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Saúde

Como é a vida de um incel

Incels acreditam que são oprimidos pela sociedade que os impedem de ter relações sexuais. Acompanhamos um membro da comunidade incel para entender sua vida.

O apartamento de Joey tem uma janela enorme com as cortinas fechadas, uma cama com um colchão mas sem lençóis, e um notebook. Ele quase nunca sai. Ele passa o dia inteiro conversando online, fumando Newports, às vezes por dois dias seguidos. As cortinas estão fechadas para a luz não atrapalhar a tela do notebook. “Honestamente, me sinto mais real aqui, sentado na frente do computador. Quando saio, meio que despersonalizo um pouco e sinto como se estivesse jogando um videogame”, disse Joey. “Não sei por quê. É só um estado da mente. Provavelmente um efeito colateral do isolamento.”

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O mundo da internet que mantém Joey em seu apartamento é o “celibato involuntário”. Joey é um incel, um virgem de 23 anos. Incels acreditam que estão fadados pelas regras de uma sociedade cruel a nunca fazer sexo, porque são muito feios ou constrangidos socialmente. No papel, Joey não deveria ser um deles. Ele é atraente, inteligente e divertido, e tem as habilidades sociais que muitos incels acreditam não possuir. Mas eles são o povo de dele. “Sou viciado nisso, porque, tipo, acho as pessoas com quem converso online muito mais interessantes que as celebridades que a nossa sociedade impõe”, disse Joey. “Nunca encontrei gente tão interessante assim, e você está disposto a dizer coisas sobre si mesmo – que nunca diria para alguém na vida real – na internet.”

A maioria do mundo foi apresentado aos incels em 2014, quando Elliot Rodger matou seis pessoas e feriu 14 na Universidade da Califórnia – Santa Barbara. Rodger escreveu um longo manifesto culpando as mulheres por não fazer sexo com ele, o que o tornou um herói entre alguns incels. Em fóruns na internet, eles fazem piada sobre “fazer o E.R”. Em abril, Alek Minassian, 25 anos, atropelou uma multidão com uma van em Toronto, matando 10 pessoas. Ele já tinha elogiado Rodger no Facebook. O ataque tornou os incels um assunto na mídia internacional, um misterioso fenômeno da internet para ser temido e ridicularizado.

Queríamos falar com um incel pessoalmente, alguém que pudesse explicar essa subcultura e de onde ela veio. Uma fonte da internet me colocou em contato com Joey. (Eles se conheceram numa sala de bate papo.) Depois de algumas semanas conversando pelo Discord, um aplicativo de texto e voz para gamers, Joey concordou em dar uma entrevista, e nos levar para conhecer seu mundo online.

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Joey não tem um emprego e não está estudando. Sua mãe paga seu aluguel. Ele não fez faculdade, porque não estavam bem mentalmente quando se formou no colegial. Ele diz ter sido diagnosticado com transtorno obsessivo-compulsivo, agorafobia, ansiedade social e paranoia social, a última uma condição que ele diz não existir. Ele já tomou ISRS, SNRI, benzodiazepina e antidepressivos tricíclico. “Já estive nos melhores psicólogos do país, e nenhum deles disse que meu problema podia ser uma questão social”, Joey explicou no Discord. “Eles disseram que isso era específico, e que drogas podiam ajudar. Aí comecei a entrar na internet, e percebi que havia literalmente uma epidemia de homens como eu.”



Incels acreditam que 20% dos homens são “Chads” – caras bonitos e charmosos que fazem sexo com cerca de 80% das mulheres do mundo. Como o feminismo derrubou alguns estigmas sobre a sexualidade feminina, segundo a teoria deles, as mulheres vão transar com incontáveis Chads, deixando os incels sem sexo. Alguns incels dizem que “tomaram a pílula preta”, significando que acham que esse é seu destino na vida e algo que não pode ser mudado. Outros tentam o “looksmax”, tentar se tornar mais atraente fazendo cirurgias plásticas ou exercícios para deixar o pescoço mais grosso.

Joey passou pelo Lookism.net, um fórum sobre “lookmaxing”, cheio de fotos de homens bonitos como inspiração, geralmente modelos e astros do futebol. Alguns membros postam fotos de seus rostos, e outros photoshopam essas fotos para torná-los mais bonitos. Um GIF de metamorfose deu a Elliot Rodger um queixo maior. Nesse site, o ápice da beleza masculina é como se um neandertal fosse modelo da Ralph Lauren – queixos enormes, bochechas maiores e olhos pequenos. Joey diz que não compra essa história, depois falou sobre as proporções erradas de seu rosto.

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“Aí comecei a entrar na internet, e percebi que havia literalmente uma epidemia de homens como eu.”

Pelo Discord, Joey explicou que acha que existem três tipos de homens que se interessam por lookmaxing. Primeiro, caras normais que só querem algumas dicas para parecerem mais bonitos. Segundo, os “Uggos” – “muitos desses caras são realmente feios. Tão feios que entendo por que eles acessam o site”, Joey disse. “Eles vão até lá para chorar sobre sua feiura e tirar algum sentido disso. Eles são basicamente masoquistas.” Terceiro, disse Joey, são os “iludidos”. Caras com uma aparência mediana, mas que “geralmente se acham muito mais feios do que são, e culpam isso por seus fracassos. O verdadeiro problema é que eles são muito autistas”, disse Joey. “Mas essa é a questão, imagine quão difícil é aceitar que sua personalidade é uma merda. O que você faz depois disso?”

Joey acredita que a cobertura da mídia dos incels é equivocada numa questão principal: a sugestão que a comunidade incel é o produtor da hipermasculinidade. Ele sente o oposto. É só olhar para o Lookism: “Mais uma vez homens feminilizados, obcecados com aparência e salvando centenas de fotos de modelos homens em seus computadores”. Incels são dóceis, sua violência é uma explosão de raiva reprimida. “Homens de verdade acham incels patéticos e efeminados”, disse Joey.

O discurso feminista e da esquerda tornou toda masculinidade tóxica, disse Joey. “Pergunte a uma feminista um traço masculino positivo. Qualquer exemplo de masculinidade positiva?”, ele disse. “Tradicionalmente seria coragem, honra. Mas ninguém quer dizer isso porque acreditam que isso implica que mulheres não podem ser corajosas ou honradas.” Ele diz que meios de comunicação como a Vice incentivam uma masculinidade “degenerada” e humilhada. “Vocês têm homens que parecem comigo, sabe? Vocês não têm homens masculinos, acho, na Vice.” Enquanto Joey me levava mais fundo no mundo dos incels, ficou claro que a marca dele de misoginia era uma expressão circular de ódio interno: Sou fraco, como uma mulher. Mulheres me tornaram fraco.

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Joey digitava milhares de palavras para mim no Discord, mas estava extremamente nervoso em ser entrevistado pessoalmente, ou mesmo por telefone. Online, ele explicou a frustração com as mulheres como uma função de uma ansiedade social mais ampla. “Mulheres representam nossa entrada para a hierarquia. Muitos de nós têm que espiar de fora, online”, ele disse.

“Quando saio, me sinto paralisado com ansiedade e medo”, disse Joey. “Conheço o método psicológico tradicional para abordar isso, mas o fato é que preciso daquela pessoa para me ajudar. Aquela pessoa para me validar e me fazer sentir OK em qualquer situação. Minha parceira, então não tenho que passar o tempo todo me preocupando com o que os outros pensam.” Foi uma das vezes em que eu quis dizer ao Joey que ele não é tão diferente assim de todo mundo, que eu também passo a maioria das festas conversando só com meus melhores amigos, que isso melhora com o tempo, e se ele já tinha tentando se exercitar para regular seu humor. Ele geralmente rejeita essas ideias. Quando eu disse que ele precisava ser ele mesmo, ele explicou que esse é um meme incel – Chads não acham que são seus músculos e dinheiro que o ajudam a circular pela vida, mas sua personalidade. Seja você mesmo, cara.

Quando nos encontramos pessoalmente, andamos até o supermercado juntos, e Joey se sentiu confortável o suficiente em público, segundo ele, porque “você está comigo”. Enquanto caminhávamos, ele explicou sua ansiedade: “Me sinto alienado e, e é como uma competição – é como um complexo de inferioridade que parece arrogância. Penso, foda-se, sou melhor que todas essas pessoas. Mas também gostaria de ser normal como elas”.

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Enquanto estávamos na fila para comprar uma Coca, Joey admitiu que ser associado com incels era um suicídio social, mas disse que não tinha nada a perder. Atravessando a rua, sem olhar, ele quase entrou na frente de um carro. Quando gritei com ele, ele disse que às vezes fazia coisas assim como parte de uma idealização suicida. No elevador, ele me falou sobre todas as maneiras como você pode se matar. Ele disse que se explodir era só um 3 numa escala de 1 a 100 de dor. Ele disse que pensava em ficar nos trilhos de trem por onde passamos. Mas que esse era um jeito muito mais doloroso de morrer.

“Quando saio, me sinto paralisado com ansiedade e medo. Conheço o método psicológico tradicional para abordar isso, mas o fato é que preciso daquela pessoa para me ajudar.”

Quando saímos do ameaçador mundo exterior, Joey abriu seu computador e mostrou o lugar onde ele realmente vive, uma sala no Tinychat, que ele comanda há três anos. É uma sala de bate papo onde as pessoas podem participar por vídeo, voz ou texto. No dia em que observamos o chat, entre quatro e dez pessoas estavam falando em vídeos de webcam, como uma abertura de Brady Bunch com incels, enquanto mais pessoas falavam por texto, comentando o que as pessoas diziam nos vídeos.

Joey apontou para seus amigos no Tinychat e explicou as circunstâncias que jogaram cada um deles no mundo dos incels: o careca prematuro, o mentiroso patológico etc. Os amigos dele sabiam que nossa equipe estava ali, e sabiam o contexto que nos tinha trazido até lá. Um escocês começou a gritar: “Nos próximos 3 meses vou cometer um ato de terrorismo doméstico… Vou explodir vários prédios do governo, Elle. Meu nome é SPAFT. Moro no Reino Unido… E se você não me denunciar para a polícia, a consciência é sua, querida”. Deveria ser uma piada, mas foi assustador. Ele disse a última frase num timing perfeito.

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O que sei sobre Spaft é seu sotaque e seu jeito, além de um resumo de sua personalidade que um amigo escreveu no Discord: “Spaft está sempre falando como se fosse brincadeira, mas essa insinceridade é uma máscara de seu estado real. Uma massa trêmula de carne, gesticulando numa pedra voando no espaço vazio, queimando sob a luz do sol”.

Uma razão para uma namorada parecer um sonho distante para Joey é porque ele não quer deixar esses amigos para trás. Homens, ele disse, “entram nessas subculturas e não encontram uma mulher que compartilhe seus interesses, mas não querem perder essa subcultura, sabe? Porque é isso que eles são”.

Observar uma coisa é mudá-la, e isso é particularmente verdade se o observador é uma mulher e a coisa é um clube de homens que odeiam mulheres. Outro amigo no Tinychat usava o nome Nux. “Ele vai mostrar o pau”, Joey disse de Nux. “É isso que ele faz. Mostra o pau, caga na calça.” Aí, momentos depois, Nux se cagou mesmo. No vídeo, uma imagem borrada mostrava fezes vazando de sua cueca branca. Joey riu. Pedi a ele para ler a mensagem de texto acompanhando a mensagem: “Cheira, Elle. Cheira meu cocô”. É uma coisa que Nux sempre fazia, como sua assinatura.

Algumas semanas depois, Joey me mandou uma mensagem. Nux tinha morrido. Seus amigos achavam que tinha sido suicídio. (O legista ainda não tinha determinado a causa da morte.) Ele tinha 28 anos. Mais tarde, Joey me disse que quatro amigos seus morreram por suicídio.

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Ele me mostrou um obituário, e fragmentos da personalidade de Nux que ele postava na internet.

No 4chan, os amigos de Nux postaram uma thread em sua homenagem. Para um fórum conhecido por seu humor negro e cruel, os comentários eram sinceros e carinhosos. “O maior troll que já viveu, mas também uma pessoa muito interessante, sensível e um residente de longa data do r9k, faleceu”, um dizia. Outro detalhava a biografia de zoeiras de Nux, como “brincadeiras bizarras como cagar no computador no Tinychat ou… como ele mijou no canto do seu quarto todo dia por um mês, só para os pais deles ficarem frustrados e confusos sobre o fedor mesmo quando o quarto estava completamente limpo, coisas assim, mas quem o conheceu melhor sabia que ele também era muito criativo, até poético… No final ele estava vivendo sozinho e atormentado por sua nostalgia, sempre tentando se reconectar com amigos que ele conheceu brevemente uma década atrás, pessoas que tinham seguido com a vida e nem lembravam mais dele ou achavam estranho ele entrar em contato agora”.

A conta no DeviantArt de Nux mostrava várias imagens de um homem com um monitor de computador no lugar da cabeça. No Pastebin, Nux tinha escrito um tipo de autobiografia, começando com seus problemas de saúde: “sofro de depressão / stress / ansiedade / autismo / síndrome do intestino irritável / dda /paralisia cerebral / despersonalização / transtorno de personalidade esquiva / espirro crônico. vivo de memórias”. Numa prosa em minúsculas imitando uma conversa de internet de um lado só, ele contava sua história de vida, sobre a escola que ele gostava, a garota em que ele tinha um crush, a escola que ele não gostava, os garotos que eram maus com ele, e como suas condições médicas causaram várias humilhações. É um texto bem escrito e perturbador. No final, ele escreveu que tinha comprado azida de sódio, um químico explosivo para inflar airbags extremamente venenoso. A última linha dizia “estou pronto”.

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Joey me mandou um vídeo que Nux fez, onde ele segura uma arma e exige memes. Nux surta, coloca a arma na boca, e para. Aqui, descrever a performance dele nas palavras de Joey ajuda a entender isso um pouco:

“Nesse ponto ele sai do personagem. Começa a parecer deprimido. 'PORRA PORRA… PORRA… PORRA… Não pense no pênis… PORRA… PORRA… não pense no pênis”, etc. Aí ele começa a criticar o vídeo. 'Não consigo parar de olhar para a tela… isso nem é real… coloca a arma na boca de novo… Sou muito idiota para comprar uma de verdade… muito idiota para morrer… muito idiota para viver… Vou ao meu terapeuta amanhã… Ele vai perguntar o que faço o dia inteiro… o que eu faço? Fico postando merda o dia inteiro… shitposting acabou com a minha vida. Não consigo parar de postar merda…'”

Joey vê isso como um comentário sobre a vida de Nux dada pela loteria genética e a vida que ele escolheu na internet. “Quando diz shitposting, ele quer dizer no sentido normal (trolar ironicamente e postar memes o dia inteiro na internet) e no sentido mais literal (ele se cagar para a diversão dos outros)”, ele disse. “Ele entende que ser esse cara do meme é uma vergonha e se odeia por isso, mas também adora isso porque é tudo que ele tem ou tudo que importa para ele.”

Perguntei ao Joey o que ele achava do vídeo. Ele disse que era muito bom. Depois disse “Acho que é como eu”.

Enquanto preparávamos nosso seguimento do VICE News Tonight para ir ao ar, pedi ao Joey para me ligar, depois de dias de negociação, só para eu dizer o que ele devia esperar. Ele me contou sobre ficar parado na frente do apartamento dele à noite, olhando as luzes da cidade. Ele achou que era algo bonito, ou achou que deveria achar bonito. Mas ele percebeu que era como da vez em que ele foi para a praia e ficou olhando as ondas: “Eu ia gostar mais disso se fosse pela tela do meu computador”.

Este segmento apareceu originalmente no VICE News Tonight na HBO e é uma matéria publicada na VICE US.

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