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Motoqueiros Druidas Fora da Lei e Seu Rei de 1575 Anos

O Rei Arthur, anteriormente conhecido como John Rothwell, ganhou fama nos anos 90 quando venceu um caso no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, permitindo o acesso livre ao Stonehenge pra festivais religiosos.
Matt Shea
London, GB

Visite o Stonehenge no solstício de verão de qualquer ano e você verá 20 mil pessoas curtindo uma festa dentro e em volta dessa antiga formação de pedras. A multidão normalmente é composta por um terço de turistas, um terço de adolescentes drogados usando streetwear e um terço de neodruidas. Uma visão genuinamente bizarra. Não me leve a mal — curto mastigar meus próprios dentes em locais de significância arqueológica tanto quanto qualquer um, mas numa época em que os desobedientes britânicos parecem passar mais tempo em kettlings policiais do que em ocupações, você fica imaginando como isso pode ser, bom, permitido.

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Acontece que isso tem tudo a ver com esse cara aqui de cima, que costumava ser o líder de uma gangue de motoqueiros fora da lei, mas que agora afirma ser o legendário monarca Rei Arthur. Arthur, anteriormente conhecido como John Rothwell, ganhou fama nos anos 90 quando venceu um caso no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, permitindo assim acesso livre ao Stonehenge pra festivais religiosos como o do solstício de verão.

Hoje, ele foi eleito “Chefe de Batalha” do Conselho da Ordem Druida Britânico. O Rei Arthur e sua Fiel Guarda Arthuriana representam a direita da comunidade neodruida britânica. Fui até o Stonehenge pra visitar o rei de 1.575 anos.

Rei Arthur em sua moto.

Sob a conveniente proteção das leis de liberdade religiosa da Europa, as pessoas podem ir ao Stonehenge pra ficarem doidonas depois que Arthur venceu sua batalha, mas o local já era um destino de festas desde os anos 70. Nos anos 80, era um lugar pra ficar pelado, tocar um tamborim e dançar sem moderação entre pedras. Em 2012, é um ótimo lugar pra quem gosta de multidões de foliões ensopados loucos de e.

No entanto, nem sempre o Stonehenge foi só curtição. No solstício de verão de 1985, o governo Thatcher mandou uma tropa de choque armada pra interceptar os participantes da festa — num evento consagrado na triste canção “Battle of the Beanfield” dos Levellers —, o que rapidamente se transformou num dos maiores atos de brutalidade policial organizada que a Inglaterra já viu. A gangue de motoqueiros de Arthur deveria dar reforço aos festeiros sitiados, mas nunca chegaram até a linha de frente. Eles estavam improvisando um festival em Uffington White Horse.

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Arthur fala a alguns de seus seguidores no solstício de inverno. 

Desde então, Arthur e seus druidas motoqueiros protestaram pelos direitos druidas e estabeleceram acesso livre ao Stonehenge. Hoje você pode encontrar ele e sua companheira, a Alta Sacerdotisa, fazendo campanha no estacionamento do local, na esperança de conseguir que os restos mortais dos antigos druidas sejam tirados das mãos dos arqueólogos e reiterados ao seu lugar original de descanso final. Vestindo uma jaqueta jeans sem manga, ele parece um pouco menos monárquico do que eu esperava, mas o cara certamente sabe posar pra fotos.

Perguntei ao Arthur se sua Leal Guarda Arthuriana planejava entrar em alguma guerra em breve.

“Já estamos em guerra”, ele disse. “Participo das eleições parlamentares e, no momento, tenho ações judiciais no Ministério da Justiça pra que nossos ancestrais sejam enterrados novamente. Lutamos nos tribunais, lutamos nas árvores e, no caso do Stonehenge, acreditamos no lema 'lutar contra eles nas praias'. Acredite ou não, Churchill na verdade era druida.”

Um piquete do lado de fora do Stonehenge. Foto: Lou Purplefairy.

“Sério?”, perguntei com ceticismo.

“Sim, e a Rainha Elizabeth II é um bardo honorário do Welsh Gorsedd de druidas. O Arcebispo de Canterbury também é druida, mas eu sou um Arquedruida, então estou acima dele. É muito bom ser o rei.”

O especialista em neopaganismo Ronald Hutton credita os arthurianos como a maior comunidade neopagã britânica, mas Arthur aparentemente não transa números. Apesar de sua modéstia, ele já nomeou algumas celebridades como cavaleiros de sua ordem.

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Gente auspiciosa como o lutador de luta livre que saía com a Katie Price.

Alex Reid assinando a petição pelo retorno dos restos mortais druidas ao Stonehenge. Foto: Lou Purplefairy.

Quando ele me disse que nomeou Ken Kesey como cavaleiro num eclipse total em Cornwall, tudo ficou ainda mais impressionante.

“Ele quis me conhecer porque sempre se interessou por todas as coisas arthurianas”, o rei explica. “Gostei muito de Um Estranho no Ninho, então também fiquei interessado em conhecê-lo. A gente se encontrou, se deu bem e eu acabei nomeando-o cavaleiro.”

“E ele tentou colocar ácido no seu drinque?”, perguntei.

“Não sei. Talvez. Talvez por isso eu ache que sou o Rei Arthur! Vai saber. Também temos o Johnny Rotten, ele é um dos meus bardos. Eu o nomeei cavaleiro em Glastonbury Abbey.”

Ken Kesey no Stonehenge.

“Quando você descobriu quem realmente era?”, perguntei a ele.

“Desde 1986, tenho sido Arthur Uther Pendragon, geralmente conhecido como Rei Arthur. Há três idades arthurianas e eu sou o Arthur pós-Thatcher. Pelo que sei, até outro Arthur — maior, mais malvado e mais ousado — aparecer, continuo no posto. Então, lide com isso.”

“De onde vem esse sentimento?", perguntei.

“Eu sempre soube. Eu era presidente de um clube de motoqueiros fora-da-lei e muitos dos meus colegas pensaram que eu tinha pirado, mas vinte estranhos anos depois, continuo aqui. Decidi que a Deusa ia me sustentar se fosse verdade, então não reivindiquei nenhum benefício do governo — e, ei, algumas coisas têm funcionado. Sou conhecido pelo gosto pela bebida, mas adivinha só? Falo exatamente as mesmas besteiras quando estou bravo ou sóbrio, porque realmente acredito nisso.”

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Arthur me conta como lugares espirituais, como o Stonehenge, o ajudam a acessar memórias da vida passada.

“Lembro de lutar nas costas saxônicas contra exércitos saxões. Também tenho a memória de lutar nas praias ocidentais contra os piratas irlandeses. Veja, a motocicleta é o cavalo moderno, então não estou fazendo nada muito diferente do que fazia 1.500 anos atrás.”

“Como era o Merlin?”, perguntei. “Sempre imaginei ele como um cara muito pedante.”

“Não, não. Muito sábio e muito compreensivo”, diz Arthur.

Arthur pode usar uma coroa na foto do passaporte por motivos religiosos.

“Foi muito difícil tirar a espada da pedra?”

“Muito, muito difícil.”

“O que você diria pras pessoas que são céticas quanto ao fato de você ser o Rei Arthur?”

“Diria que isso não importa. Não estou aqui pra convencer as pessoas de que sou o Rei Arthur. Meu nome é Arthur Uther Pendragon e eu uso uma coroa na foto do meu passaporte. Estou aqui pra mostrar pras pessoas onde o Rei Arthur está agora e o que ele tem feito.”

Quando você pensa bem nisso, acho que não é uma coisa muito mais louca do que qualquer outra conversa religiosa. Arthur é muito bom naquilo que cristãos articulados fazem às vezes. Eles não admitem exatamente, mas de alguma forma te deixam saber que a fé deles é só uma grande metáfora pra ser um bom ser humano. Estava começando a gostar muito desse cara. E mais, quando ele colocou a vestimenta completa e pegou a espada na mão, algo mágico aconteceu: comecei a acreditar.

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“Onde você encontrou a Excalibur?”, perguntei.

“Bom, aí está outro conto. Ela foi feita pro filme.”

Rei Arthur e a Alta Sacerdotisa montando em seu cavalo.

“O filme Excalibur?”

“Sim, o armeiro que a fez a colocou na vitrine. Ele disse: 'Olha, se o verdadeiro Rei Arthur entrar por essa porta, ele pode ficar com ela. De outra forma, isso não está à venda.' Então só joguei meu passaporte na mesa e levei a espada. Nunca a deixo com outras pessoas — porque isso faria delas as portadoras da espada —, mas se não a tenho comigo pessoalmente, é sempre a Sacerdotisa que cuida dela.”

OK, então talvez o cara não seja a verdadeira reencarnação do Rei Arthur, mas ele tem uma réplica de um metro e vinte da Excalibur. Só ficava faltando uma coisa: ser nomeado cavaleiro, com uma espada mágica, por um rei lendário.

“Vocês querem se juntar à ordem? Que bênção!”, disse a Alta Sacerdotisa, claramente emocionada.

Dois arthurianos nos levaram até a casa deles pra dar início ao ritual. Começou com a gente chamando “os quatro cantos”, fazendo um cumprimento os espíritos da terra, fogo, água e ar. Aí, do nada, um homem de pele azul apareceu do chão e gritou: “Pela união dos seus poderes, eu sou o Capitão Planeta!”.

Brincadeira — só bebemos cerveja num cálice e o Arthur leu uma poesia que ele tinha escrito. Alguém chamado Celestialelff remixou um dos poemas do Arthur, ouve lá se você ficou curioso pra ver qualé.

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Eu abraçando o Arthur depois que ele me nomeou cavaleiro.

Depois que eu e a fotógrafa fomos nomeados cavaleiros, ficou parecendo que éramos todos amigos desde a Idade das Trevas — um ambiente agradável, convidativo e aberto que me fez sentir como se eu sempre tivesse tido um lugar na comunidade druida. É por isso que as pessoas se tornam religiosas, como meio de sentir que pertencem a alguma coisa, não importa quão maluca e delirante essa coisa seja.

Ao final do ritual, Arthur tirou a túnica e colocou de volta seus jeans, e todos nós sentamos na “Távola Redonda” pra tomar cervejas e contar histórias de batalha.

Na “Távola Redonda”. Da esquerda pra direita: Robyne, Mick, a Alta Sacerdotisa, o Rei e eu. "Quebrei algumas costelas no Stonehenge uma vez”, Arthur nos contou. “Em 1999, eles decidiram fazer um evento pago ali, e me ofereceram o ingresso 001. Recusei, fui pra cerca como todo mundo e brinquei de rúgbi com a polícia oito vezes antes de ser preso.” “Por que você não puxou a Excalibur?”, perguntei, sabendo que o Arthur tem permissão pra carregar a espada em qualquer lugar. “A Excalibur é meramente cerimonial. É uma ferramenta mágica.” Depois dessa, Arthur anunciou que precisava mijar, e enquanto ele estava fora apagando o fogo do dragão, aproveitei a oportunidade pra perguntar aos seguidores se eles realmente acreditavam no cara. “Sim” foi a resposta retumbante. Ele nos lidera nas frentes de batalha”, disse Mick por entre sua barba desgrenhada. “Ele não enrola as pessoas.”

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Robyne, que tem 826 anos de idade (incluindo vidas passadas), foi o próximo a falar. “Quando me apresentaram pra ele, eu ri e disse: 'você deve estar brincando, não é o meu rei'. Mas o Arthur sempre faz o que diz e lentamente minhas opiniões se tornaram uma crença total, sem nenhuma persuasão.” Depois que o Arthur voltou, percebemos o quanto a cerimônia tinha nos cansado, então decidimos pegar um táxi de volta pra Salisbury e deixamos o rei rumar ao pôr do sol junto com a Alta Sacerdotisa em sua moto. Antes de ir, no entanto, ele transmitiu uma mensagem ao povo da Grã-Bretanha: "Levantem-se. Levantem-se e façam a diferença. Se você acredita nisso, invista. Sem arrependimentos. Lute pela verdade, pela honra e pela justiça. Não aceite ninguém te dizendo o que fazer.”

Se você quer celebrar a natureza, dançar por algumas horas e não aceitar ninguém te dizendo o que fazer, o solstício de inverno acontece dia 21 de dezembro no Stonehenge. Arthur, o verdadeiro rei, estará lá em algum lugar, nomeando cavaleiros até o amanhecer.

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