Quão realistas são as representações da máfia italiana no cinema de hoje?

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Quão realistas são as representações da máfia italiana no cinema de hoje?

Fui para Roma entrevistar Stefano Sollima, diretor do cult sobre o crime siciliano 'Gomorra', e conversamos sobre seu novo filme 'Suburra' e a cultura da corrupção da Itália.

Matéria originalmente publicada na VICE UK .

Há quase um século, nossas telas estão cheias de bandidos sábios e parceiros criminosos. Seja em O Poderoso Chefão ou The Sopranos, adoramos assistir caras em restaurantes italianos cuidando dos negócios; o filme de máfia se tornou um tropo tão desgastado quanto o do western.

Mas hoje em dia, esses títulos ainda são fiéis à realidade? Em 2016, homens de família italianos ainda colocam cabeças de cavalo na cama de seus rivais e fazem ofertas que você não pode recusar?

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Piazza della Suburra, o centro do crime italiano, todas as fotos por Emanuela Scarpa.

Para descobrir, vim para a Itália visitar uma área de Roma que, nos tempos romanos, era conhecida como Suburra. Aqui é onde a riqueza se mistura com as classes mais baixas em tavernas e bordéis, geralmente procurando prostitutas ou assassinos profissionais. O lugar também é o nome do novo filme do diretor de Gomorra Stefano Sollima, porque depois de 2 mil anos, parece que as classes políticas da cidade ainda gostam de vir para cá fazer negócios com o submundo.

Uma cena de Suburra.

Lançado no Reino Unido esta semana, Suburra já é um sucesso na Itália. Um spin-off baseado no filme será a primeira série italiana da Netflix, entrando em produção ano que vem, e garantiu a Sollima a vaga de diretor na sequência de Sicario, Soldado.

Suburra se passa num período de sete dias em 2011. O filme acompanha um grupo de famílias mafiosas em guerra tentando transformar Ostia, um subúrbio de frente para o mar de Roma, numa faixa de jogatina comparada a Las Vegas. Para isso, o chefão Samurai faz um conluio com o político local Malgradi, tentando introduzir uma lei para que a área seja renovada com vários cassinos. É uma versão neonoir de sexo, drogas e Vaticano. Através das lentes de Sollima vemos políticos e gangsteres trabalhando juntos, cúmplices dos mesmos crimes.

"Acho que Suburra, se você conhece a cidade e como as coisas funcionam aqui, é um retrato realista e verdadeiro", disse Sollima. "É baseado na realidade. É um filme sobre poder. É uma resposta para a pergunta: o que você está disposto a dar de si para manter ou conseguir mais poder?"

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O diretor Stefano Sollima e o roteirista Carlo Bonini.

Estávamos almoçando no Urbana 47, um restaurante a 100 metros da Piazza della Suburra, o centro da área. Com a gente estavam os roteiristas do filme, o jornalista Carlo Bonini e o escritor Giancarlo de Cataldo. "Em Roma, é impossível falar ou escrever sobre crime sem considerar o poder político, ou sem considerar o Vaticano", diz De Cataldo, que escreveu Romanzo Criminale , outra história da máfia moderna que virou filme e depois uma série de TV. "Ao mesmo tempo, você sente a influência da Máfia. Suburra é uma tentativa de revelar algo que está sob a superfície de Roma."

A corrupção da vida real em Roma chegou um pouco mais perto da superfície em novembro passado, com o início dos julgamentos da Mafia Capitale. Quarenta e seis réus, incluindo vários políticos, foram acusados de corrupção, como fechar negócios escusos de licitações públicas para a criação de um centro de refugiados e serviços de coleta de lixo .

As autoridades italianas têm 36 mil horas de conversas gravadas , além de vídeos de alguns dos envolvidos recebendo propina. No entanto, os réus negam ter qualquer ligação com a Máfia. Na Itália, os crimes da Máfia rendem sentenças mais longas e em condições piores que crimes de corrupção.

Vendo as imagens dos acusados chegando ao tribunal, eles não se encaixam muito na nossa ideia de máfia. O julgamento parece ser de um caso comum de corrupção, não de um grupo escuso do submundo comandado por uma figura estilo Marlon Brando. Então é certo igualar esse escândalo político moderno com a Máfia?

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De Cataldo, que também é juiz, explica: "Eles são acusados de crimes da Máfia, o que terá que ser discutido por esses juízes. Não estou incluído — felizmente! Temos uma imagem tradicional da Máfia: homens do sul da Itália com um senso forte de família, matando com uma arma de cano serrado chamada lupara porque era usada para caçar lobos. É difícil aceitar culturalmente que a Máfia evolui. Ela muda com os tempos. E esse é um mundo globalizado, então a Máfia também é globalizada.

"A sociedade é tecnológica, então o crime também é tecnológico — e mais rápido que nós. Num nível judicial, eles terão que discutir [se esses foram realmente crimes da Máfia]. Acho que vai levar mais cinco ou seis meses antes de termos uma decisão; em novembro ou dezembro. Os juízes vão decidir sobre costume, hábito, cultura e na cabeça das pessoas, se esses foram crimes mafiosos."

Gangues com base no coração da capital italiana marcam uma mudança distinta das tradicionais famílias sicilianas, de onde vieram a máfia dos EUA. Hoje, a máfia siciliana é muito mais fraca, digamos, que quando Mario Puzo escreveu O Poderoso Chefão nos anos 60.

"Para encontrar a Máfia, você costumava ir para a Sicília ou Calábria — havia um elemento geográfico nisso", explica Bonini. "Isso mudou muito. Agora existe a percepção geral de que a Máfia está quase em toda parte. Às vezes as pessoas não conseguem elaborar com precisão, mas a percepção de corrupção e pressão criminal é generalizada. Não há mais lugares na Itália onde as pessoas vão dizer 'Essa é uma cidade livre da Máfia'. Isso não significa que a Máfia está em todo lugar, mas a percepção de Máfia mudou. Por isso dizemos Mafia Capitale, a Máfia em Roma."

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Em Suburra, os corpos se empilham rapidamente e é mais fácil identificar a ação da Máfia. De Cataldo diz que, na vida real, os mafiosos contemporâneos são menos violentos do que no passado, o que não quer dizer que são menos poderosos.

"Nunca confie na Máfia quando eles não estão atirando ou matando", ele diz. "É aí que eles estão fazendo negócios. Todos os mafiosos dizem: 'Quando mata alguém, você tem que cuidar do corpo'. É muito caro. Se você não está matando, significa que não precisa matar. É aí que você é mais forte."

Ele vê um fim para isso? "O grande juiz Giovanni Falcone costumava dizer: 'Tudo tem um começo e um fim, até a Máfia'. Mas não acho que não vou viver para ver esse fim", ele suspira.

Suburra lida com os tropos tradicionais de filme de mafiosos, mas os usa para contar uma história moderna e universal.

"O que retratamos no nosso filme é algo que você encontra em qualquer lugar do mundo", aponta Sollima. "Você tem grandes escândalos políticos no Reino Unido também. Às vezes os políticos simplesmente não estão interessados em lutar pelos seus problemas, apenas em fazer mais dinheiro para si mesmos e seus amigos. Esse é o lado negro da política."

Se a Máfia está na cama com a política, como Suburra mostra, ela não precisa de nenhuma cabeça de cavalo.

@KevinEGPerry

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