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Conheça os irmãos que estão fazendo a previsível cena clubber londrina ser legal de novo

Filhos de mãe chilena refugiada em 1973, Kamixlo e Uli K misturam luta livre, nu metal e reggaeton na Bala Club, a nova festa hype (só que boa) da Inglaterra.

Kamixlo e Uli K.

Enquanto a internet continua a democratizar o acesso à arte e à cultura, é inevitável que todos os sons e visuais esquisitos e diferentes que você encontra na rede comecem a afetar a produção criativa de quem os absorve.

Kamixlo e seu irmão Uli K, de Londres, são um exemplo perfeito de como isto está acontecendo na música. A sua mistura de rap com reggaeton se estrutura tanto em baladas quanto faixas de pista e é cheia de vocais ao vivo, melodias cintilantes e bumbos submarinos. É um som muito moderno, que talvez não pudesse ter sido imaginado alguns anos atrás. O visual deles — provavelmente melhor descrito como uma espécie de Coal Chamber latino e espacial — chamou a atenção do mundo fashion, e o fotógrafo David Sims já fotografou a dupla para a revista Arena HOMME+.

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As suas origens, as suas influências, o seu visual, o seu som, a sua filosofia e a festa que eles comandam foram criados em algum lugar entre as suas duas pátrias, Inglaterra e Chile. Eles são pé no chão e conscientes e, ao mesmo tempo, alienígenas e ultrajantes. Tudo neles é diametralmente diferente das legiões de homens de camiseta que tocam "Pulse X" em armazéns lotados de universitários todo fim de semana.

Com a sua festa, Bala Club — e a sua noite irmã, Endless, assim como outros eventos, como a Trance Party, do Evian Christ, e a Tropical Waste, da NTS — Kami e Uli são expoentes de uma cena que continuamente se opõe a uma vida noturna cada vez mais previsível, em que promoters subestimam a clientela, oferecendo a mesma fórmula toda semana. Não estou sendo hiperbólico quando digo que o último mix da Bala Club é a coisa mais empolgante que vi sair da Inglaterra em anos.

Quando os conheci no Nando's de Brixton, cercados por policiais de folga comendo frango apimentado, ficou claro que eles têm uma forte opinião sobre o assunto. "É tanto a música quanto as pessoas", diz Kami, que, com seu cabelo azul escuro, me lembra um jovem Marc Bolan. "Se tem uma vibe muito macho ou bruta, não curto. Ou se os DJs tocam um gênero só, acho que esse é o bagulho mais entediante que você pode fazer."

Uli, o irmão mais velho, continua: "Sabe, você vai para uma noite de grime e ouve o mesmo BPM a noite inteira. Isso é meio entediante, porque, se você tem a plataforma para fazer algo, deveria tentar fazer algo novo. Por que fazer o que todo mundo está fazendo? A menos que você só esteja querendo ganhar dinheiro, o que é bom, se você pode, mas tipo, seja inovador e crie o seu próprio mundo".

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Alguns dias depois, nos encontramos no apartamento da mãe deles em Loughborough Junction um bairro do sul de Londres nascido de uma expansão urbana do pós-guerra, tomado de prédios medianos onde eles estão trabalhando em uma mix, transformando um sample vocal da finada banda de screamo The Used em um reggaeton cabuloso. Estou surpreso que eles se lembrem do The Used, com os seus vinte e poucos anos, mas o nu-metal — além de outro marco da cultura americana da era Bush, o wrestling — teve uma influência massiva sobre o que eles fazem.

"Acho que só assistíamos a muita televisão quando éramos crianças. Víamos muito wrestling, e o nu-metal era popular na época. Quando éramos pequenos, com uns sete ou oito anos, parecia muito diferente quando trocávamos de canal e víamos isso", diz Uli. "Parecia que todo mundo estava ficando meio louco no final do anos 90, como se tudo estivesse ficando cada vez mais ridículo. Quando você é criança, parece um mundo completamente diferente."

A dupla definitivamente tem uma ligação fraternal única — referências, filosofias e até o jeito de falar em comum. Uma infância inusitada parece ser pelo menos parte do motivo para esta intimidade. "Nunca fomos à escola nem nada do tipo, então Kami e eu só tínhamos um ao outro na infância, só ficávamos em casa consumindo estas coisas, e isso meio que formou a nossa visão de mundo", diz Uli. "Para o bem ou para o mal, não tenho certeza — mas meio que ajudou."

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Pergunto a Kami sobre como eles eram vistos pelos outros, fazendo referência a um tuíte dele em que ele recriminava "as famílias inglesas feias" que encaravam os irmãos enquanto eles circulavam por Heathrow. "Odeio isso", ele diz francamente. "Embora eu não sinta vontade de me misturar e fazer parte de tudo, isso te aliena, ao mesmo tempo, as pessoas te encarando, tipo: 'Quem é esse?'. Meio que me faz rir, mas às vezes fico tipo: 'Vá se foder — por que está me encarando?'"

Me pergunto se a dupla sempre teve um visual diferente, e quanto disso se deve à sua criação meio outsider. "Nós meio que decidíamos o que ficava bem ou não", diz Uli. "No ensino fundamental, eu não podia ir à escola porque estava com as unhas pintadas, usando capuz e coisas assim. Eles tentavam fazer acordos, tipo: 'Você pode vir à escola usando o que quiser, mas precisa ficar aqui', durava um dia ou dois e eu voltava para a rua. De certa forma, nós fizemos isso conosco, mas ao mesmo tempo, não nos identificávamos com o que a molecada curtia na época."

Kami interrompe: "Sim, quando você é moleque, é uma merda. Mas se alguém gritasse alguma coisa agora, seria hilário. Quando éramos moleques era muito deprimente. Eles diziam tipo: 'Vocês são adoradores do demônio' — todas estas coisas esquisitas — e nós ficávamos tipo: 'Não achava que fosse errado', porque víamos o Slipknot fazendo isso na TV".

Kamixlo.

Embora a região onde eles cresceram, no sul de Londres, tenha uma grande população sul-americana, as suas origens chilenas — um país que não teve tanta emigração para a Inglaterra quanto, digamos, o Brasil ou a Colômbia — fez com que a infância dos irmãos fosse muito unida e voltada para a família; as canções tradicionais chilenas que agoram influenciam as suas produções tocavam na cozinha e na sala de casa.

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"Foi muito alienante para nós porque não conhecíamos outros chilenos", diz Uli. "Não era [unificado como é agora] — tinha colombianos, chilenos, e todo mundo estava aqui por motivos diferentes. Minha mãe era refugiada por causa do golpe de 1973. Então, literalmente, eles eram sua própria família — não conheciam ninguém em Londres, nunca haviam planejado vir para cá…. Então você não sabe se é chileno ou inglês. Nunca me identifiquei de verdade com Londres, mas isso também tem a ver com Kami e eu não termos crescido interagindo com muitas pessoas, então não sei… É meio esquisito."

Vi Kami tocar no Elephant e no Corsica Studios antes de conhecer os irmãos, e o que me impressionou foi que, embora a música parecesse muito à frente do que a maioria dos DJs londrinos está tocando hoje em dia, ainda era profunda e envolvente — não idiossincrática apenas em nome de ser idiossincrática. Ela se destacou, mesmo em uma cena de produtores e seletores que entendem de música, como se tivesse uma concepção e um talento artístico que ultrapassam apenas tocar seja lá o que for que esteja fazendo sucesso no Soundcloud agora.

Endgame x Kamixlo - Sniper redux ft. Blaze Kidd & Uli K.

Mas eles acham que, em geral, os clubes se tornaram mais receptivos a diferentes sons e culturas do que eram antes? Que hoje é mais improvável você ser vaiado por fugir do 4/4? Que você vai receber menos olhares de reprovação por ter o cabelo azul ou estar com as unhas pintadas do que antes?

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"Sim, diz Kami, pensativo. "Acho que os clubes estão mais receptivos agora. Alguns anos atrás, quando você ia a um clube, te encaravam muito se você não estava, extremamente arrumado ou algo do tipo — eu não curtia isso."

Ainda assim, ser latino e tocar música latina nos clubes ainda não é totalmente tranquilo & favorável. "Só porque eles ouvem música em espanhol, acham que vou tocar 'Gasolina'. É uma merda", explode Kami.

Mas com um som tão diferente, eles se preocupam com a inevitável ameaça de plágio de grandes produtores com um ouvido voltado para o mercado pop? Se preocupam que o seu som possa ser tirado deles e vendido fora da cena inclusiva e inovadora em que estão enraizados? Temem uma versão da Katy Perry do ideal do Bala Club?

"Isso tem acontecido", assente Uli. "Acho que ficaria mais frustrado se estivessem fazendo sucesso com isso, mas ainda são só produtores do Soundcloud fazendo essa merda lá. Mas não tô falando mal dos produtores que fazem isso!"

Uli K.

"Não tenho nada a ver com esses moleques ingleses que estão fazendo isso sem nenhuma ligação com a cultura", diz Kami, que certamente é o mais nervoso dos dois. "O mínimo que você pode fazer é ter algum tipo de ligação com a cultura antes de copiá-la. Tipo, respeitar de onde vem o que você está usando. Se tornar parte da cultura. Trabalhar com alguns produtores que façam isso. Entender de onde vem a música, então fazer isso. Não só copiar e dizer: 'É música inglesa agora'."

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Quão longe eles mesmos acham que podem ir? Pessoalmente, acho que se tem alguém na atual cena londrina com potencial para ser um sucesso mundial, provavelmente são eles.

Eles parecem divididos. "Eu topo", diz Kami. "É tipo, 'por que não'? Seria divertido tocar em uma arena. Ganhar essa grana toda do mainstream seria foda."

Uli parece ter uma atitude mais filosófica a respeito: "Nos ajudaria muito", ele diz. "Mas a ideia principal é que, se formos para o mainstream — ou explodirmos, ou algo assim — seria bom ter essa plataforma para continuarmos fazendo o que fazemos, em vez de nos tornarmos um produto de outra pessoa. Se pudermos criar algo nosso e ter sucesso, isso vai ser ótimo."

@thugclive / eloiseparry.tumblr.com

Tradução: Fernanda Botta

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