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Fui expulso dos EUA por ter uma guitarra

E começo a acreditar na tese do Edward Snowden.

Como qualquer estrangeiro que já viajou para a América sabe, é lixado contornar as restrições dos aeroportos. Os agentes das fronteiras desconfiam de toda a gente com um nome “estrangeirado” ou sotaque esquisito, tratam-te como terrorista até provares que não o és, e, como descobri no mês passado, eles detestam guitarras. Pelo menos é o que me parece, porque, não consigo pensar noutro motivo qualquer para me terem prendido durante horas, terem feito uma busca completa ao corpo para depois me expulsarem do país, quando tudo o que eu queria era andar pelo Sul e quem sabe dar uns concertos à borla. Estava a pensar em seguir as pegadas dos meus ídolos musicais — Johnny Cash, Elvis Presley, John Lee Hooker, gajos toxicodependentes e bem viajados com guitarras — apanhando os autocarros da Greyhound que vão pelo Sul até à costa Oeste, antes de visitar a minha tia em Alabama e crashar num motel qualquer no Delta do Mississippi para gravar uma cena minha. Também mandei mails a vários bares à espera de poder tocar nalguns sítios pelo caminho, o que a meu ver seria OK para o governo Americano. Aliás, no site do departamento estatal é-nos especificamente dito que podemos visitar os Estados Unidos sem um VISA, desde que sejas um tipo amador que faz “música, desportos, ou eventos similares, e que não é pago por isso”. Então, planeei a minha visita sem me preocupar com cenas burocráticas. Antes de ir para o Sul iria ter com a minha namorada à Califórnia. Uma vez que vivo em Londres e ela em Constance, na Alemanha, fomos para os Estados Unidos em voos diferentes, para nos encontrarmos depois em Los Angeles. A minha viagem foi sem stresses até ter chegado a Minneapolis, onde, depois de já ter passado pelo check-up da fronteira e entrar na terra das oportunidades, era suposto apanhar o meu voo. O empregado de balcão verificou o meu passaporte, olhou para a minha guitarra e perguntou, “és músico?” ao qual respondi que era um amador e que tava a espera de tocar nalguns espetáculos pequenos e bares. Depois, o mesmo funcionário, perguntou-me quando tinha sido a última vez que tinha ido aos Estados Unidos. Disse-lhe que tinha vindo da Alemanha para estudar em Seattle na Universidade de Washington em 2011. “Porque é que fizeste isso?”, gritou ele. Eu tirei um curso em Filosofia, portanto, esta era uma daquelas perguntas que podia demorar uma eternidade a responder, mas achei estranho que aquele homem anormalmente agressivo quisesse falar comigo sobre os propósitos da educação artística livre no meio de um aeroporto. Mas antes de poder responder, ele olhou para mim de forma agressiva e disse “Os meus colegas têm algumas perguntas para te fazer”. Levaram-me para um quarto com uns tipos muito estranhos. Por exemplo, estava lá um rapaz da Índia com 20 e tal anos que tinha sido mantido naquele sítio um dia inteiro e que sobrevivia a água e batatas de pacote, porque, supostamente, havia algo errado com o seu cartão de estudante. Também lá estava uma família como uma criança pequena que não parava de chorar e uma idosa inglesa, completamente aterrorizada, que queria visitar a filha e que tinha saído no meu voo. “Porquê é que veio visitar a sua filha?” Um agente perguntou-lhe. A senhora respondeu que é isso que as famílias fazem quando vivem longe umas das outras. Eu sentei-me em silêncio, preocupado por a minha namorada estar à minha espera no Aeroporto internacional de Los Angeles e poder, também ela, estar preocupada. A certa altura, fui chamado ao balcão por um guarda chamado James, que começou a repetir imensas perguntas. Dei exatamente as mesmas respostas que tinha dado antes. Tive a impressão que ele pensava que eu era um músico profissional, o que até era fixe senão fosse o caso de me estar a prender contra a minha vontade numa jaula de um aeroporto. A uma certa altura, o Agente James disse-me que podia mandar-me para a cadeia naquela instante, sem passar por um juiz ou processo legal. Eu sei que a América tem uma má reputação sobre a forma como trata os seus estrangeiros, mas continuava em choque — a minha presença não trazia qualquer tipo de ameaça para os agentes e tinha feito tudo o que me mandavam. Depois de ser ameaçado, para variar, mandaram-me de volta para a sala de espera e pediram-me que me voltasse a sentar. Outro agente pediu-me para lhes dar o saco que tinha trazido para o revistarem. Depois de terem a minha mala, esvaziado o meu aftershave, e, curiosamente, furado todos os meus preservativos, o agente James sacou uns papéis. Um deles tinha as datas e localizações que eu tinha planeado para actuar sob o nome “John Vouloir”, algo de que ainda não tinha falado por não achar relevante e porque ninguém me tinha perguntado. Gostaria de saber onde tinha encontrado essa informação. Disseram-me mais tarde que “a América sabe tudo”. Depois fizeram-me uma revista corporal. Fui levado para um quarto sem janelas que parecia uma cela de prisão, a sanita, o lavatório e a mesa eram de metal. Ainda não me tinham dito o que tinha feito de errado, o motivo por estar ali. Durante 10 minutos, mais ou menos, um agente obeso passou-me as mãos por todo o lado a ver se encontrava cenas que eu pudesse traficar. Não encontrou nada, porque não havia nada para encontrar.  Voltei-me a vestir e aturar mais uma ronda de perguntas. A esta altura já estava detido há 3 horas e estava preocupado com a minha namorada, que já devia ter chegado a Los Angeles por esta altura, e estar a stressar e preocupada. Perguntei se podia fazer um telefonema e disseram- me que podia só ligar para números americanos. Pedi para ligar para a minha tia de Alabama. Os agentes acusaram-me logo de estar a mentir. Fiquei confuso com o facto deles terem arranjado o meu nome artístico mas não descobrirem que tenho um familiar a viver nos EUA há anos. Fui então interrogado outra vez e perguntaram-me as mesmas coisas outra vez. Desta vez pareceu uma cena oficial e o Agente James escreveu algumas notas. Depois de dez minutos, um dos seus colegas veio ao quarto e pediu-lhe para se despachar. Ele disse que só tinha mais alguns minutos para me interrogar. Quando acabou, deu-me um documento que tive de assinar sem tempo para o ler. Aparentemente, foi-me negada a entrada nos EUA porque estava numa viagem de negócios ilegal, ou algo do género. Depois de três horas de incertezas e de me perguntar a mim próprio se ia para uma cela naquela noite, disseram-me que ia ser despachado para a Europa — Amesterdão para ser mais exacto. Quando cheguei, deram-me um envelope com o meu passaporte e um bilhete para Londres, o que até foi fofo. Mas o pobre indiano que tinha sido interrogado e mandado comigo para Amesterdão não teve direito a um bilhete, e não sabia como voltar para casa. A questão é: porque é que o governo americano me rejeitou? Porque é que fui posto na lista do SSSSSecondary Security Screening Selection que a ACLU - Associação Civil de Liberdades dos Americanos diz ser inconstitucional? Não sou o primeiro turista a ser tratado injustamente pelos oficiais dos EUA. O escritor Niels Gerson Lohman disse recentemente ter sido impedido de entrar nos EUA a partir da fronteira do Canadá porque o passaporte dele tinha carimbos de países Muçulmanos. Em 2012, um turista chamado Leigh Van Bryan e a sua namorada foram postos na prisão porque o Leigh mandou um tweet a dizer que queria “destruir a América” e “tirar a Marilyn Monroe da cova”. (Ainda que ele tenha explicado aos agentes que “destruir” era um calão inglês para “divertir-se” ou “festejar” e que a referência a Marilyn era apenas uma piada).  Mas eu não tinha mandado um tweet a dizer que queria destruir a América, ou tirar da cova estrelas de cinema mortas. Não tinha carimbos estranhos no meu passaporte, simplesmente cheguei a Minneapolis com uma guitarra, tal como milhares de outras pessoas que viajam todos os anos com instrumentos musicais pelos EUA.  Seria pouco modesto da minha parte assumir que foram meia-dúzia de artigos que escrevi num blog — um em que demonstro o quão pouco gosto do Obama e outro sobre a guerra dos “drones” — que me lixaram a vida? Estarei a ser paranoico ao ponto de pensar que eles leram os mails que mandei aos bares em que ia atuar? Provavelmente, estarei a exagerar e parece-me um total desperdício dos seus recursos e do meu tempo, mas depois de Edward Snowden ter revelado o que a NSA anda a fazer, ficou claro que a América sabe mesmo tudo, e irá fazer tudo o que pode para se defender da ameaça de um músico amador alemão, com uma guitarra e um passe de Autocarro.