FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

A Noite do Queima Barata no RJ

Os enfrentamentos da noite de 7 de outubro no Rio de Janeiro.

Nas duas semanas que se seguiram à grande batalha do 7 de setembro, os protestos com a presença de black blocs no RJ não deixaram de acontecer. Primeiro contra a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo (Ceiv) e a lei que proíbe o uso de máscaras nas manifestações, e em seguida em apoio aos professores em greve. Nenhum dos professores da rede estadual, em greve desde o dia 8 de agosto, ficou feliz quando o prefeito Eduardo Paes finalmente apresentou um plano de cargos e salários que contempla somente 7% da categoria. A votação do projeto na Câmara Municipal foi marcada para a terça-feira, 1º de outubro, sob portas fechadas. Professores se concentraram por lá desde a manhã, dispostos a invadir.

Publicidade

Então, foi aquele show de atrocidades maravilhosas: Tropa de Choque partindo para cima de tia do primário, policiais plantando provas e capturados em câmera, e muita violência, mas a cereja do bolo veio após a operação, quando um policial da Choque postou no Facebook uma foto exibindo um cassetete quebrado e a singela frase “foi mal fessor”. Aí não teve jeito, a mídia caiu em cima da polícia e os black blocs prometeram vingar os professores, confirmando presença no ato nacional convocado para a segunda feira, 7 de outubro. Com a moral baixa e cercados por muitos mil manifestantes, a PM deixou para atacar só no final, e em seguida, deixou o vandalismo correr solto, para virar o foco da mídia no dia seguinte. Nada que eles não tenham feito antes, na tentativa de invasão da Alerj e no episódio dos Manequins do Leblon. E como sempre, deu certo. Nos jornais de hoje, só se fala dos vândalos mascarados e nada de “foi mal fessor”. É muito triste concluir que desde o inicio da onda de protestos, o comando da PM prometeu “apurar os casos isolados”, e até agora, nenhum policial foi punido de verdade.

Por volta das 17h, manifestantes – a maioria composta por professores e sindicalistas – começaram a se concentrar na Candelária. O evento no Facebook chamava por um milhão de manifestantes e acredito que pelo menos trezentos mil compareceram. A PM insiste em dizer dez mil pessoas – é engraçado como no Carnaval o cordão do Bola Preta que lota a Avenida Rio Branco do mesmo jeito, a mesma PM diz que são dois ou três milhões de pessoas.

Publicidade

Mal a passeata saiu rumo à Rio Branco, não demorou para aparecer uma bandeira preta e começar a reunir os black blocs, que marcharam em fila indiana até a frente do ato dos professores, onde montaram seu cordão de isolamento.

A passeata rolou lindona, sem escolta policial e com muito som. Tinha uma galera meio palhaça vestido de “Tropa de Profi” cantando uns funks, e tinha também uns músicos da Orquestra Voadora animando a galera. Mais tarde, quando atearam fogo em um ônibus, os músicos remanescentes tocaram “Mas que calor ô ô ô ô…”.

O Batman tava lá, claro, acompanhado de índios, o incrível Homem Aranha e um sósia do Tiririca. Eu manjo e fotografo esse maluco já tem alguns meses, no entanto, sempre fiquei meio cabreiro, achando que ele fosse miliciano e se sentisse o cheiro de maconha nos meus dedos resolvesse me enfiar a porrada e pendurar de cabeça para baixo num poste. Mas então ele foi preso num protesto em frente ao Ministério Público e todo mundo ficou sabendo que, na real, ele é só mais um maluco revoltado como a maioria ali, só que também curte cosplay.

Pelo menos uns mil black blocs compareceram à manifestação, logo mais, eu saberia que eles estavam pesados não só em número, mas em artilharia.

Estava rolando uma puta expectativa sobre como seria a recepção da polícia quando chegássemos na Cinelândia, mas, para a surpresa de geral, não havia um PM sequer na praça.

Aí, ficou aquele clima de carnaval: todo mundo ocupando as escadarias da Câmara e o Teatro Municipal; vendedores de cerveja; a turma do Beque Bloc em rodinha e até uns fogos de artificio rolaram.

Publicidade

Enquanto isso, a uns 300 metros, alguns policiais faziam uma barreira em torno do quartel-general da corporação (e antiga sede do DOPS).

Aí os black blocs montaram sua barreira nos limites da Câmara Municipal, a cerca de 150 metros deles.

Na escadaria da câmara rolava um Berimblackbloc.

Quando começou a cair a ficha de que a polícia estava instruída a não fazer porra nenhuma, em vez de todo mundo voltar para casa sem dar notícias de depredação para a mídia, uma galera mais animada começou a pichar a Câmara Municipal.

Rapidamente, as paredes do Palácio Pedro Ernesto viraram uma instalação de arte contemporânea.

Aí a chapa esquentou: uns guardas municipais que estavam lá dentro resolveram atirar uma bomba de efeito moral pelo portão de ferro. A turma do black bloc não deixou barato e foi com tudo para cima.

Rolou uma chuva de molotovs, rojões e até fogos de artificio. A primeira vez que eu vi usarem fogos em manifestações foi num vídeo da Síria (ou do Egito, sei lá) há umas semanas. Também foi num vídeo desses que vi usarem garrafões de filtro d’água para apagar o efeito do gás lacrimogêneo. Todas essas táticas têm sido replicadas por aqui. Realmente, a luta contra o capital é internacional!

Acontece que a Câmara é feita de pedra e ferro. Logo, a não ser que eles tivessem um daqueles lança-granadas do Hezbollah, seria praticamente impossível incendiar ou invadir essa porra. Na minha opinião, acabaram torrando munição demais, que fez falta pra eles depois, quando a Choque finalmente chegou.

Publicidade

As barricadas foram acesas, e então a galera partiu para cima da PM, atirando rojões e fogos de artificio. Os PMs recuaram até a porta do QG, de onde saíram umas picapes da Choque atirando bombas de gás lacrimogêneo.

Nisso, já tinham começado a depredar e queimar todas as agências bancárias da região. Fui entrar nessa para fazer uma foto e minha calça quase pegou fogo. E, para completar, a lente tava molhada e a foto ficou uma merda.

Ah sim! Tava chovendo pra caralho, o que deixava tudo pior, embora às vezes as poças d’água servissem para apagar as bombas de gás lacrimogêneo.

A Choque foi empurrando a galera de volta para a Rio Branco. Lá, o BBRJ se dividiu: a maior parte correu para a Candelária, montando barricadas pelo caminho, e outra foi rumo ao Aterro.

Como a Choque estava em menor número e avançando muito devagar, deu até tempo de dar uma relaxadinha antes de acender as barricadas.

Só que a Choque não apareceu. Porque, na real, a ação estava acontecendo no outro extremo da Rio Branco.

Lá a galera foi mais radical, além de depredarem um banco básico…

…Tiveram a moral de parar um ônibus, atravessá-lo na avenida e atear fogo "legal".

Enquanto o busão queimava, a galera gritava “pau no cu do Barata”, em alusão ao empresário Jacob Barata, que é dono de praticamente todos os ônibus do Estado.

Quando eu cheguei, tinham parado mais dois ônibus.

Por pouco eles não tiveram o mesmo destino dos outros, mas então a Choque chegou com extintores, removeram os fotógrafos do local na maior grosseria e apagaram o fogo.

Publicidade

Os bombeiros tinham acabado de chegar para apagar o ônibus maior, que continuava cercado de fotógrafos e alguns manifestantes. A Choque não hesitou em disparar sobre eles, acertando praticamente só os bombeiros.

Quem permaneceu foi empurrado até a Lapa. A galera ia recuando, trocando tiros de rojão e chutando o gás lacrimogêneo de volta.

Ao chegar na Lapa, a Choque cercou a galera, vindo pelo Passeio, pela Glória e pelo Centro, empurrando a galera até a boêmia Joaquim Silva. Tive a impressão que se eles pudessem empurrar a galera até o mar, e então de volta para a África, o fariam.

Lá na Joaquim Silva, a galera conseguiu fazer uma pausa para os primeiros socorros e eu consegui comprar uma cerveja.

Estávamos no escadão do Selarón quando eles passaram atirando bombas e a maior parte da galera fugiu rumo a Santa Tereza. Além desse coroa sentado ali, tem dois moradores de rua malocados nessa foto, que sequer acordaram com os tiros. A essa altura, eram umas dez e meia e a manifestação já estava totalmente dissipada, vindo a se reagrupar uma hora depois na Cinelândia, onde PMs, bombeiros e ocupas contabilizam os estragos. Um gato que foi adotado pelo acampamento dos ocupas morreu asfixiado e pelo menos 12 pessoas foram detidas, mas todas soltas por falta de provas.

Anteriormente: Fui Preso nos Protestos do 7 de Setembro no RJ

Siga o Matias no Twitter: @MATIASMAXX