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Música

Os logradouros musicais de São Paulo

Conheça a trajetória de dez personalidades musicais que são nome de praças e ruas na capital paulista.

São mais de 91 mil alamedas, avenidas, praças e ruas. São Paulo é a cidade brasileira com o maior número de logradouros. Entre tantos homenageados estão diversos cantores, maestros, músicos, produtores e radialistas do passado que estão praticamente esquecidos. NOISEY percorreu diversos bairros e regiões da cidade em busca de nomes de personalidades musicais que possuem trajetórias curiosas e inusitadas.

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Praça Américo Jacomino

Vila Madalena, zona oeste. CEP: 05437-010

O violonista começa a passar mal dentro do smoking. Está pálido e suando muito. Fica se abanando com o lenço, mas continua com falta de ar. A sorte é que a gravação acontece de maneira rápida. O cantor, preocupado com o instrumentista, vai conversar com ele:

"Canhoto, o que aconteceu?"

"Não estou bem. Achei que não ia dar para terminar. Por quê essa canção tem esse nome? É muito fúnebre".

"'Berço e túmulo'? Mas o título é do Casimiro de Abreu não é meu".

"Estou com uma falta de ar".

Ninguém sabia que o músico sofria do coração e que sua veia aorta estava dilatada. Essa acabou sendo a última gravação do violonista Américo Jacomino, o Canhoto (1889-1928). Foram apenas 39 anos de vida de um músico pioneiro e virtuoso. Ele tocava o violão com a mão esquerda. Dessa maneira, colocava o instrumento contra o peito, tremendo o corpo para acompanhar as vibrações das cordas. Os médicos chegaram a aconselhá-lo que aquilo poderia prejudicá-lo. Mas ele não sabia tocar o instrumento de outra maneira, porque não tinha formação musical. Era um autêntico autodidata.

Tudo na vida de Canhoto aconteceu de maneira precoce. O violonista inaugurou o sistema elétrico de gravações e ganhou o título de "rei do violão brasileiro" em concurso promovido pelo jornal carioca Correio da Manhã. Em sua carreira, Jacomino se apresentou em concertos, cinemas, emissoras de rádio e restaurantes. Ajudou inclusive a quebrar a imagem de que os músicos eram boêmios ou malandros. Isso, porque Canhoto chegou a dar aulas de violão para a filha do governador Júlio Prestes.

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Pouco de sua obra foi gravada. Ele é autor de mais de 100 canções entre choros, marchas, maxixes, serenatas, tangos e valsas. Os violonistas admiram algumas de suas criações como "Abismo de Rosas", "Berço de Lágrimas", "Arrependida" e "Marcha dos Marinheiros". Além da praça onde está localizada a estação de metrô Vila Madalena, Canhoto também é nome de uma rua em São Carlos, interior de São Paulo. Isso, porque ele foi dono de uma loja de instrumentos na cidade.

Rua César Ladeira

Vila Cruzeiro, zona sul. CEP: 04726-040

Toda madrugada aquela voz entrava no ar. A dicção era perfeita, servindo como uma espécie de microfone oficial dos revoltosos. Junto com os oradores, ele incendiou a capital e todo interior do estado.

Faltou ousadia aos paulistas. Eles ficaram defendendo as fronteiras do estado e não avançaram rumo a então capital federal. Não teve jeito. Perderam a revolta para as tropas federais e o dono daquela voz acabou preso. Logo viram que ele não era tão ameaçador: baixinho, pescoço grosso e usava bigodinho. O radialista ficou apenas dezesseis dias preso. Depois, mudaria para o Rio para atuar na rádio Mayrink Veiga.

Em pouco tempo, César Ladeira (1910-1969) tornou-se o principal locutor da emissora. Um dos seus talentos era criar slogans para seus companheiros da estação. Foi assim que Carmen Miranda virou "a pequena notável", Francisco Alves "o rei da voz", Carlos Galhardo "o cantor que dispensa adjetivos", Almirante "a maior patente do rádio" e Sílvio Caldas "o caboclinho querido". O locutor tornou-se uma celebridade do Rio. Foi preciso pouco tempo na cidade maravilhosa para ele conhecer pessoalmente o líder que tentou derrubar: Getúlio Vargas. Pode ser que o radialista tenha tremido quando foi ter pessoalmente com o presidente no Catete. Mas acabaram ficando amigos. Tanto que César Ladeira tornou-se o locutor pessoal do ditador em seus eventos oficiais.

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O radialista foi um dos primeiros a apostar no jovem humorista Chico Anysio. César Ladeira também trabalhou na televisão, no teatro de revista e no cinema. É considerado o maior o locutor brasileiro de todos os tempos.

Rua Cornélio Pires

Cidade Vargas, zona sul. CEP: 04320-140

O chapéu de abas largas, a gravata borboleta, o cigarro de palha espetado nos dentes e a corpulência eram suas marcas registradas. Os teatros, cinemas, salões de clubes e escolas sempre lotavam com a sua presença. Eram as conferências de anedotas caipiras. Já seus livros faziam tanto sucesso que algumas edições esgotavam-se em pouco tempo. Mas não detinham unanimidade com a intelectualidade da época. "Escrevo para minha gente, para os meus caipiras quer sejam da cidade, quer dos sítios, me dedico ao regionalismo e não procuro fazer literatura para alta crítica", admitiu.

A verdade é que é difícil definir ao certo a profissão de Cornélio Pires (1884-1958). Ele foi poeta, jornalista, escritor, folclorista, compositor, produtor fonográfico, conferencista, radialista e cineasta. Mas não sabia acumular dinheiro. Fracassou em todos os empregos estáveis que teve: professor de educação física, proprietário de uma fábrica de manilhas e dono de uma olaria de tijolos. "Embora o produto fosse bom, ninguém comprava os tijolos nem as telhas fabricadas por Cornélio Pires", anotou seu biógrafo Joffre Martins Vega.

Cornélio veio para São Paulo estudar farmácia. Mas nem chegou a fazer o vestibular. Engajou-se no jornalismo e nas rodas boêmias. Na capital paulista tornou-se conhecido entre os intelectuais por contar anedotas e causos caipiras. Em 1914, começou a promover em São Paulo, no interior e em outros estados a série de conferências caipiras, divulgando a arte interiorana. Era um autêntico produtor independente.

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Pires tentou que a gravadora Columbia se interessasse pelos cantores caipiras. Mas os executivos achavam que aquele gênero não teria sucesso. Cornélio foi corajoso: pagou a prensagem dos discos do próprio bolso. Ele foi responsável pela primeira gravação de música sertaneja da história: Jorginho do Sertão, gravado pela dupla Mariano e Caçula. Entre 1929 e 31, o poeta tieteense foi responsável por 49 discos e 98 gravações.

Cornélio é possivelmente o escritor brasileiro de maior sucesso comercial na década de 1920.  No final da vida, converteu-se ao espiritismo e parou de publicar. "Meus livros são coisa do passado. Ninguém hoje iria perder tempo em ler Cornélio Pires, com cinemas, televisão, rádio e outras diversões espalhadas profusamente por aí", declarou. Morreu de câncer de laringe aos 73 anos. Não soube acumular dinheiro e morreu praticamente sem reconhecimento por ser o pioneiro da música sertaneja.

Rua Francisco Alves

Lapa, zona oeste.

CEP:

0501-040

O acidente na Via Dutra foi violento. O automóvel Buick chapa 11-65-80 ficou irreconhecível. O companheiro do motorista foi levado à Santa Casa de Taubaté. Já o condutor não teve a mesma sorte: morreu carbonizado e seu velório tornou-se tragédia nacional. Isso porque ele foi o mais influente cantor brasileiro da primeira metade do século. Francisco Alves voltava para o Rio de Janeiro depois de algumas apresentações de sucesso em São Paulo. Seu último show foi visto por cinco mil pessoas no Brás e foi transmitido ao vivo pela rádio Nacional de São Paulo. "Silenciam os violões e chora o povo a morte do seu cantor. Enorme massa popular acompanhou o féretro do cantor", publicou o Diário de Notícias. Uma multidão acompanhou o enterro do artista no cemitério São João Batista no Rio de Janeiro. Foram cinco milhões de discos vendidos em apenas 34 anos de carreira. Mas ninguém no Brasil gravou tanto como ele: Francisco Alves, o "rei da voz" (1898-1952).

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Chico Viola foi um dos intérpretes mais imitados e influentes de todos os tempos. Sua musicalidade era inspirada na escola do bel-canto, próximo das óperas europeias. Mesmo assim, ele tinha uma inegável qualidade: sabia descobrir desconhecidos compositores dos morros cariocas. Foi assim que talentos como Ismael Silva, Cartola, Bidê e Marçal tiveram a chance de ingressar na carreira artística. O próprio intérprete tinha origem humilde. Francisco Alves foi engraxate, vendedor de uma fábrica de chapéus e taxista antes de tornar-se cantor.

Gravou compositores do seu tempo como Ary Barroso e Noel Rosa. Também esteve ao lado de Carmen Miranda e Mário Reis em excursões internacionais e gravações em duetos. Sua morte precoce calou um dos artistas mais carismáticos e queridos do Brasil em todos os tempos.

Praça Jornalista Roberto Corte Real

Pinheiros, zona oeste. CEP: 05433-070

O garoto estava desesperado. Ele tinha sido demitido da Polydor e não conseguia chance em nenhuma gravadora. Faltava somente a Columbia, representante da CBS. Ele consultou o orientador da sua carreira: o compositor e produtor Carlos Imperial. Esse último estava otimista:

"O diretor de lá chama Roberto Corte Real. No mínimo, temos algum parentesco na Corte".

Imperial ligou para a CBS. Conseguiu marcar uma reunião para os próximos dias. No dia marcado, o produtor e o jovem cantor ficaram surpresos ao conhecer aquele senhor de suspensórios e gravata borboleta. Corte Real era frequentador do Jazz Club do Rio de Janeiro e tinha visto algumas palestras de Imperial. Os dois iniciaram uma conversa e ele se interessou por aquele cantor iniciante: Roberto Carlos. Foi nesse dia que o artista assinou seu contrato com a gravadora em que está até hoje.

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Mas Roberto Corte Real (1919-1988) não foi apenas um dos descobridores do rei Roberto Carlos. Como jornalista, foi apresentador de um dos primeiros telejornais da televisão paulista ( Mappin Movietone) e trabalhou como assessor de imprensa do então governador Jânio Quadros. Foi apresentador de programas de rádio e produtor fonográfico, tendo ajudado na projeção de cantores como Maysa, Sérgio Murilo, Cauby Peixoto e Lana Bittencourt.

Praça Luiz Carlos Paraná

Itaim Bibi, zona oeste. CEP: 01453-100

A vida noturna, a penumbra, a fumaça e a bebida foram constantes em sua trajetória. Ele era boêmio e dono da casa de shows mais frequentada nas noites de São Paulo. Compositor de renome tendo sido gravado por nomes díspares como Carlos José, Cascatinha e Inhana, Elza Soares, Hebe Camargo, Inezita Barroso e até Roberto Carlos. Luiz Carlos Paraná (1932-1970) sofria de cirrose, mas sua bebida preferida não era cerveja, uísque, vinho ou qualquer bebida alcoólica. Sua bebida era o leite e ele não parecia ter nenhum tipo de vaidade. Tanto que só começou a gravar as faixas do seu primeiro disco meses antes de morrer. E por pura insistência do seu amigo Marcus Pereira. O rosto barbado de óculos nas fotos antigas dão ideia de um homem feliz e risonho. Só existem fotos de Luiz Carlos Paraná jovem. Isso porque ele morreu com apenas 38 anos.

Este menestrel da música popular nasceu e cresceu na pequena Ribeirão Claro, cidadezinha do norte do Paraná. Foi trabalhador rural até os 19 anos. Depois foi balconista de uma loja em sua cidade e agente do IBGE. Foi nessa época que aprendeu de forma autodidata a tocar violão e ler com exemplares antigos da revista O Cruzeiro. Tentou a carreira musical no Rio de Janeiro. Não teve muita sorte, mas chegou a dividir o quarto de pensão com um baiano que também estava começando no mundo artístico: João Gilberto. Luiz Carlos transferiu-se para São Paulo onde tornou-se figurinha conhecida na noite. Cantou em boates conhecidas da época como Music Box, Sambalanço, e Zelão. Foi nesse período que ele tornou-se interessado em estudar e pesquisar a música brasileira antiga. "Carlos vivia permanentemente revoltado com a dominação musical a que estávamos sujeitados e seu maior sonho era um dia poder ter uma trincheira mais consequente para lutar contra a imposição cultural da música estrangeira", anotou Marcus Pereira em seu livro de memórias. No fim de 1964, Paraná conseguiu um sócio para fazer seu sonho: abrir uma casa noturna especializada em música brasileira. Foi na galeria Metrópole que surgiu seu empreendimento: o bar Jogral. Quatro anos depois, a casa noturna acabou mudando de endereço para um espaço mais amplo na rua Avanhandava. A boate tornou-se uma referência na noite paulistana.

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Além do dono, apresentaram-se no espaço artistas consagrados e iniciantes como Jair Rodrigues, Martinho da Vila e Renato Teixeira. O compositor Paulo Vanzolini era presença diária e também dava suas canjas. Já outro frequentador, o jornalista e crítico musical Valter Silva chegou a definir o bar como um "minitemplo da cultura brasileira".

Mesmo com o Jogral, Paraná prosseguiu sua carreira de compositor. Ele conseguiu ter bons momentos nos festivais da TV Record conquistando o segundo lugar em 1966 com De amor e paz defendida por Elza Soares e o quinto lugar no ano seguinte com Roberto Carlos cantando Maria, carnaval e cinzas.

Luiz Carlos Paraná morreu cheio de planos e projetos que acabaram não concluídos com sua morte precoce. O Jogral até durou mais algum tempo. Mas sem sua presença o espaço teve vida curta.

Praça Moraes Sarmento

Pacaembu, zona central. CEP: 01251-040

A camisa, o terno e o colete eram escolhidos a dedo por dona Wilma. Os óculos fundo de garrafa davam um ar professoral. A alegria de estar apresentando mais um programa era contagiante. Levava a profissão tão a sério que parecia ser essa a missão da sua vida: preservar a música do seu povo. "Nem queiram saber da minha luta. Eu pago o preço de querer preservar a memória musical da nossa terra e vou morrer assim", disse ele um ano antes de sua morte.

Rubens Sarmento (1922-1998) fez fama no meio artístico com o pseudônimo de Moraes Sarmento. Defensor ferrenho da música brasileira, foi o primeiro apresentador a homenagear o cantor Vicente Celestino quando esse já estava afastado do meio. Sarmento começou trabalhando no interior, mas ficou conhecido quando entrou para a rádio Bandeirantes de São Paulo, em 1958. Foram 22 anos interruptos na emissora do Morumbi, tornando o programa "Almoço a Brasileira" uma das coqueluches do rádio paulistano. Era adorado pelos artistas, principalmente os sambistas. "Foi o amigo que mais me ajudou na minha carreira artística", declarou Noite Ilustrada em seu livro de memórias. Sarmento era tão querido pelos artistas desse gênero que foi escolhido como o primeiro presidente da Federação das Escolas de Samba de São Paulo. Teve discussões homéricas com o então prefeito Faria Lima pela regularização dos desfiles que aconteciam na avenida Tiradentes.

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Moraes Sarmento não era homem de preconceitos. Nem musicais, raciais ou regionais. Mantinha relações próximas com artistas de outros estados como Dorival Caymmi e Luiz Gonzaga. O compositor Ataulfo Alves não gostava de dar entrevistas ou participar de programas musicais. Mas quando era convidado por Sarmento saia do Rio e vinha para São Paulo de carro sem pestanejar.

Pouca gente lembra. Mas Moraes Sarmento foi o primeiro apresentador do programa "Viola, Minha Viola" da TV Cultura. Foram onze anos na emissora do grupo Padre Anchieta. Sarmento era indiferente á música caipira. Até conhecer a obra do compositor João Pacífico. Foi amor á primeira vista. Em alguns vídeos do YouTube é possível ver o jeito despachado e sincero de Sarmento apresentando a atração. Algumas vezes, a emoção tomava conta dele. Então, o apresentador era obrigado a tirar o óculos e pegar o lenço. Assim ele conseguia enxugar as lágrimas.

Recebeu títulos de cidadão de diversas cidades. Era adorado no interior. Deve ser por isso que é nome de logradouros por todo estado. Sarmento merecia bem mais reconhecimento por sua vida e trajetória. Chegou a ser referenciado até pelo dramaturgo Plínio Marcos no disco dos sambistas de São Paulo.

Rua Orlando Silva

COHAB Padre José Anchieta, zona leste. CEP: 03589080

Todo sábado ele aprontava das suas. Abandonava o Opala Comodoro novinho na garagem e deixava o apartamento no terceiro andar da Rodolfo Dantas na companhia de dona Lourdes. Pegavam um táxi e faziam o mesmo trajeto, uma espécie de city tour: Copacabana, Barra da Tijuca, Urca e Lagoa. Paravam na mesma casa de lanches e levavam o motorista junto para que lanchasse com eles. O taxista virava uma espécie de convidado especial do casal. Quando chegava o final da corrida, o motorista argumentava:

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"O que é isso? É uma honra para mim. Quero apenas um autógrafo seu para mostrar aos meus amigos e familiares. Vou contar para eles que passei uma tarde com o senhor".

Orlando Garcia da Silva, o Orlando Silva (1915-1978) talvez tenha sido o artista mais amado do Brasil em todos os tempos. Ao ponto do presidente Getúlio Vargas confidenciar ao cantor no Palácio do Catete:

"Gostaria de ter a sua popularidade Orlando".

"Mas ninguém tem a sua popularidade presidente", retrucou o artista.

"Mas eu tenho inimigos e você não", devolveu o político.

É a mais pura verdade. Homem cordial, Orlando gostava de manter o contato fraterno com o público em geral. Mas isso não se resumia aos fãs. Era assim também com seus colegas de profissão. A maneira mais correta de definir Orlando Silva é que ele foi um predestinado. Nunca teve porte de ídolo ou galã. Carioca do subúrbio do Engenho de Dentro, Orlando era um homem franzino, usava cabelo repartido ao meio com brilhantina e andava mancando. Sua vida e trajetória artística daria um filme com altos e baixos que todo grande personagem merece.

O título "cantor das multidões" não veio à toa. Foi o locutor Oduvaldo Cozzi quem lhe deu esse apelido após uma excursão a São Paulo. Seu período dourado foi na gravadora Victor, entre 1935 e 1942, quando gravou um repertório que lhe deu fama, prestígio e popularidade. A partir de 1945, sua voz acabou não conseguindo atingir o mesmo nível. É inegável que o álcool, o cigarro e as drogas o prejudicaram. Alguns contemporâneos vão apontar o relacionamento amoroso com a atriz Zezé Fonseca como prejudicial. Tudo isso coincidiu com sua saída dos lugares onde manteve maior prestígio: a gravadora Victor e a rádio Nacional. A partir de 1951, consegue uma espécie de reabilitação. Mas continuou sendo apenas uma sombra do artista na época de seu maior sucesso. Orlando Silva, o "cantor das multidões" é nome de logradouros em diversas cidades brasileiras.

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Rua Roque Ricciardi

Jardim Catarina, zona leste. CEP: 03910-035

" Qual seria o anel do cantor,

Como tu, Paraguassu?

Como tu, cantor do amor?

Esse anel seria uma saudade brilhante

Ou melhor, uma saudade cantando

Na gravação de uma dor?"  Catulo da Paixão Cearense (1863-1946)

Na São Paulo dos anos 1920 não tinha pra ninguém. Nas boates, casas comerciais, cafés, circos, confeitarias e teatros ele era o artista mais celebrado. Sua moral com o público feminino era imenso. Todas as jovens senhoritas adoravam o italianinho do Brás, o cantor das noites enluaradas. Muitas vezes os amantes se suicidavam ouvindo suas canções. Foram documentados cinco suicídios tendo suas músicas como repertório. No início, todos gozavam o sotaque italiano daquele rapagão alto de olhos claros. Aquilo enfureceu o jovem. Ele decidiu que usaria um nome artístico bem brasileiro: Paraguassu (1894-1976).

Foi com esse nome que ele tornou-se ídolo em todo Brasil. Foi o primeiro artista paulistano a fazer sucesso nacional sem precisar sair da cidade. Seu prestígio com as autoridades era tanta que era um dos poucos artistas a frequentar o salão grená do Palácio dos Campos Elíseos, residência oficial dos governadores paulistas. Um dos seus diferenciais foi a amizade e parceria com o compositor Catulo da Paixão Cearense. "Ele foi um dos maiores poetas do Brasil", reconheceu Paraguassu numa de suas últimas entrevistas.

Um dos pioneiros da gravação no Brasil, o cantor não tinha gênero preferido. Gravou serestas, modinhas, toadas românticas e até músicas sertanejas. Quando estava nesse gênero adotava o pseudônimo de Maracajá e ficava sob as ordens de Cornélio Pires. Paraguassu foi muito próximo de Pixinguinha. "Toda vez que eu ia ao Rio encontrava com ele no bar Gouveia. Dez horas, dez e pouco ele estava lá", rememorou o cantor. Quando Pixinguinha vinha a São Paulo com os Oito Batutas era a mesma coisa: os dois encontravam-se no café Guarani e viravam a noite na boemia. Paraguassu também trabalhou no cinema, chegando a participar do longa-metragem Acabaram-se os Otários (1929), primeiro filme brasileiro sonoro.

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A adolescência e o início da vida adulta desse cantor romântico foram no bairro do Brás, centro de São Paulo. Não existe nenhuma placa, homenagem ou registro sobre ele em todo bairro. Nem na rua Silva Teles, no Belém, onde ele nasceu. Paraguassu recebeu apenas uma acanhada rua entre o Jardim Catarina e a Vila Guarani. Mas com seu nome de batismo: Roque Ricciardi e não com o pseudônimo que tanta fama lhe deu. Morreu aos 81 anos um tanto esquecido e completamente afastado da vida artística.

Praça Vicente Celestino

Barra Funda, zona oeste. CEP: 01154-080.

Sua única chance era a porta dos fundos do teatro. Mas o público feminino não deu trela: esperavam o cantor ali. Daquela vez a polícia não tinha cordão de isolamento para conter o alvoroço. Não teve jeito: as roupas do intérprete foram rasgadas e até seu cabelo revoltoso perdeu o penteado engomado.

Se existia algo que o cantor Vicente Celestino (1894-1968) gostava era do seu cabelo encaracolado. Um dos seus grandes problemas pessoais aconteceu quando ele tinha 25 anos. Vítima da gripe espanhola, o cantor teve que raspar seus cabelos. Mas não deixou de apresentar-se: arrumou uma peruca para tampar a careca. Mas a voz permanecia intacta e o timbre inconfundível. Por essas e por outras ele ficou conhecido como a "voz orgulho do Brasil".

Vicente Celestino tornou-se sucesso em todo Brasil numa época em que ainda não existiam emissoras de rádio. Eram os tempos da gravação mecânica. Os técnicos tinham medo que a voz forte do cantor quebrasse todo equipamento. Então, o intérprete era obrigado a gravar de costas e a vinte metros de distância. Isso durou até o dia em que ele conheceu um jovem técnico que finalmente orientou-lhe a cantar com a boca no microfone. O sucesso foi maior ainda.

Um dos seus maiores êxitos foi a canção "O Ébrio" que acabou virando filme dirigido por sua esposa Gilda de Abreu. O longa-metragem produzido pela produtora Cinédia e realizado em 1946 tornou-se um estrondoso sucesso de bilheteria. Calcula-se que mais de 12 milhões de brasileiros assistiram a película.

Na década de 1920, Vicente Celestino era possivelmente o cantor brasileiro mais conhecido nacionalmente. Excursionou por diversos estados sempre sendo tratado como uma verdadeira celebridade. "Quando Vicente entrou em cena, ficou pasmo de ver tanta gente. Era gente pendurada até nos postes de eletricidade. Ninguém se entendia mais. Eram todos a gritar ao mesmo tempo", escreveu Gilda de Abreu em seu livro de memórias.

Aos 73 anos, o cantor morreu vítima de enfarto no hotel Normandie em São Paulo. Ele iria apresentar-se na TV Record com Caetano Veloso. Sua morte causou comoção entre seus fãs. Tanto que o prefeito Faria Lima designou que a praça entre a avenida Pacaembu e as ruas Camaragibe e Lavradio recebesse o nome de Vicente Celestino.