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Diversão no Bairro Vietnamita Tcheco

Aqui você pode sentir o cheiro, o gosto e até comprar um pedacinho do Vietnã em pouco tempo e por muito pouco dinheiro.

Já estamos de saco cheio desse povo que fica falando o quanto viajar é importante. A gente já foi pro exterior algumas vezes, e sempre acabamos com as carteiras vazias e nossas câmeras lotadas de fotos sem graça. O melhor de ir viajar é finalmente poder calar a boca desses malas que ficam enchendo o saco sobre os milagres de um jejum maluco em um monastério indiano, uma trepada na Tailândia ou, ainda, sobre se espremer naqueles túneis do Vietnã construídos pelos comunistas (e alargados para os turistas). Esses dois primeiros programas a gente não vai conseguir te ajudar a fazer, mas em vez de ir até o Vietnã por causa de uns buracos, por que não simplesmente dar uma passada em Praga? Aqui você pode sentir o cheiro, o gosto e até comprar um pedacinho do Vietnã em pouco tempo e por muito pouco dinheiro.

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“Uau, parece um filme do Jackie Chan”, diz nosso maravilhado amigo no momento em que mergulhamos na estrutura do mercado vietnamita, o SAPA. Se visto pelo lado de fora, ele tem razão—nós estamos cercados de pequenos restaurantes que oferecem comidas exóticas e espaços imensos lotados até o teto com roupas baratas. Mas se sua ideia do leste da Ásia é baseada num repertório de filmes B você vai ter que baixar as expectativas quando entrar no mercado, porque não vai encontrar nenhum malandro de óculos escuros fazendo acrobacias com um nunchako enquanto uma fumaça verde sai de um bueiro um pouco suspeito. Muito menos uma cabeça de macaco com raios saindo pelos olhos. Mesmo assim, dá pra sentir de vez em quando o perfume de algo similar a bosta de símio ou algo assim. Tipo quando você se inclina por cima de um balcão cheio de tripas de uns bichos do mar fedorentos, ou quando você dá uma olhadinha dentro dos muitos cassinos locais e vê uma cena tirada diretamente do Mad Max.

Nossa aventura começa quando saímos do transporte comunitário em Libuš, já nos limites de Praga. O pessoal local nem parece ligar para a pequena embaixada estrangeira em seu bairro. Do outro lado da rua existe uma entrada lateral para o mercado. Lá encontramos uma jovem vietnamita sorridente, que se escondia atrás da sua barraquinha. Seu nome é Ly, e ela é fluente em tcheco porque fez o colegial em uma cidadezinha perto de Praga. Ela está há seis anos na República Tcheca, mas seus pais já estão na cidade faz 20 anos. Ly foi criada pela avó, algo que ela diz ser muito comum uma vez que desde os anos 70 vários casais vietnamitas deixam suas famílias procurando trabalho em outros países comunistas.

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Apesar dos vietnamitas serem um dos maiores grupos de imigrantes na República Tcheca, é bem raro achar um casal mestiço de tcheco com vietnamita ou mesmo um grupo misturado de amigos. É difícil saber quem esnoba quem, porque os dois grupos étnicos parecem nem prestar atenção um no outro.

Os tchecos acreditam que a única fonte de renda dos vietnamitas vem de suas lojinhas, onde eles vendem roupas baratas, sapatos e legumes de alta qualidade (estes, aliás, que parecem ter ganhado grande respeito entre a maioria dos cidadãos tchecos). Os imigrantes, na verdade, nem tentam mudar a opinião pública sobre sua fonte de renda. Eles são praticamente invisíveis na política, na mídia e na vida noturna do país.

Como normalmente turistas podem perguntar qualquer coisa, nós continuamos perguntando coisas estúpidas para a Ly. Ela diz que o que mais gosta de Praga é o clima. Gosta do SAPA porque lá encontra tudo o que um membro da comunidade vietnamita precisa: tem médico, advogado, uma creche, e, o mais importante, vários salões de cabeleireiros, onde os moradores do bairro vão para cortar seus cabelos de formas muito criativas por preços muito bons. Os cortes de cabelo dos vietnamitas são inspirados nas populares tendências vindas direto da terra-mãe — ainda bem, porque se seguissem as tendências tchecas, todas as mulheres teriam luzes toscas e os caras só cabelo raspadinho. A maioria dos jovens locais obviamente se preocupa bastante com a própria aparência, o que significa que, além de vendedores suados, você pode até trombar com pessoas que podem despertar o interesse do amigão ou da amiguinha lá debaixo.

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Um pouco depois da entrada do mercado, vemos os restos esfumaçados do que costumava ser um outro espaço para as lojinhas. Tudo pegou fogo há uns dois anos em um incêndio enorme, o que provou que as roupas sintéticas servem como um ótimo combustivel. O cheiro cobriu a cidade inteira e fez com que a maioria de Praga ouvisse falar do SAPA pela primeira vez. Isso também fez com que a polícia arranjasse uma desculpa para fazer uma enorme inspeção no mercado.

A gente parou em uma lojinha de móvies do lado do espaço que havia pegado fogo—por alguma razão, as chamas deixaram a loja completamente intacta. “A gente teve sorte”, diz a assistente de vendas quando perguntamos como diabos eles não perderam tudo no fogo. Ela acabou nos oferencendo descontos em produtos que iriam ficar majestosos até mesmo dentro do escritório de um burocrata hedonista chinês.

Corredores gigantes erguidos em aço surgem no horizonte quando nos aproximamos do miolo do mercado. Andando pelos minúsculos corredores, você acaba cercado de pilhas de roupas e outros produtos. O SAPA é oficialmente um mercado de atacado, então alguns produtos são apenas vendidos em grandes quantidades, apesar de que se você negociar uma pechincha com os vendedores, pode rolar de comprar um item avulso por um preço ridiculamente barato. Chegamos no cara de uma farmácia e perguntamos como ele pode vender os bagulhos dele por metade do preço que você pagaria normalmente em uma loja tcheca. “Descontos de conveniência,” ele ficava repetindo. Como acontece com a maioria do pessoal da terceira idade por aqui, não é muito divertido conversar com ele. Obviamente ele enrola a língua com o tcheco, ou pelo menos finge que enrola.

Além dos loucos por roupa barata, o SAPA vai encantar muitos fãs de música pop exótica. Três gostosas vietnamitas fizeram a gente comprar um CD da M Tâm. A Ly afirmou que essa cantora tem uma carreira de sucesso no Vietnã. Depois de escutarmos o CD, tínhamos certeza que existe uma forte competidora feminina ao cargo de David Hasselhoff crescendo em Ha Noi.

Quando o sol poente começa a ficar vermelho, o mercado inteiro nos lembra um sonho pós-apocalíptico. Nesse momento, todos os outros turistas se dirigiram para os restaurantes locais. Nos recomendaram um dos muquifinhos que serviam Pho. Essa sopa é deliciosa e agrada a 100% os nossos paladares tchecos. Mas também experimentamos o Cha Lua, de porco, que testou nossa tolerância de comidas muito exóticas. Especialmente depois que nosso amigo comentou a incrivel semelhança entre o macarrão de arroz e porra cozida.