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Música

Adormeci durante a listening party do novo de Sigur Rós

Música estranha conduz a comportamentos estranhos.

Na quinta-feira passada, dormi uma sesta entre as seis e as oito e meia. Quando acordei, fiquei a saber, através do Facebook, que tinha perdido a oportunidade de ouvir o novo disco de Sigur Rós, durante uma hora, na página oficial da banda. Ao que parece, o sexto disco de originais,

, esteve disponível em

streaming

para que cada parte do mundo o pudesse escutar a partir das sete da tarde. Visitei a página oficial da banda e o que encontrei foi um mapa do mundo (ver em baixo), que me fez sentir ligeiramente estúpido por ter deixado passar a hora que abrangia Portugal. Depois pensei: “ah, dormi durante um disco de Sigur Rós” e aceitei isso como algo bastante normal.

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Ainda me ocorreu a hipótese de forjar um endereço de IP estrangeiro para escutar o

Alvatari

no fuso horário da Colômbia, mas presumi que o Valderrama e o Higuita estivessem igualmente ansiosos por ouvir o disco e a última coisa de que preciso na vida é ser perseguido por cartéis colombianos furiosos com a minha reprodução de um IP que lhes pertence. Nisto, enquanto estava a ver as fotos da Mayumi com as grandes pedras, aparece um daqueles

pop-ups

irritantes com a mensagem:

Queres sacar o novo de Sigur Rós? Sim ou não?.

Escolhi “sim” porque tenho uma boa firewall.

Música estranha conduz a comportamentos estranhos e os Sigur Rós são mundialmente famosos pelas metáforas que os fãs criam para descrever a sua estética (uma espécie de pós-rock etéreo com letras indecifráveis). Quando o

Ágaetis Byrjun

começou a arrecadar elogios um pouco por toda a parte, era famosa aquela analogia que o comparava ao “som das lágrimas caídas dos anjos”, ou algo do género. Depois disso, todas as descrições ficaram obrigadas a ser mais criativas e o episódio que relato já de seguida é um verdadeiro milagre de todas as adjectivações dedicadas à música do mundo.

O Pedro é um amigo meu que, nas muitas viagens de autocarro partilhadas, conseguia dizer “alternativo” 30 vezes em cada 20 palavras, o que dá uma média incrível para duas pessoas que não estão a dar no ice. Tudo, de certa maneira, era “alternativo” para o Pedro. Alguns anos depois de andarmos na mesma faculdade, estava eu com uma amiga a comer umas batatas fritas e a beber um Guaraná quando o Pedro me abordou muito entusiasmado pelo facto de andar ultimamente a ouvir uma banda com um “som glaciar, celestial”. Fiquei feliz por não ser um “som glaciar, celestial e alternativo”, mas entendi que estava a falar dos Sigur Rós, o que me deixou igualmente aliviado por saber que a última banda a merecer elogios tão rasgados do Pedro tinham sido os Oasis.

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Nunca mais digas a ninguém que os Sigur Rós tocam música intra-uterina, porque toda a gente que conhece esta capa já sabe disso.

Mas esta doença das “palavras poéticas” para falar dos Sigur Rós voltou-se contra mim quando, em 2005, fui ver os gajos ao Coliseu de Lisboa, pela segunda vez, e escrevi o seguinte sobre o momento final: “ (…) esse que até pode ser o beijo adiado que, estimulado pela invariavelmente avassaladora “Popplagið”, acaba por unir a Praça da Figueira e o Rossio (ali mesmo ao lado).” A única justificação que encontro para isto é o pouco tempo que um gajo arranja para jantar nas noites de concerto. Devia estar subnutrido quando me ocorreu tal imagem. Tudo o resto não chega para a explicar o facto de estar a tentar convencer alguém de que uma música dos Sigur Rós fez com que a Praça da Figueira e o Rossio dessem um beijo, tanto mais quando ambas as calçadas costumam estar todas cagadas.

Mas falemos agora de coisas sérias, porque o título deste artigo indica que ouvi o

Valtari

e as quatro ou cinco pessoas que chegaram a esta parte devem estar à espera que diga qualquer coisa sobre o disco. Pois bem, o

Valtari

é uma espécie de

Takk

dentro dos parênteses do bonito “(  )”, mas mais parecido com um camelo a meditar. O disco tem pianos e uma produção que nos faz imaginar o que poderiam ser os Sigur Rós remisturados pelos Boards of Canada (escute-se a faixa homónima), enquanto nos recorda também dos interlúdios instrumentais que a banda utilizava em concertos para adormecer o público antes de entrar em palco.

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Tudo isto não tem absolutamente nada que ver com o James Cameron, mas acho que o realizador tinha muito a ganhar no mercado escandinavo se decidisse lançar uma versão do

Avatar

com o título “Avatari”. Tudo ficaria rigorosamente igual à excepção de dois aspectos essenciais: a banda-sonora era dos Sigur Rós e as cenas de amor entre criaturas Na’vi teriam de ser em maior número. Num mundo perfeito e sem barreiras, seria lindo ver casais espalhados pelos jardins de Serralves (ou da Gulbenkian) a rabiscar desenhos e a escrever poemas inspirados pelo

Avatari

, sucesso enorme na Escandinávia, filme de culto na restante Europa.

Os mais resistentes merecem ouvir-me a cantar 30 segundos de Sigur Rós numa versão produzida pelo Mr. Mute. Já me chamaram muitos nomes só por causa disto, mas sei que a Barbára Guimarães me daria um “sim” no casting do

Ídolos

, porque ela gosta de coisas muito culturais: