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Tecnologia

Ulbricht entra com recurso no caso Silk Road – mas omite sobre FBI e servidores

A questão de como o FBI apreendeu os servidores do Silk Road provavelmente nunca será respondida.
Ulbricht no tribunal. Crédito: AP

A maior e mais bizarra questão deixada em aberto na história do Silk Road provavelmente nunca será respondida.

Ross Ulbricht – também conhecido como Dread Pirate Roberts, o administrador do site Silk Road, o maior comércio ilegal de drogas na deep web – entrou com recurso após sua condenação à prisão perpétua, mas a apelação não menciona qualquer referência à apreensão dos servidores do Silk Road na Islândia.

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O texto chega a 170 páginas com seis anexos – dá um total de 1.794 páginas. E sim, é muito mesmo.

Sejamos justos, essa saga toda é bastante complicada. Indo além até mesmo dos aspectos técnicos, trata-se de um caso extremamente torto. Envolve drogas. Envolve bitcoins. Há agentes da lei corruptos fazendo contas falsas no Tor. Há cinco tentativas de assassinato forjadas.

É só… Muita coisa. Mas é de se estranhar que o recurso deixa algo tão relevante de fora. Em 2014, um dos advogados de defesa do Silk Road, Joshua Horowitz, comentou que a apreensão dos servidores do Silk Road na Islândia pelo FBI segue inexplicada, já que a justificativa dada pelo governo é tecnicamente impossível.

Tudo isso virou material para teorias conspiratórias. Teria o governo hackeado o Tor ilegalmente de forma a chegar aos servidores do Silk Road? A identificação de Ross Ulbricht começou com uma dica da NSA? Parece loucura, mas não supera a doideira do resto do caso.

Não há qualquer menção aos servidores islandeses no recurso. A maior parte do texto foca nos dois agentes corruptos que realmente cagaram a investigação do Silk Road em Baltimore. É meio estranho, vai.

Duas maçãs podres totalmente separadas da investigação, nós juramos

O recurso lista sete situações – incluindo um argumento de que a condenação à perpétua de Ulbricht é irracional – mas boa parte do que consta ali se dedica à esquisita, selvagem e problemática história de Carl Mark Force e Shaun Bridges.

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Ulbricht e sua equipe de defesa durante o julgamento. Crédito: AP

Esses dois agentes foram há pouco condenados a 6 anos e meio e 5 anos e 11 meses de prisão, respectivamente. Force e Bridges – individualmente e, ao que parece, sem um saber dos crimes do outro – orquestraram roubos, golpes e extorsão em grandes proporções usando sua posição privilegiada de autoridade na Força-Tarefa Silk Road.

Bridges, em especial, roubou 20.000 bitcoins de Dread Pirate Roberts e contou com uma testemunha que cooperou no crime. DPR encomendou o assassinato da tal testemunha. No final, o assassino contratado era o agente disfarçado Carl Force. Ao que consta, sob ordens de seus supervisores, Force e Bridges forjaram a morte da testemunha, enviando a DPR até mesmo uma foto como "prova da morte".

Nada disso fez parte do julgamento em Nova York. Por dois motivos. Primeiro, a acusação não incluiu a conspiração para o assassinato da testemunha. Pelo contrário, outro indiciamento em Maryland tratava disso. Segundo: a investigação sobre Force e Bridges seguia em sigilo – ou seja, a defesa de Ulbricht não podia falar nada sobre os dois agentes.

Vale notar que o governo tinha posse do notebook de Ulbricht, que incluía um diário, chats, tabelas contábeis e mesmo uma cópia integral do Silk Road. Eles ligaram porções do diário e os chats aos e-mails de sua conta pessoal do Gmail (rossulbricht@gmail.com) e postagens na sua página do Facebook. Até mesmo arrolaram um amigo dos tempos de faculdade de Ross para testemunhar que havia ajudado a escrever o código do site no começo.

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Seria eufemismo dizer que a acusação tinha um puta caso em mãos.

Já a teoria da defesa caiu mal aos olhos dos espectadores por sua falta de plausibilidade. Ela afirmava que Mark Karpeles, CEO de uma empresa de bitcoin, havia hackeado Ross Ulbricht por meio de um software de BitTorrent baixando um episódio de The Colbert Report. Karpeles então teria plantado o diário, os chats e outros arquivos no computador de Ulbricht, incriminando-o.

O júri não deu bola e condenou Ulbricht de todas as acusações.

Não é como se Force e Bridges tivessem sido essenciais para capturar Ross Ulbricht – o que sabemos tende a mostrar que eles eram realmente bons em arruinar uma investigação de dentro, mas nem tanto em conseguir evidências reais. No final, o lance mesmo é que a omissão de Force e Bridges do julgamento só parece horrível mesmo.

É mais possível que o júri ainda condenasse Ulbricht, mesmo que tivessem sabido da bagunça dentro da investigação do Silk Road. O ponto é que, mesmo que a justiça tenha sido feita, parece tudo muito injusto.

O que aconteceu com os servidores islandeses?

A defesa deu cabo de muitas evidências ao longo do processo, com base na teoria de que a apreensão dos servidores havia sido ilegal. Não conseguiram provar 100%, mas a conta não batia e valia a pena investigar.

De certa forma, Ulbricht teria que confessar ser o DPR para ser absolvido de ser o DPR

De fato, especialistas como Nicholas Weaver e Rob Graham concordaram: algo estava errado com o relato do FBI sobre como os servidores foram encontrados.

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O governo afirmou que o CAPTCHA do Silk Road havia sido desconfigurado e que isso os levou ao seu IP. Mas logs de tráfego dos servidores não corroboravam a história e, quando a defesa pediu mais informações, como os próprios logs de tráfego do governo ou o software usado pelo FBI, eles afirmaram não ter nenhum registro.

Foi bem esquisitinho.

Mas eis a treta: um questionamento com base na Quarta Emenda para determinar se uma busca é legal ou ilegal começa com o fato de o réu ter interesse pessoal naquilo que foi vasculhado ou apreendido. Ross Ulbricht teria que declarar ter interesse pessoal nos servidores islandeses para usar tal recurso. De certa forma, Ulbricht teria que confessar ser o DPR para ser absolvido de ser o DPR.

Talvez tivesse funcionado. Declarar interesse pessoal em algo não é o mesmo que dizer que você é o cara, mas Ulbricht decidiu não brincar com fogo. Em termos legais, o assunto todo é bastante espinhoso. O servidor estava instalado fisicamente no exterior, na Islândia, alugado por um serviço terceirizado – fatos que complicavam o tal recurso da Quarta Emenda, se aplicável.

Logo, a defesa optou por não declarar interesse pessoal no servidor. E agora, apesar de dedicar 170 páginas a outros assuntos, a defesa decidiu não entrar com recurso contra a decisão da corte de que deveriam declarar tal interesse.

Ou seja: possivelmente nunca saberemos o que aconteceu com os benditos servidores. Independentemente do que as demais instâncias façam com o recurso de Ross, o maior mistério sem solução do caso seguirá sem resposta.

Tradução: Thiago "Índio" Silva