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Tecnologia

Porque éramos tão viciados nos Tamagotchis?

Como amantes necessitados, confundíamos a dependência pelos nossos Tamagotchis com devoção.

Imagem de Natalie Silvanovich

A 23 de Novembro de 1996, Aki Maita e Yokoi Akihito criaram um mundo mais nerd. Maita e Akihito desenvolveram um animal de companhia virtual em forma de ovo que morre quando o seu dono deixa de lhe dar amor, afecto e atenção diários. Foi um êxito tremendo. E quase 20 anos depois dos Tamagotchis estarem tão na moda, que até os nossos pais faziam de tudo para mantê-los com vida ("Todas a manhãs acordo e está morto", disse-me Madeline Sayer Umans, uma mãe e dona de casa, durante o apogeu dos Tmagotchis), essas mascotes virtuais ainda cá estão, em vários formatos.

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Desde a sua invenção, 79 milhões de Tamagotchis chegaram às mãos pequeninas dos miúdos da primária. Eram como Pogs com personalidade, ou My Little Ponys com o risco eminente de morrer. A malta dos 90 sabe bem do que falo. Podias andar com o teu Tamagotchi - ou no meu caso patético, vários Tamagotchis - e alimentá-lo debaixo da tua carteira da escola enquanto fingias que curtias matemática e contas de dividir.

Como amantes necessitados, confundíamos a dependência pelos nossos Tamagotchis com devoção. O que é nos fez morrer de amores?

Fotografia via Flickr

Estavam colados a nós, literalmente

Segundo Anne Allison, professora da Universidade de Antropologia Duke, o Tamagotchi tinha uma "presença pró-estética" que o convertia numa extensão de nós mesmos, e não tanto num mero jogo. Esta conexão íntima era o sonho de Akihito, um dos seus criadores. Akihiro viu, uma vez, um anúncio sobre um menino que enfiava a sua tartaruga de estimação na mochila para poder levá-la para a escola e ficou comovido. Allison escreveu um livro chamado Millennial Monsters: Japanese Toys and the Global Imagination, que diz que o Tamagotchi "não foi o primeiro animal de estimação virtual. Foi sim, a razão pela qual a fantasia cyborg ficou famosa e se (re)produziu como uma cultura de massas". Além disso, podíamos usá-lo como porta-chaves.

Colocavam-nos questões profundas

Natalie Silvanovich é uma das mais fiéis seguidoras do Tamagotchi. Natalie trabalha como engenheira de segurança informática na equipa da Android da Google e no seu tempo livre é "Tama Hacker". Quando era mais nova ela e uma das suas amigas desenhavam píxeis numa gráfica para obter o registo do comportamento das suas criaturas. "Quando cresci, apercebi-me que podia decifrá-lo", contou-nos. Encontrou um Tamag-Go (uma versão maior do clássico dos 90) no Walmart, e um modelo Tmagotchi Friends na loja Toys "R" Us, e desenvolveu o código do que para ela são as "questões mais profundas": como é que se decide o seu género e como se forma o seu carácter. Andou às voltas com a placa de circuitos para dirigir as acções do Tamagotchi, e tal como o Joaquin Phoenix no filme Her, descobriu que alguns resultados podiam controlar-se, mas que outros eram fruto do acaso.

Tinham os mesmos problemas que nós

O controlo, tanto é a premissa, como o ponto de um jogo. Usuários como Silvanovich estão em contacto através de páginas para devotos, como TamaTalk e Tamazone. Ficam preocupados porque os seus Tamagothcis estão muito fracos ou muito gordos. As guloseimas são um problema. Yukiyuna, uma utilizadora, está preocupada porque o seu Tamagotchi não toma banho. "Dava-lhe banho sem que mo pedisse, por isso decidi esperar que o fizesse mas nunca aconteceu", escreve. Os usuários entram em pânico e publicam coisas como "O meu Tamagotchi não quer casar-se". Os Tamagotchis não apanhavam um milhão de bananas, nem saltavam por arcos em chamas. Faziam os mesmo que nós, apenas corriam mais riscos.

Zoya Street, directora editorial da revista electrónica de jogos de computador Memory Insufficient, diz-nos que "o Tamagotchi é parte da [ideia de] que não faz mal as meninas brincarem com uma consola portátil e que ao fazê-lo não ameaçam a virilidade da identidade de um jogo de computador, como se pensava nos anos 80". Em vez de desafiarem algo, entravam nas estructuras sociais já existentes.

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Fotografia via Flickr

Eram o sonho de qualquer criança: um brinquedo com vida

O Tamagotchi seguia os passos das diversas tecnologias: bonecas de trapos, peluches e o jogo do Pokémon. O historiador de jogos de computador, Carl Kocurek, disse que o Star Wars foi a base dos andróides fofinhos e com vida. Na década dos 90 o Tmagotchi era algo extraordinário, mas agora as suas características básicas estão em todo lado. Street diz que os jogos como Farmville, Puzzle & Dragons e o Neko Atsume, tal como os jogos tipo Monster Rancher e Digimon, o diabólico Furby e a série Nintendogs DS se inspiraram no Tamagotchi.

Adrian David Cheok, director de Mixed Reality Lab, diz que o Tamagotchi era "o jogo indicado para a época indicada". "Tenho a certeza que até na Grécia antiga, as crianças desejavam que os seus brinquedos ganhassem vida. É um sonho humano", disse Cheok. "Mas isso só foi possível graças aos avanços tecnológicos. Foi o cruzamento entre o que as crianças desejavam há milhares de anos e o que a tecnologia podia oferecer". Cheok previu que dentro de 25 anos, em vez de termos ciber-cães e interfaces gráficas, teremos amigos robóticos de verdade, animais de estimação e amantes de verdade.

"Há pessoas que dizem que se a conexão for electrónica, então é uma conexão pobre; é melhor cara à cara, e tudo o que não entre nesse critério é inferior. Outros perguntam-se se a conexão com os Tama é inferior, mas não o é, apenas é diferente", explicou Allison. "Isso não quer dizer que não tenha os seus próprios benefícios e atributos".

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Sabemos que o nosso tempo juntos era valioso

Os Tamagotchis nunca nos prometeram a eternidade, como a maior parte das nossas relações reais. Umas das características que mais distingue os Tamagotchis é que se negam a proteger os usuários da realidade mais difícil das suas vidas. No mundo do Tama, o teu bichinho de estimação pode morrer por:

• Sede
• Contacto com tinta de polvo
• O ataque de um urso polar enquanto dorme
• Dor de dentes
• Excesso de comida
• Que não limpes as suas fezes
• Negligência séria
• Ser esmagado
• Velhice

Na versão japonesa, o Tamagotchi converte-se num fantasma e depois numa lápide. Na versão do Tamagotchi Friends 2014, que saiu no ocidente, simplesmente pega nas suas coisas e vai embora, muito ocidental.

TamaTalk tem um cemitério Tamagotchi para aqueles que não podem simplesmente esquecer o seu amigo de plástico. Alguns lamentam os seus erros, como tê-los empanturrado com gelado. Outros estão realmente destroçados, como podemos ver em seguida:

Akbar era meu amigo, meu irmão. Esteve sempre ao meu lado nos piores momentos e fazia-me feliz. Akbar tornou-me numa melhor pessoa. Era parte de mim, como eu era parte dele. Entendíamo-nos um ao outro… não acredito que ele se foi. Sê livre Akbar, voa como as aves no céu Tama…

Kocurek afirma que o luto prolongado é um sintoma do "efeito Tamagotchi", que é uma dedicação extrema à criatura virtual. "Depois de ter estalado a borbulha no Japão, em 1991, a economia nunca mais se recuperou. Cada vez há mais desemprego, as pessoas preocupam-se com os terramotos e os desastres nucleares, e as taxas de natalidade e casamento são cada vez mais baixas. Existe uma grande sensação de insegurança", disse-nos Allison. "Uma mulher japonesa disse-me: O meu filho é muito solidário, graças a Deus que tem um Tamagotchi. E disse-o a sério. Gostava que o seu filho tivesse algo com o qual pudesse concentrar-se".

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Foto vía usuaria de Flickr joi

Em 1998, no auge do Tamagotchi, um homem fez um cemitério para estas criaturas, em Inglaterra. Os seus donos deixavam raminhos de flores. O dono do cemitério disse que tinha enterrado Tamagotchis para devotos da Suíça, Alemanha, Franças, Canadá e EUA. Nesse mesmo ano, na Hungria, enterravam-se Tamagotchis em urnas de barro.

Ray Kurzweil escreveu no prólogo do seu clássico A era das máquinas espirituais: "A morte dá significado às nossas vidas. Dá importância e valor ao tempo. O tempo seria insignificante se houvesse demasiado". É indiscutível que às "nossas vidas" referia-se à sua e à do seu Tamagotchi.

Ficarão para sempre no nosso coração

20 anos depois, continuam a existir diferentes reacções ao Tamagotchi. No geral, as pessoas acham-nos "monótonos", "aborrecidos", "insensíveis" ou "divertidos". Muitos ainda tomam banho com os seus brinquedos. A dependência tecnológica não começou nem vai terminar com o Tamagotchi.

O que fez com que este brinquedo tivesse tanto êxito naquela época? O cuidado apaixonado combinado com a ilusão de controlo influenciam as mentes jovens. Como diz o "Principezinho", "Cada um é responsável do que domesticou". Eram nossos.

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