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Saúde

Sexo, morte e redes sociais no Oscar do pornô

Cinco atrizes pornô morreram nos últimos três meses. No AVN Awards havia uma estranha mistura de reconhecimento e negócios como sempre.
Modelos da Evil Angel usando a camiseta em homenagem a August Ames no AVN Awards. Foto: Evil Angel.

Em algum momento depois de um seguimento com alguém falando sobre como fazer uma cena de anal premiada, mas antes da invasão do palco que levou Lil Wayne a declarar “morri e fui pro céu”, o AVN Awards – conhecido como o “Oscar do pornô” – deste ano passou alguns minutos encarando a realidade da morte.

A cerimônia, que aconteceu na noite de sábado no Hard Rock Casino em Las Vegas, geralmente não é uma arena que lida com a mortalidade. Dessa vez foi diferente. Quando Greg Lansky, o criador dos estúdios adultos Tushy, Vixen e Blacked Studios, recebeu seu prêmio de Diretor do Ano, ele fez um agradecimento rápido e depois convidou o produtor Kevin Moore para falar em seu lugar. A esposa de Moore, a atriz pornô August Ames, tirou a própria vida em 5 de dezembro do ano passado, aos 23 anos.

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“Estou desconfortável aqui”, disse Moore, um produtor do estúdio Evil Angel. “Estou desconfortável com os aplausos porque, francamente, não os mereço. Falhei com ela. Falhei com a família dela. E vou ter que viver com isso. Mas fracassar não é mais uma opção. Nunca mais vamos ter outro AVN com um memorial cheio de jovens mulheres.”

Moore estava se referindo não só à esposa, mas também a Shyla Stylez, Olivia Nova e Yurizan Beltran, que morreram nos últimos três meses. Quando uma quinta mulher, Olivia Lua de 23 anos, morreu na rehab em 18 de janeiro, Moore tuitou: “Isso se tornou uma crise”.

Moore usou seu discurso para anunciar o lançamento do The August Project, em homenagem à esposa, que segundo ele vai “ser um sistema de apoio pensado para os artistas desta indústria”. Ele também apontou para aqueles que criticaram sua esposa na internet, recebendo uma ovação em pé de muitos do público quando disse: “É nosso corpo. Nossa escolha. Nenhum agente, produtor ou empresa, e certamente não as redes sociais, decidem o que você deve fazer com seu próprio corpo”.

Muitos implicaram as redes sociais na morte de Ames. No dia 3 de dezembro ela se tornou vítima de ciberbullying depois de tuitar: “Para a atriz que vai me substituir amanhã para a @EroticaXNews, você vai filmar com um cara que já fez pornô gay, só pra você saber. Os agentes não dão a mínima pra quem representam? … Eu fiz a lição de casa sobre o meu corpo”.

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Esse tuíte abriu uma ferida dentro da indústria. Por um lado, há aqueles que acreditam que os artistas devem sempre estar no comando da decisão de com quem fazem sexo. Por outro, há quem acredite que a posição de Ames – que homens que fazem sexo com homens tem um “risco maior” de carregar HIV e outras DSTs comparado com homens que só fazem pornô hétero – perpetua um mito homofóbico sobre os gays.

As respostas raivosas ao tuíte dela vieram de dentro e fora da indústria.

Numa postagem de blog menos de uma semana depois da morte de Ames, Moore escreveu: “Escrevo isso para deixar perfeitamente claro: o bullying tirou a vida dela”. Depois ele apontou dois indivíduos. O mais conhecido sendo a atriz pornô Jessica Drake, que tuitou em apoio aos artistas LGBTQ: “artistas, por todos os meios, transem com quem vocês quiseram transar… mas se você elimina caras baseado no fato de que eles podem ter feito trabalho gay, sua lógica é falha”.

Moore também deu o nome de Jaxton Wheeler, um artista que se identifica como pansexual, que tuitou para Ames em 5 de dezembro: “O mundo está esperando suas desculpas ou você engolir uma pílula de cianeto”. Sem Wheeler saber, naquele ponto August provavelmente já estava morta. Ela postou seu último tuíte exatamente à meia-noite de 4 de dezembro, escrevendo só: “foda-se vocês”.


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Apesar de não haver uma ligação clara entre as cinco mortes recentes – algumas foram suicídio, outras relacionadas a drogas, e outras ainda não tiveram a causa confirmada – a proximidade delas levantou questões sérias sobre se a indústria está cumprindo seu dever de cuidar de atrizes jovens e vulneráveis.

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Ainda assim, fora o discurso de Moore, o AVN continuou os negócios como de costume. Markus Dupree ganhou o prêmio de Ator do Ano antes dar um discurso de vitória divertido mas um pouco desconexo, enquanto a Atriz do Ano, Angela White, foi a grande história de sucesso da noite, levando 14 prêmios pra casa.

O AVN Awards é o clímax da AVN Adult Enterntainment Expo, uma feira que seria o equivalente a ser sugado por um pop-up pornô, envolvendo tanto intercâmbio entre artistas que as pessoas voltam para casa com o que chamam de “gripe AVN”. Os destaques deste ano incluíram Alana Evans – que recentemente virou manchete por dizer que recusou um ménage com Donald Trump e Stormy Daniels – chutando um cara vestido como o presidente dos EUA no saco no estande do Cams.com. “Certeza que muita gente quer ver o Donald levar um chute no saco”, Evans me disse mais tarde, rindo.

Mas por trás de todo o excesso hedonista havia outra corrente fluindo. A camiseta de homenagem a August Ames, mil delas pagas e distribuídas por Moore, foram usadas amplamente naquela semana por fãs e artistas. Algumas tinham o slogan “Nunca Esqueça”, enquanto outras, em referência a seu último tuíte, diziam: “Foda-se vocês”.

Tasha Reign. Foto: iWantEmpire

Em conversas particulares comigo, muitos artistas expressaram uma preocupação sobre o efeito prejudicial que precisar ser proeminente nas redes sociais para manter seus fãs seguindo tem em sua saúde mental. Depois das últimas mortes, Tasha Reign – uma atriz que trabalha na indústria há oito anos e é a presidente do Adult Performer Advocacy Committe – me disse que sentia “uma sombra pesada sobre a indústria. Ao redor dos meus colegas, consigo sentir um sentimento solene, triste”.

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Reign explicou que os artistas na indústria – particularmente as atrizes – muitas vezes se sentem “sozinhas e alienadas” por causa do abuso que encaram tanto nas redes sociais como quando tentam ter acesso a serviços comuns como bancos, moradia e saúde. “Não importa se você trabalha nas ruas, como acompanhante ou é uma pessoa fazendo pornografia adulta legal, o jeito como o mundo e especificamente os EUA nos tratam é horrível”, ela diz. “Você pode dizer coisas horríveis sobre 'as putas' e 'a escória' que são as atrizes pornô. Nenhum outro grupo da nossa sociedade permite que isso ocorra, mas por alguma razão escrota isso acontece na nossa indústria.”

Reign apoia a ideia de introduzir um programa de iniciação obrigatório para jovens mulheres entrando na indústria, e aumentar a idade legal para participar de 18 para 21 anos, mas reconhece que pode ser difícil saber como uma pessoa vai responder ao estigma ligado à profissão. “Não sei como dizer para as garotas que entram em contato comigo por e-mail que sim, adoro meu trabalho, gosto do que faço, e isso é uma grande parte da minha identidade, mas não, não recomendo o que faço porque não sei nada sobre sua estabilidade mental”, ela disse.

Mike Stabile da Free Speech Coalition concorda que a discriminação é um grande fator para os artistas adultos não procurarem serviços de saúde, e sugere que a situação é análoga a encarada pelas pessoas LGBTQ no último século. “Se você procurava um profissional de saúde mental e dizia 'Estou sofrendo com depressão', ele respondia 'Bom, é porque você é gay, e até consertar essa doença você não vai fazer mais nada'”, ele disse. “É o mesmo quando você fala com trabalhadores sexuais sobre depressão, vício ou até uma perna quebrada. O médico diz 'É impossível você ser feliz nessa profissão'. Acho que isso desencoraja as pessoas a procurar ajuda.”

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Modelos da Vixen usando camisetas de homenagem a August Ames. Foto: Vixen.

Kevin Moore disse que espera usar o The August Project para dar mais acesso a saúde mental para artistas da indústria, dizendo ao público do AVN que isso será “uma base, então se algum de vocês se sentir à beira do abismo, a ajuda vai estar a um telefonema de distância”.

Essa é uma questão específica da indústria, mas tem outra maior que implica todos nós. A indústria do pornô é uma casa de espelhos, exagerando nossas características mas também nos refletindo no nosso estado mais nu – literal e metaforicamente. O bullying de atrizes, a pressa para humilhar publicamente e os danos mentais provocados por tentar manter uma fachada impecável nas redes sociais é provavelmente um reflexo distorcido dos perigos à espreita na internet como um todo, particularmente para mulheres.

“Acho que todo mundo quer parecer bonito, tendo sucesso e se divertindo como nunca nas redes sociais”, a atriz pornô Riley Reyer me disse no lounge atrás do estande do iWhantEmpire. “Todo mundo faz uma curadoria nas redes sociais para parecer o mais feliz possível, e acho que, na nossa indústria, fazemos essa curadoria não só para nossos colegas mas para nossos fãs, então há mais pressão para tudo parecer perfeito.”

Ela continuou: “Uma das únicas coisas positivas que tiramos desses eventos trágicos recentes é que as pessoas estão se abrindo mais sobre suas lutas com saúde mental, e podem admitir diante dos colegas e fãs que sua vida não é perfeita. Todo mundo precisa de apoio às vezes, porque ninguém tem uma vida perfeita”.

@KevinEGPerry