenta.

Quando você começou a comer frutas na larica? Como era antes?
Quando faltou dinheiro pra pedir delivery e bateu a preguiça de sair, a fruta foi a opção que sobrou.

Quais as suas preferidas? Relate melhores sensações.
Banana, além de minha fruta preferida não é muito doce.

Já deu ruim de tanto comer fruta?
Já deu ruim com goiaba e mamão, uma prendeu a outra soltou, vai embora toda brisa.

Por que a melhor opção da larica é comer fruta?
Porque além de ser saudável e barata, é também a mais cômoda.

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