​A utopia otimista dos estilistas de impressoras 3D

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​A utopia otimista dos estilistas de impressoras 3D

No Brasil e no mundo, profissionais da moda criam coleções inteiras com apenas alguns cliques e uma maquininha. O quão distante estamos de baixar vestidos na internet e imprimi-los em casa?

A indústria da moda é chegadíssima em revoluções tecnológicas. No século 18, enquanto chiavam os primeiros motores a vapor a Revolução Industrial, as máquinas das fábricas não paravam de produzir tecidos. Na década de 1930, veio outra: cientistas inventaram um negócio chamado fibra sintética, um material que, como essa sua blusa bonitona comprova, possibilitou mudanças incalculáveis. Descendente direto do plástico, o nylon passou a ser usado em absolutamente tudo: pára-quedas, calcinhas, linhas de pesca, bermudas, cordas. No mundo de hoje, falar isso parece banal. E talvez daqui algum tempo achemos bem de boa baixar um arquivo da internet e imprimir um vestido em casa.

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Conhecida por reproduzir dentes, armas, próteses, móveis e qualquer objeto projetável em um computador, a impressora 3D é uma forte candidata à técnica revolucionária da moda no nosso tempo. Estilistas como a holandesa Iris van Herpen, que já fez roupas para Björk Karl Lagerfeld em uma coleção de 2015 para Chanel e o brasileiro Pedro Lourenço, usaram o mecanismo para fazer sapatos, acessórios e roupas. São, digamos, a vanguarda do uso da plataforma. A israelense Danit Peleg, de 27 anos, também está no grupo e, podemos dizer, com uma postura ainda mais inovadora: ela se tornou a primeira pessoa a imprimir em casa uma coleção inteira a partir da tecnologia 3D.

Formada pela Faculdade de Design de Shenkar, a estilista realizou o feito depois de nove meses de estudo, noites no laboratório e ajuda de profissionais técnicos. Apesar de todo trabalho, Peleg acredita que em breve esse processo poderá ser feito cotidianamente por qualquer um que se interessar."As pessoas gostam de ser independentes", afirma. "Querem fazer as coisas elas mesmas. A cultura do Faça Você Mesmo é muito forte. Impressoras 3D estão ficando mais baratas e rápidas a cada mês. Acho que, em um futuro próximo, muitas pessoas vão ter se adaptado a essa tecnologia."

A ideia pareceu dar certo. Críticos aprovaram as peças, o vídeo do projeto da designer viralizou na internet e ela passou a dar palestras e workshops sobre o assunto. Mas a própria estilista conta que nem tudo nesse negócio é vantajoso por ora. "Atualmente, é preciso 300 horas para fazer um vestido. Também não temos tantos materiais para experimentar", diz. Segundo ela, são cerca de 12 dias para terminar uma peça de FilaFex, um filamento flexível e macio com textura de borracha. "Pode ser desafiador nos dias de hoje mas, no futuro, acredito que a tecnologia vai evoluir rapidamente."

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A linha de produção. Crédito: Danit Peleg

Ao lado de Peleg, Andrew Bolton, curador da exposição Manus x Machina, em cartaz no Metropolitan de Nova York, também acredita na possível revolução 3D – ainda que não seja algo tão imediato. Tema do baile de gala do MET ("a moda na era da tecnologia") em que Claire Danes usou um vestido que brilha no escuro, a mostra traz algumas peças de vestuários impressas. Ele crê que a técnica chegará a casas das pessoas devido à maior conscientização das pessoas em relação às práticas ecologicamente sustentáveis. "Com a impressão não há desperdício, diferente da produção têxtil, que sempre produz resíduos", comentou ao site da Bloomberg.

O otimismo de ambos segue um raciocínio na linha "bom, 20 anos atrás a internet era muito mais lenta do que é hoje, a tecnologia está em evolução rápida…". Há, porém, quem não veja as impressões caseiras num horizonte próximo. Professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo e PhD em Media and Communications pela Goldsmiths College, no Reino Unido, Gabriel Menotti foi curador da "APROXIMADAMENTE 800cm3 DE PLA", exposição que imprimiu uma quantidade gigantesca de objetos a partir do plástico PLA e integrou a The Wrong (again) – New Digital Art Biennale.

Depois do desenho, a projeção no software. Crédito: Danit Peleg

Menotti acha que não é um processo viável a curto prazo. Primeiro, diz, é preciso comprar uma impressora (no Brasil, isso significa gastar algo como 6 mil reais) e muitos insumos, além da produção demorar um tempo considerável. "O que me preocupa é como algumas vantagens pontuais frequentemente se tornam base para um discurso perigosamente utópico, positivista, que promove a tecnologia como solução universal para problemas de diversas indústrias, que levaria a uma possível tomada dos meios de produção e democratização das manufaturas, promovendo economias locais", diz.

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O molde. Crédito: Danit Peleg

O papo sobre sustentabilidade não parece agradá-lo. "Boa parte da principal matéria-prima que emprega, como o ABS, são plásticos produzidos a partir de petróleo, uma fonte não-renovável. Nesse sentido, quão sustentável a técnica pode ser?". Os gastos com energia elétrica também sobem consideravelmente, afirma. Traduzindo: se tivermos os pés no chão, pode vir a ser uma boa tecnologia para a moda – mas dificilmente será tão democrática quanto pintam por aí.

Dá pra imprimir saltos também. Crédito: Danit Peleg

A única certeza é que a tecnologia para fazermos uma saia de borracha impressa já existe. Se a prática vingará, depende do grau de engajamento de cada um em comprar todo o equipamento, aprender a mexer na máquina e fazer testes. Quanto mais gente adquirindo, mais tecnologias dedicadas à prática surgirão e, por tabela, mais populares as impressoras serão. Por enquanto o caminho mais fácil para ter roupas feitas em casa é ir na banca, comprar uma revista de molde e costurar. Resta saber se o público achará vantajoso uma revolução vinda das impressoras.

Aí o look tá prontinho. Crédito: Danit Peleg