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Os Desafios dos Missionários do Pornô de São Paulo

Os organizadores do PopPorn Festival contam as dores e as delícias de se querer discutir o pornô no país.

Crédito: PopPorn

Você já sabe que não tá fácil pra galera que faz pornô HT no Brasil, né? Agora, imagina como tá para o pessoal mais esquisito levantar a bola da pornografia como arte e ainda por cima fora do âmbito hetenormativo? Essa barra difícil de segurar está nas mãos do PopPorn Festival desde os últimos quatro anos. O festival terá sua quinta edição nos dias 12 a 14 de junho no Cemitério de Automóveis, no centro de São Paulo, trazendo atrações safadas (porém "com conteúdo") para todos os gostos. O evento é organizado por um coletivo composto por May Medeiros, Roy Loui Di Paul (ambos donos da produtora de alt-porn Xplastic), Thais Mayume Carvalho Higa, Lucas Villar, Marina Pecoaro, Vera Vasques e Marcelo D'Avilla (boylesque no The Burlesque Takeover). Neste ano, essa turma trabalha com a triste realidade de não ter mais a presença da principal idealizadora e mãe do evento, a produtora cultural multifacetada Suzy Capó, que morreu no começo de 2015. Suzy é responsável pela disseminação do termo GLS (que foi adaptado para LGBTT) e também pela criação de uma identidade da diversidade sexual brasileira que permanece até hoje.

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Falar sobre pornografia pode parecer apenas papo de punheteiro, mas na verdade é quase tão complexo quanto se falar sobre a legalização do aborto: muitos conhecem, consomem e fazem, mesmo havendo muitos que não aceitem as coisas como elas são. A pornografia produzida e assistida no Brasil não difere muito disso – talvez ainda por um ar mais capenga, que inclui a falta de organização e diálogo por parte dos seus trabalhadores, empresários e mesmo consumidores. Se o pornô hétero à Brasileirinhas já passa por problemas, a pornografia queer é praticamente marginal. No entanto, a diversidade existe: mesmo com inúmeras dificuldades de se conseguir convergir putaria e arte, em 2011 a artista e ativista Suzy Capó se aliou aos donos do Xplastic para criar um festival que conseguisse balancear tudo isso junto com a ambiciosa missão de se discutir sobre a sexualidade positiva, a diversidade das práticas sexuais e (por que não?) gênero – tudo sem se esquecer da parte mais importante disso tudo, o tchaca-tchaca na butchaca.

"É uma discussão que precisamos fazer, não há outro festival que faça isso, que amplie essa conversa. (…) A Suzy acreditava que era preciso resgatar também a arte da pornografia, de reconhecer o pornô como obra", explica May Medeiros. "A pornografia ainda é associada a coisas ruins, seria como se fosse o sexo dos pobres. Ela afasta as pessoas, porque traz a ideia de ser algo escondido e sujo. Na internet, ela vai te trazer vírus. Na vida real, ela vai te trazer vírus no seu sangue", completa Roy.

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No entanto, as quatro últimas edições do PopPorn contavam com os cuidados e o direcionamento de Suzy, que usava sua influência como produtora cultural para fazer o festival acontecer. "Todo ano era difícil, sempre havia o mesmo perrengue financeiro para [se] resolver. (…) na reta final, ela articulava tudo, ligava para um amigo, descolava uma ajuda", relembra uma das organizadoras, Mariana Pecoaro. "No final de contas, fazer o PopPorn é manter a Suzy viva", termina Marina, com um sorriso quase triste.

"A Suzy Capó era uma marca e, onde ela estivesse, tinha essa marca dela que dava sustentação pro PopPorn. Inclusive, era uma marca maior que o festival", explica May. Agora, órfãos da influência e da própria existência de Suzy, que investia no potencial de todos os membros do coletivo, eles enfrentam sozinhos a busca por patrocínio recomeçando quase do zero. "Nós ficamos sem mãe. De uma hora a outra, nós viramos uma criança sem mãe e sem casa, perdida no meio do centro de São Paulo, com mais seis irmãozinhos não sabendo para onde ir", brinca Marcelo D'Avilla.

"Foi um baque para todos nós," conta Mayume sobre a perda de Suzy, "saímos com uma malinha nas costas perguntando para as pessoas se elas tinham um tempo para ouvir a palavra da pornografia. [risos] Cada um foi procurando um lugar para fazer o festival, e cada dia eles iam se deletando. Ou porque não tínhamos dinheiro, ou porque o local não aceitava fazer alguma coisa que envolvia pornografia."

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Fora o perrengue de se arrumar um local que não justificasse a recusa de abrigar o festival com a máxima do "Aqui é um local de família", coisas básicas como divulgar o evento também são um drama à parte. "A gente mal consegue pagar uma campanha no Facebook por causa do 'porn' no nome," revela Marcelo. Na questão da grana, são poucas empresas que se deixam vincular à proposta de se falar sobre pornografia, a ponto de uma marca de preservativos não ter aceitado investir no festival. Roy, no entanto, reconhece que talvez seja uma falha dos organizadores, que não conseguem se comunicar de uma forma mais marqueteira e convencer o apoio das marcas.

Poucas foram as marcas que se envolveram com o festival, como a grife de óculos Chilli Beans e o canal Sexy Hot. "Mas o Sexy Hot patrocinou mais por causa do nosso relacionamento de vender filmes do Xplastic para ele," explica Roy. Hoje, na falta de patrocínio, o coletivo recorreu a um financiamento coletivo no Catarse para levantar R$ 15 mil, grana que servirá para pagar os custos básicos do evento. O prazo do Catarse está acabando, porém os organizadores parecem determinados a fazer o festival acontecer, mesmo que parte dele.

POP PORN 5 from PopPorn Festival on Vimeo.

Ao contrário dos três andares ocupados no ano passado na infame e capenga balada Trackers, neste ano o festival está mais enxuto; no entanto, ele conta ainda com os famosos workshops de DIY de pornografia, Shibari (do qual participamos em 2014), a mostra de filmes, performances, exposição de arte e dois debates que encerram cada dia do evento. O destaque fica por conta da homenagem à vida de Suzy e também da mesa sobre a importância de se discutir sobre o HIV, que contará com a presença do rapper Rico Dalasam, do deputado federal Jean Wyllys, da Lucinha Araújo, mãe do Cazuza, e de mais duas profissionais da área de saúde.

Quem olha de fora pode achar que o festival é abrigo de punheteiros cibernéticos a fim de verem sua atriz favorita ou na busca de mais um cinemão, mas, na real (ou infelizmente, sei lá o que você esperava de tudo isso), é mais papo cabeça do que putaria. Não estranhe se você encontrar uma variedade generosa de curiosos, genderqueers e trabalhadores do sexo e do pornô nos corredores do festival.

Se a ideia é fugir do público mainstream consumidor de pornô, o PopPorn talvez seja o lugar que você precise colar.