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A maior surpresa do novo filme do Tarantino é não ter surpresas

Os Oito Odiados é a maior mistura de todos os clássicos trejeitos tarantinescos.

Kill Bill foi o primeiro filme do Tarantino com o qual eu tive contato. Eu era ainda criança e meus pais assistiram na televisão da sala. Lembro que minha mãe ficou incomodada com a escolha do meu pai por um filme de banho de sangue para assistir num domingo à tarde com as crianças em casa. Na época, no auge dos 10 anos, eu não entendi nada, mas concordei que era um filme violento.

Anos mais tarde, meu ex-namorado me fez rever Kill Bill, volumes I e II, porque eram suas obras favoritas do diretor. Mais velha e mais sábia, eu percebi que não era só um filme violento, mas um filme sobre violência. Vendo outros longas do Tarantino, fica claro que vermelho é uma das suas cores favoritas e que a temática da vingança por meio da violência também é algo que ele curte abordar e aprendeu a fazer com maestria desde Pulp Fiction, sua obra prima, por assim dizer.

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Seu novo filme, Os Oito Odiados, não é diferente. Marcado para estrear no Brasil no dia 7 de janeiro, o longa é o oitavo filme da carreira de Quentin Tarantino e seu segundo faroeste, seguido de Django Livre, uma novidade que deu muito certo ao misturar grandes atores – como o Leonardo DiCaprio, que não ganhou o Oscar mais uma vez, mas continua na luta – e um gênero novo na filmografia do diretor. Tarantino já se utilizava dos elementos do faroeste em seus outros filmes, mas justificou sua escolha durante uma coletiva de imprensa que aconteceu logo depois da exibição do filme.

A trama acompanha oito personagens – por isso o nome, obviamente – presos em uma cabana no meio do nada no interior dos EUA esperando uma nevasca passar. Basicamente, são sete homens e uma única mulher que precisam conviver por uma noite num cubículo controlando os impulsos de matarem uns aos outros.

Mas antes de chegar a esse ponto, tem toda uma historinha. A primeira cena do filme me fez lembrar a abertura sinistra do filme O Iluminado, de Stanley Kubrick. Parece que alguma coisa vai dar ruim logo no começo. Passada a paisagem, é difícil não fazer uma comparação com o início de Django no momento em que a figura de Samuel L. Jackson aparece no meio da estrada pedindo uma carona até a cabana onde se passarão as próximas duas horas de filme, regadas a bastante falação e sangue, marca registrada do diretor. "A cor vermelha está presente na minha paleta, com certeza", ele brincou. "O sangue na vida real não é bonito, é muito assustador, mas nos filmes, não, até tem um gosto bom. Você pode usar como uma tinta, que pode ser usada em várias situações, pode ser engraçado."

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Tarantino explicou que esse é um filme sem heróis e ninguém é o que parece ser.

Como sugere o título, todos são odiados e também se odeiam. O próprio Tarantino explicou que esse é um filme sem heróis e ninguém é o que parece ser: "Uma das coisas que eu queria fazer nesse filme era apresentar nenhum herói. Não tem um centro moral para o espectador se apegar. Eu queria que todos fossem mais ou menos o cara mau. Todo mundo é questionável, você não pode confiar no que ninguém diz sobre ninguém, você não pode confiar no que eles dizem sobre si mesmos."

A questão da moralidade ou o excesso de sangue não foram coisas que me incomodaram, mas o fato da única personagem mulher apanhar bastante mexeu não só comigo. Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) é uma assassina capturada pelo caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) que vai entrega-la a um xerife e lucrar 10 mil dólares nessa brincadeira. Django já abordava a trama do caçador de recompensas e também apresentava uma só mulher na história. Broomhilda(Kerry Washington), a namorada de Django (Jamie Foxx) é inspirada em uma princesa de uma lenda alemã, então é meio que justificável que ela tenha um papel mais recatado. Mas Daisy é uma assassina.

Desde Mia Wallace – lindamente interpretada por Uma Thurman em Pulp Fiction – Tarantino investe em minas fodas: Jackie Brown (Pam Grier) é protagonista, carrega o nome do filme e é incrível, Beatrix Kiddo (Uma Thurman, Kill Bill) e Soshanna (Mélanie Laurent, Bastardos Inglórios) também. Parecia uma tendência ter mulheres que apanhavam, mas que batiam na mesma proporção nos filmes do Tarantino.

Por isso, eis que recebi Daisy com alguma surpresa e questionei o diretor durante a coletiva de imprensa que aconteceu logo depois. Um pouco desconfortável com a minha pergunta, ele respondeu que Daisy é uma personagem forte e requereu cuidado na escolha da atriz, considerada nos anos 90 como a versão feminina da Sean Penn, de acordo com o diretor. "Eu acho que Daisy é a personagem mais forte e mais perigosa no filme inteiro. Ela apanha muito, sim, mas ela devolve, cospe nos olhos de todo mundo. Todo mundo preso naquela casa é durão, mas acho que ela é a mais durona", disse. Até dá para entender que a personagem é sim muito bem trabalhada. No entanto, numa briga entre Daisy e Kiddo, eu provavelmente apostaria minhas fichas na segunda, mas tudo bem.

Os Oito Odiados é a maior mistura de todos os clássicos trejeitos tarantinescos.

A versão do filme apresentada aos jornalistas em novembro era uma versão mais longa e sem cortes, então foram mais de duas horas e meia de um filme que misturou tudo o que o diretor já fez. O uso de um cenário principal nos remete muito a Cães de Aluguel, primeiro filme de Quentin; os longos diálogos cheios de detalhes e referências, presentes em todas as obras do diretor, fã de uma boa falação; sempre tem também a divisão da trama em capítulos, alguns momentos de vai e volta na história, e aquela cena icônica de vai-não-vai, aquele momento de suspense com dois sujeitos apontando uma arma para a cara do outro e ninguém sabe o que pode acontecer.

Os Oito Odiados, em suma, é a maior mistura de todos os clássicos trejeitos tarantinescos. Não é um filme ruim, nem de longe, mas também não é um filme cheio de surpresas – e talvez essa seja a maior surpresa – e é liberado para o domingo à tarde na televisão da sala.