O Documentário ‘Tupiniqueens’ Mostra a Cena das Drag Queens Brasileiras Após o Fenômeno ‘RuPaul’s Drag Race’

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O Documentário ‘Tupiniqueens’ Mostra a Cena das Drag Queens Brasileiras Após o Fenômeno ‘RuPaul’s Drag Race’

O diretor João Monteiro registrou o boom recente de drag queens brasileiras inspiradas pelo reality show.

Crédito: Divulgação

As drag queens são figuras mitológicas na noite mundial. Como gueixas modernas, elas são artistas que conseguem dominar a fina arte de entreter e divertir o público mais quadrado – tiram uma onda usando saltos altíssimos. Em São Paulo, a cena de transformistas é algo tão forte que, mesmo antes de se discutir a ocupação do centro da cidade, centenas de pessoas lotavam as ruas próximas do Largo do Arouche para ver as apresentações delas no circuito LGBTT.

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Embora a entidade drag queen já tenha ultrapassado diversas barreiras, o boom recente delas muito se deve ao reality show norte-americano RuPaul's Drag Race que, para o horror da família tradicional, é um dos programas gringos mais famosos (depois de Buffy, a Caça-Vampiros) e um sucesso estrondoso no Brasil. O país abraçou a causa, trazendo diversas participantes para se apresentar por aqui.

Fascinado com o reality e o sucesso de festas como Priscilla, que se dedicam a apresentar drag queens veteranas e novatas, o diretor João Monteiro começou despretensiosamente a registrar as apresentações das artistas em outubro do ano passado. Acabou rendendo um longa-metragem batizado TupiniQueens, com depoimentos de drags brasileiras como o Trio Milano, a youtuber Lorelay Fox e Malonna.

O documentário peca um pouco em não contar a história da cena transformista brasileira, mas é fiel na retratação do lado artístico das drag queens que carregam um espírito quase punk de faça-você-mesmo para conseguir fazer suas roupas e construir uma identidade cativante, além de também mostrar como o reality show foi importante para que tais apresentações começassem a sair do meio LGBTT para o mundo "hétero".

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Se você curte drama, bate-cabelo e a oportunidade de mandar um grande foda-se ao gênero, o documentário será exibido na 23ª edição do Festival Mix Brasil no próximo sábado.

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Bati um papo com o diretor sobre a experiência de ter feito esse filme.

VICE: Como surgiu a ideia de fazer o documentário?
João Monteiro: Foi um negócio meio inesperado e despretensioso. Eu fui apresentado ao tema através do RuPaul's Drag Race e fiquei muito curioso com o que vi. Trabalho com documentários há muito tempo e adorei o visual delas. Acabei indo pra noite ver como é, como tudo isso funciona. A primeira festa [a] que fui foi a Priscilla, em outubro do ano passado. Acabei filmando uma apresentação de uma drag que participou do reality e fiz uma parceria com a festa. O material ficou riquíssimo, e o projeto foi ganhando cada vez mais corpo até que acabou se transformando em um longa-metragem.

Quais foram as locações do documentário?
Foram vários dias diferentes, cada locação veio em uma data específica, assim como cada personagem foi filmado em dias específicos. A gente filmou em seis ou sete casas que recebem esse tipo de show, como a Blue Space e a Blitz Haus. Fora isso, também fomos à casa de muitos personagens para conseguir um contato mais próximo e criar um clima mais intimista.

Senti que faltou um pouco da história das drag queens do Brasil. Foi escolha sua?
Como falei, o filme começou de forma despretensiosa e a gente não se propôs a contar a história das transformistas no Brasil ou contar a história de um personagem específico. Através de relatos íntimos dos personagens, nós fomos traçando um mapa da cena drag do Brasil mais recente. Então, é uma coisa factual – e sem contar que esse assunto em específico não conta com muito material de arquivo para ser colocado no filme. Acredito que o filme acabará se tornando um documento histórico desse período importante para as drags. O que me tocou na cena foi como essas figuras se humanizaram na minha cabeça. É um negócio que tem toda uma mitologia por trás, e eu queria também trazer isso para o espectador. Acabamos deixando a história de lado, porque levaria a gente para outro foco, e a gente quis mesmo registrar esse momento factual da sociedade que eles estão chamando de um "novo boom" das drags queens.

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Você entrevistou muitas drag queens que participaram do Rupaul's. Por que você optou em dar voz para as norte-americanas?
O RuPaul's Drag Race, por mais que as pessoas argumentem que nós estamos exaltando a cultura americana, revolucionou o cenário das drags nos EUA e no Brasil. No mundo inteiro também, na verdade. Quando a RuPaul voltou com essa sacada de fazer um reality nesse mesmo modelo de America's Next Top Model, a cena ganhou corpo e as pessoas começaram a gostar. Além de ter contribuído para desmistificar esses personagens. A importância do RuPaul é muito grande para o desenvolvimento da cena nacional também. Muitas drags brasileiras começaram a se apresentar depois do programa, e outras que estavam na ativa se reinventaram. Antes, era muito marginalizado, e graças ao programa a cena drag saiu da marginalidade para o mainstream.

Ou seja, antes do reality show, a cena das drags era uma coisa marginalizada?
Completamente. No Brasil, as drags eram restritas a um cenário mais underground: elas faziam festas mais no centro, uma coisa até mais obscura. A partir do programa, o boom foi tão grande que grandes casas noturnas alteraram a programação para receber apresentações delas. As drags viraram grandes representantes da cena LGBTT no Brasil. Elas passaram a participar em festas pop que nunca tinha[m] aberto um espaço assim antes e dominaram a noite pop de São Paulo.

O filme mostrou que elas carregam um espírito DIY muito grande, quase punk, para conseguirem se montar, fazer as roupas. Você notou isso também?
Muito, e isso era um dos temas que nós levantamos para tocar no filme. Essa parada do faça-você-mesmo é muito importante, justamente pela marginalização que as obrigava a dar a cara a tapa, ir para uma festa, falar com as pessoas. Hoje em dia, você abre um YouTube e aprende muita coisa em tutoriais. A internet muniu muita gente com ferramentas para se produzir e simplificou um pouco o processo. Mas, mesmo com esse boom de tutoriais, ainda acho que as drag queens passam por uma coisa meio solitária. Veja só, elas passam um tempão, cerca de duas ou três horas, trancadas para se montarem sozinhas. Tudo que elas fazem depende exclusivamente dos artistas. Uma drag queen que não se vira e não tem habilidades não sai do lugar. É solitário porque ela tem de saber tudo sozinha.

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Tem mesmo então uma cena prolífera de drags no YT?
Fortíssima. A cultura do look está cada vez mais forte. Tem muitas empresas que estão se especializando em roupas ultraespalhafatosas para suprimir essa demanda. A make [maquiagem] é uma coisa muito autoral, e cada dragqueen desenvolve um estilo, mas muitas drags começaram a se montar por causa de tutoriais que ensinam as técnicas. A internet acaba servindo como um suporte para quem quer começar a fazer isso. As drags de hoje em dia estão totalmente amparadas pela internet.

Você quis levantar alguma discussão de gênero no documentário?
A questão de gênero permeia o documentário todo, mesmo que esse não fosse o foco principal dele. A coisa toda está ligada a isso. Você deve ter percebido que focamos muito mais a questão artística, mostrando que a drag é um artista que está se expressando ali. Deixamos essa questão um pouco em segundo plano em relação ao que realmente nos tocou: que é a manifestação artística por trás da figura da drag. A gente decidiu retratar esse momento específico, porque ele foi muito determinante para o que está acontecendo hoje em dia com elas.

Boa sorte, João!

Veja as datas de exibição do TupiniQueens:
Dia 14 de novembro, às 19 horas, no Cine SESC, e no dia 19 de novembro, às 18h30, no CCSP.

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