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Conheça os Heroicos Pescadores Gregos que Estão Salvando Refugiados da Morte no Mar Egeu

Homens simples como Kostas e Thanasis estão ajudando a resgatar refugiados há uma década, mas esse ano, o número de pessoas que precisam da ajuda deles é muito maior.

Bote de refugiados rebocado pelo pescador Kostas Pinteris chega ao porto Skala Sikaminias. Todas as imagens pelo autor.

Até o presente momento de 2015, mais de 200 mil refugiados desembarcaram na ilha grega de Lesbos, no leste do mar Egeu – o ponto de entrada mais comum na Grécia para aqueles fugindo da guerra na Síria. Cruzar o mar entre a Turquia e Lesbos só leva uma hora, mas é perigoso e, muitas vezes, pode ser mortal.

Os botes infláveis frágeis onde os refugiados são amontoados por contrabandistas estão sempre superlotados e frequentemente afundam com o tempo ruim. Às vezes, eles são parados no meio do mar por homens que as pessoas dizem ser bandidos turcos exigindo dinheiro. O partido político de extrema-direita Aurora Dourada também tem interceptado os botes e destruído seus motores. Adultos e crianças se afogando no mar são uma ocorrência semanal.

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Centenas de voluntários da Europa vão à ilha todos os meses para ajudar os refugiados recém-saídos dos barcos, fornecendo comida, abrigo e transporte. No entanto, alguns dos agentes humanitários menos conhecidos da crise são da própria ilha: pescadores gregos que estão salvando refugiados no mar há, pelo menos, uma década; além disso, como o número de imigrantes atingiu o pico no verão, o papel deles também cresceu significativamente.

A guarda costeira grega ilumina um barco de refugiados chegando a Lesbos.

"Ajudamos refugiados há dez anos", me diz o pescador Thanasis Marmarenos. Eles chegam a Lesbos do Iraque, Afeganistão, Somália, Eritreia e outros países desde 2005, e os números variam desde então – embora o caso atingisse um nível sem precedentes neste ano. Em 2007, por exemplo, estima-se que 10 mil refugiados desembarcaram em Lesbos, Samos e Quios. Até agora, em 2015, as estimativas são que mais de 220 mil refugiados tenham desembarcado só em Lesbos.

"No passado, como era ilegal entrar na ilha de barco, as pessoas vinham até a metade do caminho e destruíam seus botes", conta Thanasis. "Nós os salvávamos quando eles estavam na água." Agora, segundo ele, dezenas de botes superlotados são pesados demais para conseguir chegar à ilha.

Os motores geralmente são baratos e quebram facilmente. A guarda costeira grega resgata quantos botes consegue, informa Thanasis; no entanto, com apenas dois barcos de resposta, eles estão sobrecarregados. "Ajudamos botes todas as noites. A guarda costeira grega não tem muitos barcos e não consegue cobrir o mar todo – por isso, ajudamos."

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Pescadores ajudam mulheres e crianças que resgataram refugiados de um bote que afundava.

Thanasis tem 62 anos e pesca há 50. Ele vive a alguns metros do porto e fica observando com binóculos quando está pescando na costa. Se vê um bote em perigo, ele avisa outros pescadores e a guarda costeira e manda ajuda. "Quando encontro o bote, digo: 'Mulheres e crianças primeiro'. Mas, muitas vezes, as pessoas entram em pânico e todo mundo tenta embarcar ao mesmo tempo", ele frisa. Ele leva as mulheres e crianças até o porto em seu próprio barco, depois volta para rebocar os outros. "Tenho medo de ir ajudar, já que muitas vezes os homens tentam entrar no meu barco e ele pode ficar muito cheio. Isso é um grande problema", ele destaca.

Thanasis trabalha em Skala Sikaminias, uma pequena cidade portuária na costa norte da ilha, perto do local aonde a maioria dos barcos chega. Seu barco é um dos 4 de 30 usados regularmente para salvar refugiados. "Alguns dos pescadores são racistas. Eles não querem os sírios aqui", ele fala. "Uma vez, vi um pescador num barco grande rir quando viu um bote de refugiados com problemas. Há sempre brigas entre os pescadores que ajudam e os que não ajudam."

Kostas Pinteris, um dos quatro pescadores de Skala Sikaminias que ajuda os botes de refugiados com problemas todas as noites.

Kostas Pinteris, 40 anos, é outro pescador que resgata botes de refugiados regularmente. Ele quer ajudar, porém isso tem um preço psicológico. "Encontramos corpos na água e nas praias", ele lamenta. "Um mês atrás, na praia Tsonia, apareceu o corpo de uma mulher. Um dos pescadores me disse: 'Preciso de um psiquiatra, não consigo mais ver esses cadáveres'. Se algo dá errado, você se sente culpado. Tudo pode acontecer."

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Por volta das 20 horas, Kostas recebe um telefonema da guarda costeira: um bote foi visto a cerca de uma milha no mar, sem se mover. Eles perguntam se Kostas pode ir ver o que está acontecendo. Corremos para seu barco de pesca. Cerca de dez minutos depois, um bote de refugiados passa por nós – eles apontam para a escuridão atrás deles, gritando "naquela direção". Encontramos o bote com problemas: muita água entrou e o motor parou. Eles jogam uma corda para Kostas, e nós os rebocamos até o porto. O mar está agitado. As pessoas atrás de nós parecem aterrorizadas enquanto o bote balança de um lado para o outro. Entretanto, quando entramos no porto, o medo vira comemoração. As pessoas acenam e gritam. Voluntários ajudam os refugiados a sair do bote e entregam cobertores de emergência. "Vida", resume Kostas, dando de ombros.

Uma criança síria salva pelo pescador Kostas Pinteris recebe um cobertor de emergência de uma voluntária.

Kostas diz que a União Europeia não está fazendo o suficiente para responder à crise. A Frontex, uma operação conjunta entre vários países para coordenar o policiamento das fronteiras da UE, é uma das organizações trabalhando em Lesbos.

"Em setembro, comuniquei um incidente para a guarda costeira", ele conta. "Um homem estava no meio do mar já fazia meia hora; um barco da Frontex estava perto dele, sem fazer nada. Eu disse para a guarda costeira grega: 'O que a Frontex está fazendo? Tem um homem ali, e ele vai morrer. Por que eles só estão observando?'. Depois de meia hora, fui ao mar e salvei o homem eu mesmo. Por que a Frontex está aqui? Eles recebem dinheiro. Pra quê? Para ver as pessoas morrerem?"

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Uma mulher é tirada de um bote de refugiados resgatado por Kostas.

Com a guarda costeira sobrecarregada e a UE fazendo muito pouco para ajudar, os pescadores estão na linha de frente de apoio aos barcos com problemas, recebendo pouco ou nenhum apoio.

"Ninguém ajuda, ninguém nunca dá nada", critica Kostas. "Tive de pagar € 200 [quase R$ 900] por um telefone à prova d'água porque a guarda costeira está sempre me ligando. Mas eu não estava esperando nada mesmo. Estamos ajudando porque somos humanos. Vemos isso bem na nossa frente e não podemos ignorar."

As coisas vão ficar muito mais difíceis quando o inverno chegar e o mar ficar mais agitado, reitera Thanasis. "Tenho medo do dia em que o tempo estiver muito ruim e eu não puder ir ajudar. Só temos barcos pequenos e, com tempo ruim, não podemos zarpar. Não quero ver esse dia. Tenho medo pela vida dos refugiados e pela minha quando esse dia chegar."

Obrigado a Elisabeth Dimitras, Toula Koutalelli e Liza Nanasou pela tradução.

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Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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