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reportagem

Ativistas de educação doméstica falam sobre a performance do MAM-SP

Depois que uma criança tocou um homem nu em uma performance, ativistas do homeschooling opinam sobre a atitude da mãe.
Os filhos de Susana Verri Campos, ativista do homeschooling. Foto: acervo pessoal

A fotógrafa Graziela Leme, de 30 anos, não imaginava o quebra-pau que geraria quando fez uma postagem em um grupo do Facebook sobre Homeschooling, ou, no português, educação domiciliar, movimento que defende mais liberdade da educação dos filhos. Mãe de uma menina de 10 e outra de 3 anos, ela resolveu dar sua opinião favorável sobre a polêmica envolvendo a performance artística La Bête, de Wagner Schwartz, exposta na 35ª Mostra Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em vídeo que se tornou viral, uma criança, supervisionada pela mãe, toca no homem nu. O museu, em nota, declarou que a sala estava sinalizada sobre o conteúdo da obra e que não havia conteúdo pornográfico, diferente do que enxergaram vários membros da comunidade, que acusaram o museu de pedofilia.

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"Tirei essa opinião de um debate com minha filha de 9 anos. Li artigos e matérias e ela falou que nem tudo é mal, que as pessoas logo não vão poder abraçar porque incomoda", explica Graziela, que recebeu até ameaças de estupro no seu inbox. Para ela, "se a mãe, sabendo da existência de nudez na exposição, mesmo assim levar a criança e ir com ela interagir, só me mostra que ela tinha o conhecimento sobre tal e se sua filha estava preparada para tal cena".

Ativistas de homeschooling e desescolarização acreditam que o modelo formal de ensino desmotiva o aprendizado. A professora Rachel Ramos Jezková, 30 anos, também membro do grupo, explica: "a escola, como conhecemos, não é um espaço para acessar o conhecimento, construí-lo e debatê-lo. Tudo é muito pronto e defasado, e isso tira o interesse das crianças que precisam ser instigadas a todo momento".

A prática do homeschooling ainda não é legalizada no Brasil. O Supremo Tribunal Federal está para julgar se a educação em casa deve ser proibida. O tema chegou à Corte por um mandado de segurança apresentado por pais de uma menina em Canela, no Rio Grande do Sul. O debate está entre o entendimento do artigo 205 da Constituição, que prevê: "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade" e o artigo 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz que "os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino". Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), 3.201 famílias são adeptas da prática no Brasil.

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Clarisse Flamínio: "as crianças não sabem distinguir essas diferenças, elas ainda estão formando suas referências." Foto: acervo pessoal

Uma das apoiadoras de Graziela na treta, Rachel entende que a sinalização na exposição era o suficiente, e que o responsável deve mensurar se a criança está preparada para aquela informação. Entre muitos xingamentos, havia também críticos ponderados, como a mãe solo Clarisse Flamínio, de 30 anos. Sua filha, de 9, tem dificuldades cognitivas causadas por um mosaico de interações de doenças genéticas e autoimunes. Após escolas e centros especializados, ela constatou que "os estímulos externos inibiam a forma natural da menina de se expressar e ver o mundo". Clarisse é contra a exposição pela banalização do nu e achar que alguns tabus devem ser mantidos: "as crianças não sabem distinguir essas diferenças, elas ainda estão formando suas referências, e por isso acho importante manter algumas regras para quando estejam formadas possam optar se acham aquilo natural ou não."

Viviane Zion: "toda liberdade possui restrições." Foto: acervo pessoal

Pós-graduada em Educação Artística, a professora da rede pública do Distrito Federal, Viviane Zion, 37 anos, engrossa o coro das críticas. Mãe de uma menina de 3 anos, acredita que a criança deveria ter sido impedida de entrar na sala, já que havia classificação indicativa para a performance. Mas isso não seria ferir a liberdade individual da criação? Ela responde: "o movimento de homeschooling trabalha com o referencial curricular que é oferecido na escola, não é algo tão irrestrito assim. O fato é que toda liberdade possui restrições. O homeschooling tenta fugir de uma interferência mais massiva do Estado sobre a educação dos filhos. Porém, em algum momento, teremos que prestar conta do que foi ensinado em casa", defende.

Diante do bate-boca virtual, o que mais chamou atenção da também professora Susana Verri Campos, de 34 anos, foi o nível de radicalismo que se instalou num grupo que, em tese, defende a liberdade. "Vejo que a maioria optou por um caminho ligado à partido político ou corrente ideológica. E tudo o que eu menos quero é algo que interfira de maneira externa na educação dos meus filhos. Tem coisas muito mais absurdas do que o caso do MAM", diz a criadora da página Eu Amo Unschooling, e mãe de dois pré-adolescentes, de 12 e 14 anos.

Após a polêmica, um novo grupo foi criado e Graziela tomou uma decisão: ficar longe dos textões. "Postei lá pensando ter mais pessoas dispostas a debater sobre o assunto do que só ofender. Aí notei que não era o grupo q eu imaginava".

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