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Ele criou uma página no Facebook para ajudar os sírios refugiados no Brasil

Entrevistei Amer Masarani, um dos criadores da Coordenação da Revolução Síria no Brasil. Falamos sobre o banho da sangue que está rolando por lá e como ele se vira para ajudar os sírios que chegam aqui.
O sírio Amer Masarani. Foto: Débora Lopes/ VICE

Em 2011, desde que Bashar al-Assad começou a bombardear a população da Síria, muita gente ficou sem rumo dentro do próprio país. Se você já assistiu aos vídeos que publicamos por aqui, viu as fotos pesadíssimas do Robert King ou tentou entender o que pega por lá lendo toda a nossa Edição Síria, pode imaginar o caos que está rolando.

Amer Masarani, um comerciante sírio que vive no Brasil há 16 anos, trouxe seus familiares para São Paulo assim que pôde. Depois, junto de um grupo de sírios que moram aqui, ele criou a Coordenação da Revolução Síria no Brasil e também uma página no Facebook para auxiliar pessoas recém-chegadas ao país. Sem falar uma palavra em português, sem emprego ou perspectivas, esses sírios se instalaram em quitinetes alugadas pelo grupo.

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Num dia de céu cinza, fui até a loja do Amer, no Bom Retiro, para saber como as coisas têm funcionado na vida dele depois que passou a sustentar dez parentes e 25 refugiados, além da sua própria família. Falamos sobre a imprensa brasileira e sobre a postura do governo Dilma. Bastante emocionado e com um português cheio de sotaque árabe, Amer desabafou: "O Brasil sofreu uma ditadura. Eu não estava aqui. Mas a Dilma falou bastante sobre isso quando foi eleita, dizendo que havia sido perseguida, presa. Mas hoje ela apoia um ditador". Durante a conversa, ele também me contou que a Embaixada da Síria no Brasil não estava oferecendo nenhum tipo de suporte para essa gente. Liguei lá para tirar a dúvida e recebi uma resposta por e-mail dizendo que "essas informações não são disponibilizadas para a imprensa, visto se tratar de interesses de cidadãos sírios junto à Embaixada da Síria". Então tá. Leia abaixo a entrevista que fiz com o Amer.

VICE: Você começou com a página do Facebook sozinho? Como foi?
Amer Masarani: Nós, um grupo de sírios, criamos a página. Não criei sozinho. Foi logo depois que começaram os conflitos lá na Síria, dia 15 de março de 2011. Três meses depois, começamos a nos mexer por aqui. Estávamos preocupados com os nossos familiares lá dentro. Pensamos em como tirá-los de lá porque a coisa estava ficando feia. Durante seis meses, o conflito era verbal, mas depois começaram a atirar e matar pessoas. Nesse período fizemos a página para divulgar para a imprensa aqui no Brasil e mostrar aos brasileiros o que estava acontecendo no nosso país. E nós estamos juntos com a Coordenação Geral da Síria, como opositores do regime. Tiramos nossas famílias e nossos amigos de lá. Recebemos muita gente aqui. Tomamos conta de, mais ou menos, 25 pessoas. Tem mais gente querendo vir, mas a embaixada brasileira na Síria fechou, mudou para Beirute [Líbano]. Portanto, não tem como os sírios ganharem visto. Portas fechadas.

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Como as pessoas fazem para chegar aqui?
Arriscando suas vidas, viajando até Beirute e pegando o visto lá. Mas como o Líbano está apoiando o Bashar, eles capturam as pessoas e as devolvem para o governo. E lá eles são presos ou mortos. Deus que sabe.

No Facebook, a maioria dos posts está em árabe. O que exatamente está escrito lá?
Compartilhamos as notícias que saem na Síria, como crimes, chacinas ou deserção. Traduzimos do árabe para o português para os brasileiros saberem o que está acontecendo. Aqui, infelizmente, a imprensa é muito controlada. Demos muitas entrevistas, chegamos a gravar cinco horas e aparecemos só por trinta segundos. Prometeram que iriam mostrar nossa conversa, mostrar nosso recado à Dilma pedindo para expulsar o embaixador da Síria do Brasil. O Brasil sofreu uma ditadura. Eu não estava aqui. Mas a Dilma falou bastante sobre isso quando foi eleita, dizendo que havia sido perseguida, presa. Mas hoje ela apoia um ditador. Isso nos deixou revoltados. Ela fez tanta propaganda para o povo dizendo ter sofrido. Hoje ela apoia o Hugo Chávez, apoia o Irã, o Bashar. Quem é ruim, ela apoia. Fizemos uma carta para o Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores], não responderam. Saímos 26 vezes em manifestações na Avenida Paulista. Foram quase 700 pessoas. Ficamos em frente ao consulado sírio gritando "Parem de matar! Queremos democracia!". A imprensa não publicou nada disso. Nada. Por isso temos a página. Se a imprensa não quer mostrar, nós vamos mostrar.

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Você deu muitas entrevistas. Depois das aparições na mídia, o grupo recebeu apoio?
Teve gente ajudando, oferecendo casa, chácara, emprego, roupas, brinquedos no Natal. Da parte do governo? Apoio total ao assassino, ao Bashar al-Assad. Teve muita gente que começou a ver a página e entrar em contato. Mas até hoje recebemos mensagens de pessoas que querem tirar suas famílias de lá. O que eu digo é: sua família tem que arriscar a vida.

O grupo ajuda somente as pessoas que já estão aqui ou vocês conseguem intermediar para que os sírios venham para o Brasil?
Para sair de lá e entrar aqui, a pessoa precisa arcar com os custos. Ajudamos somente nossas famílias. E existem vários motivos para isso. Não podemos enviar dinheiro. É crime. Você é considerado terrorista se enviar dinheiro para a sua mãe, entendeu? Como você vai ajudar seu vizinho se é crime ajudar a própria mãe?

Parece complicado.
Precisamos ir até o Banco Central especificar a origem do dinheiro e dizer exatamente aonde ele vai. Os bancos na Síria estão todos fechados. Leva meses até a pessoa receber. Não se pode enviar mais que mil dólares. Até receber esse dinheiro, a pessoa está morta. Só o Banco Central, que está aliado ao governo, está aberto na Síria. Tem muita gente precisando de ajuda, de comida. Hoje nós temos registros de crianças morrendo até de frio. Lá não entra comida, não entra roupa. Se você quiser mandar um contêiner, o porto da Síria está fechado. Nós optamos por ajudar as pessoas que estão aqui e divulgar para o mundo o que acontece lá.

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Vocês tiveram algum auxílio diplomático? Consulados, embaixada da Síria no Brasil?
Nada. Ninguém ajudou. Nós pedimos. Alugamos algumas quitinetes pequenas. As pessoas estão socadas lá. Ganhamos geladeira de algumas pessoas, outras até ofereceram suas chácaras, mas não temos como mandar ninguém para longe. Elas precisam ficar em São Paulo. Quem acabou de chegar está perdido, não sabe falar nada em português, não tem trabalho. Sofremos para achar emprego para essas pessoas. Precisamos encontrar empregos onde não é preciso falar. Empacotador, estoquista. Quanto menos idioma tiver, melhor. A documentação para ficar regularizado no Brasil leva 90 dias para sair. Gastamos muito com aluguel e comida. E o governo, nada. Nada, até hoje.

A maior dificuldade dessas pessoas é a questão do idioma?
Sim. Muitos desistem de sair da Síria e vir para cá porque não querem ser humilhados. Tem gente que se sente humilhada e diz "para comprar um maço de cigarros, vou precisar do seu dinheiro". As classes mudaram. Tem um cara que era empresário na Síria. Chegou aqui, começou a vender quibe e lanches. Ele vende de porta em porta. É humilhante para uma pessoa. Um deles desistiu. Disse que preferia morrer lá.

Como vocês fazem para que eles consigam aprender português?
Fazemos reuniões. Anotamos palavras como "vai, vem, quanto, sobe, desce". Hoje, o que chegou há menos tempo tem cinco, seis meses e já está mais adaptado. Mas não temos mais como abrigar ninguém. Não tem como. Mas tem gente que quer vir. Eu fico sem jeito. Vou alugar mais casa? Já pago muito aluguel.

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Você tira do seu bolso para ajudar essas pessoas?
Eu e um grupo de empresários ajudamos essas pessoas.

Vocês receberam feridos?
Recebemos um homem sem unhas. Ele foi capturado. Tem outra pessoa que também foi chicoteada e presa. Recebemos uma menina com problemas psicológicos. Quando o Corinthians ganhou a Libertadores, em 2012, ela ficava embaixo da mesa. Não achamos que ela ficaria tão assustada. Ela entrou em desespero. Falávamos que eram fogos, que era brincadeira. E ela gritava: "Não, mãe, não!". Eu chorei. Eu olhava para essa menina e pensava nos meus filhos. Imaginei o que essas pessoas estão vivendo na Síria hoje.

Você tem coração forte? Vou te mostrar uma coisa. [Ele pega o celular, mostra o vídeo de uma criança agonizando com balas de revólver na garganta e começa a chorar]. Eu tenho filho na idade dessa criança. Tenho menina também. Imagino meus filhos nessa situação. Como não vou ajudar? Me ligam e dizem que, se eu não parar, serei capturado. Que seja. Até penso em ir para lá lutar contra esse bandido. Parece que a gente não tem coração, que sangue sírio é sangue de barata, não tem valor.

A ONU diz que precisa haver diálogo. Dilma diz que precisa haver diálogo. Diálogo com quem? Com uma pessoa que matou 60 mil pessoas? Nem Hitler matou seu próprio povo. Bashar está matando seus próprios cidadãos. Não tem um assassino na história igual a esse bandido. Não tem. Gaddafi, Bashar, Ahmadinejad, Hugo Chavéz, Coreia do Norte. Onde tem sujeira, a Dilma coloca a mão.

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Qual é o sentimento do povo sírio agora?
O povo já cansou. São 42 anos de ditadura. E não é só ele [Bashar]. Quando eu nasci, era o pai dele [Hafez al-Assad] quem governava. Durante todo esse período, eu não podia abrir a boca. Só senti o que era liberdade quando cheguei ao Brasil. Lá, quando os jovens estão conversando na rua e a polícia passa, todo mundo cala a boca e olha para o chão. É ditadura. Mas nascemos assim, fomos criados assim.

Como foi trazer sua família para cá?
Minha família está toda aqui: minha mãe, meus irmãos, minhas cunhadas e os filhos deles todos. Todo mundo está aqui no Brasil, mas, desculpa, o custo é muito alto. Manter três famílias de repente é um custo alto. Fora os meus três filhos.

Por que as pessoas escolhem o Brasil?
Começamos a trazer nossos familiares. E outras pessoas viram isso acontecer, foi o que as motivou. No Brasil, as pessoas recebem documentos de refugiado. Colocamos na página que iríamos receber todos os sírios que viessem para cá. Mas pensamos que teríamos alguma ajuda. Fomos atrás de ajuda. E a única ajuda que teve foi legalizar as pessoas aqui.

E por que você gosta tanto do Brasil?
Gosto do Brasil, não quero mais voltar para lá. Pelo amor de Deus. Televisão lá é estatal. Jornal é estatal. Cheguei aqui e tive oportunidade de trabalho. Montei meu comércio. Aqui podemos conversar, brincar, fazer piada. Lá, se você faz piada com algum político, é cadeia. Faça o que quiser, mas não se aproxime da política na Síria. Não fale de política. Quem fala de política, some. As notícias que saem no jornal deixam seu cérebro desligado, fechado. Até o material de estudo é do governo. Nossa moeda tem a imagem do presidente.

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Quando o Bashar entrou no poder, foi uma esperança para o povo sírio, já que ele era um cara jovem e trazia novos ares ao país, inclusive a possibilidade de democracia.
Ele tinha 36 anos quando entrou no poder. A Constituição do país não permitia que alguém dessa idade assumisse. Em 24 horas, mudaram a Constituição e ele virou presidente. Ele cresceu na Inglaterra, sabia o que era liberdade, tecnologia. Nós não. Quando ele assumiu, há 15 anos, nossa TV ainda era em preto e branco. Ele prometeu muitas coisas.

Quando ele assumiu, o povo pensou que era um cara aberto e o apoiou. Mas a renda da família dele contabiliza bilhões. A Síria tem petróleo, mas nunca vimos o petróleo do país. Tudo que dá dinheiro, que rende para o país, como o porto, a câmera de comércio, é assumido pelos parentes da família. Até o exército. E o povo passa fome.

E o que fez a população levar sua frustração para as ruas?
Depois que a internet entrou na vida dos sírios, as pessoas sentiram que podiam falar. Vimos o mundo através da internet. Vimos o que estava acontecendo no mundo. O povo começou a se ligar. Nós estamos vivos, queremos liberdade. O povo ficou seis meses pedindo e gritando liberdade. E nada. O governo começou a desmanchar as manifestações com tiro. Começamos a pedir ajuda para o mundo, pelo amor de Deus, estão matando a gente. Nós só pedimos liberdade. Só queremos ter dignidade. Ninguém respondeu, ninguém apoiou. O que as pessoas disseram foi: "Oprimam eles. Deixem eles quietos. Matem, coloquem medo". Mas o próprio exército começou a desertar e se opor. Daí começaram os conflitos. Quando o povo começou a ter rifle e espingarda na mão, o governo começou a usar tanques, aviões, mísseis, armas químicas, bombas. Temos 60 mil mortos registrados, entre homens, mulheres e crianças. Temos os nomes dessas pessoas. Você não imagina o que está acontecendo lá. Os jornalistas estão proibidos de entrar. Proibidos por quê? O que está acontecendo lá não é correto, então? Eles chamam os revolucionários de terroristas. Nossa, a população toda é terrorista? As crianças mortas são terroristas? Temos quatro mil casos de estupro. Eles estão falando a mesma história que o Gaddafi começou. Terroristas, Al Qaeda, separatistas, não sei o quê. E é com apoio do Irã e da Rússia que ele está esmagando o povo. Todo dia tem uma chacina.

Quais são os planos da Coordenação da Revolução Síria no Brasil?
Sairemos em manifestação na Avenida Paulista dia 15 de março, quando a revolução completa dois anos. Vamos pedir para o governo brasileiro expulsar todo o corpo diplomático da Síria e reconhecer a Coalizão Nacional para as Forças da Revolução e da Oposição Síria no Brasil como representante legal do governo sírio. Um terço do mundo já reconhece a Coalizão como representante legal.

Quem não quer apoiar o povo sírio, não precisa apoiar um assassino. Fica muito feio para um país democrático, um país de amor como o Brasil, apoiar um ditador. É um jogo sujo a presidente dizer que sofreu com a ditadura e, ainda assim, apoiar o Bashar.

Como as pessoas no Brasil podem ajudar os sírios que estão por aqui?
Precisamos de voluntários para ajudar com o idioma. Pode ser algum professor de português. Me disponho a sentar com um professor de português e intermediar enquanto as pessoas tiram suas dívidas. Quem quer ajudar financeiramente, temos um panfleto que colocamos na página da Coalizão. Lá tem o número de uma conta, as pessoas podem depositar.

Siga a Débora Lopes no Twitter: @deboralopes