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Tecnologia

Em Busca da Energia Escura

Conversamos com Marcelle Soares Santos, que foi reconhecida por sua pesquisa com energia escura.
Imagem de uma das descobertas de Marcelle, o corpo estelar P/2010 A2. Crédito: NASA, ESA, and D. Jewitt (UCLA)

Ver mulheres na área de exatas ainda parece algo raro. Ver mulheres na área de exatas ganhando prêmios internacionais é algo que parece ainda mais raro, principalmente brasileiras. Nos 113 anos de existência do prêmio Nobel, apenas 47 mulheres o ganharam e somente cinco nas áreas de química e física.

Mas Marcelle Soares Santos é uma mulher que pretende desafiar esses números. Ela ganhou o prêmio Alvin Tollestrup esse ano por sua contribuição ao projeto da DECam, uma das câmeras mais sensíveis do mundo, que é usada para observar fenômenos no espaço. Ela foi uma das quatro mulheres que ganhou esse prêmio nos últimos 11 anos.

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Nascida em Vitória, Marcelle se formou em física na Universidade Federal do Espírito Santo e é doutora em astronomia pela Universidade de São Paulo.

Nessa jornada, ela se aprofundou por um dos assuntos mais difíceis e misteriosos da física: a energia escura. Hoje, ela trabalha no Fermilab, em Chicago, onde integra o time do projeto Dark Energy Survey (DES), que desenvolveu a DECam. Durante sua carreira, ela também ajudou a descobrir um corpo celeste desconhecido no sistema solar, o P/2010 A2. "Foi um golpe de sorte!", ela comemora.

Conversei com ela sobre o que raios é essa energia e quais seus desafios encontrados nessa área de pesquisa – tanto pela dificuldade do assunto quanto pelo fato de ser uma mulher nas exatas. Em ambos os casos ela se mostra otimista, "tenho confiança de que estamos progredindo na direção certa".

Motherboard: Você ganhou um prêmio por sua contribuição ao projeto Dark Energy Survey construindo a DECam. Para que essa câmera serve? Como ela funciona? Como você a desenvolveu?

Marcelle Soares Santos: DECam é uma câmera de 570 Megapixels com alta sensibilidade, amplo campo de visão e baixíssimo nível de ruído eletrônico. Em particular, na região vermelha do espectro luminoso, DECam é uma das câmeras mais sensíveis do mundo. A câmera foi desenvolvida pelo time do projeto Dark Energy Survey, e está disponível para a comunidade astronômica em geral desde 2012. Está em funcionamento no telescópio Blanco, no Cerro Tololo Inter-american Observatory, no Chile. A câmera serve a projetos em vários campos, desde estudos de populações estelares na nossa galáxia, até cosmologia.

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O projeto em que eu trabalho, o DES, tem foco na cosmologia. As observações do projeto DES começaram em 2012 e vão até 2018. Para atingir seus objetivos científicos, DES vai observar um total de 300 Milhões de galáxias usando a DECam. Isso será possível graças a essas características especiais da DECam: o campo visual amplo permite observar uma área grande do céu em cada imagem, a alta sensibilidade e o baixo nível de ruído permitem detectar objetos distantes e de baixa luminosidade. DES desenvolveu a DECam com foco na cosmologia.

O desenvolvimento dessa câmera envolveu dezenas de pessoas do DES. Minha participação começou em 2010 e por 2 anos tive o privilégio de contribuir para construção da câmera, que ocorreu no Fermilab, e para instalação da câmera no telescópio no Chile. Foi uma experiência maravilhosa.

Projeto da DECam. Crédito: Fermilab

No que consiste a energia escura?

Energia escura é o termo usado para se referir ao mecanismo que promove a aceleração da expansão universo recente. Essa aceleração foi detectada em observação, mas não temos ainda uma explicação. Uma possibilidade é que seja a energia do espaço vazio (do vácuo) entre as galáxias que esteja causando isso. E como essa forma de energia não emite em nenhum comprimento de onda, chamamos essa energia de "energia escura". Mas não sabemos se é isso mesmo. É uma hipótese que queremos testar com novas observações.

A DECam pode ajudar a entendê-la melhor?

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As imagens produzidas com a DECam vão ajudar a iluminar esse assunto. Com 300 milhões de galáxias vamos mapear a história de expansão do universo e o processo de formação de estruturas (aglomerados de galáxias). Nessas escalas cósmicas, a expansão acelerada do universo tem efeitos observáveis: a energia escura vai inibir a formação de grandes aglomerados de galáxias, por exemplo.

Por que é tão difícil descobrir o que é a energia escura?

Até onde sabemos atualmente, a energia escura é um fenômeno que se manifesta de maneira observável somente em escalas cósmicas. Não podemos recria-lo no laboratório e temos que observar grandes volumes cósmicos para estudar esse problema. Esse é o principal desafio.

Como se comprova a existência da energia escura?

O exemplo mais contundente de observações astronômicas que permitem concluir que a energia escura existe (ou que a expansão do universo está mesmo acelerando) é o fato de que explosões de um tipo especifico de estrelas distantes, as Supernovas tipo Iá, parecem mais fracas do que o esperado. Isso indica que a expansão do universo, entre o ponto em que a explosão ocorreu e o ponto das nossas observações, ocorreu com uma taxa crescente, ou seja, houve aceleração. As primeiras publicações demonstrando isso apareceram em 1998 e 1999 e resultaram no prêmio Nobel de física de 2011.

Imagem da DECam da galáxia NGC 1398. Crédito: Dark Energy Survey

O que você faz no Fermilab? No que consiste seu trabalho de pesquisa?

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Eu trabalho no projeto DES. Agora que a DECam está pronta e operando normalmente no telescópio, eu uso os dados obtidos para entender a energia escura. As imagens da DECam são processadas e as galáxias são detectadas. Eu desenvolvi um software em que os catálogos de galáxias são processados para detectar aglomerados de galáxias (grupos que variam de uma meia dúzia até centenas de galáxias). Uma vez detectados, eu posso comparar a distribuição de aglomerados com a distribuição que os modelos teóricos predizem e assim determinar os parâmetros da energia escura.

O que você descobriu até hoje na sua carreira?

Quando eu estava na pós-graduação, eu participei de observações no Kitt Peak Observatory, no Arizona. Uma noite, eu recebi um pedido para observar um objeto raro, que apresentava características tanto de cometa quanto de asteroide. Acabei contribuindo para descobrir um novo corpo celeste no nosso sistema solar, o P/2010 A2. Foi um golpe de sorte!

Nos 11 anos de existência do prêmio Alvin Tollestrup, quatro mulheres o ganharam. Parece algo fora do comum. Como você vê a atuação de mulheres na área das exatas?

A participação de mulheres em campos como astronomia e física de partículas tem aumentado significativamente nos últimos anos. Isso se reflete no aumento do número de mulheres que tem seu sucesso reconhecido através de prêmios. E esse efeito é particularmente mais forte em prêmios como o Alvin Tollestrup, que tem foco em pesquisadores jovens. Acho que no futuro isso vai se tornar comum também em prêmios para pesquisadores sêniores, como o Nobel.

Como é ser mulher nessa área de trabalho?

Essa área de pesquisa é muito colaborativa, mas também muito competitiva. A situação das mulheres nesse campo tem melhorado (há um número maior de mulheres atuando em posições de destaque, por exemplo), mas ainda não atingimos uma situação de igualdade. Tenho confiança de que estamos progredindo na direção certa.